A Grande Comissão: Uma Base Teológica

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Introdução

Ninguém pode negar que a expressão Grande Comissão é uma das mais usadas no meio cristão de hoje. Ela é o mote que fomentou algumas das maiores iniciativas evangelísticas dos tempos modernos. Sua associação mais próxima é com o texto de Mateus 28:18–20, e tal expressão é tão familiar aos ouvidos cristãos que parece ter saído direto das Escrituras, mas não saiu. E, além disso, o uso popular da “Grande Comissão” só se deu início há cerca de 150 anos. Então, como a expressão se tornou tão corrente?

Foi Hudson Taylor (1832–1905) quem primeiro incluiu o termo nas linhas de frente do falar missionário. Ao que se sabe, ele pegou emprestada a expressão dos escritos de um missionário holandês, Justinian von Welz (1621–1688), que a usou como um título para Mateus 28:18-20. Durante 1600 anos até von Welz, ou próximo a esta época, o texto de Mateus havia servido, primariamente, a um propósito mais amplo, “como a base trinitária para eclesiologia, não como toque de trombeta para missiologia”1. Tal observação histórica é relevante porque a prática contemporânea deste ponto alto do evangelho de Mateus pode, inadvertidamente, enfraquecer as ênfases cristológica e eclesiológica deste relato, que fornece o contexto necessário para a missão cristã2.

No entanto, a aplicação eficaz das palavras de despedida de Jesus em Mateus (e Marcos) como base bíblica para a evangelização mundial precede Hudson Taylor. Estas palavras impulsionaram o caloroso apelo de William Carey em 1792, o qual marca o ponto de virada em missões modernas3. Ele escreveu:

Nosso Senhor Jesus Cristo, um pouco antes de partir, comissionou seus apóstolos a ir e fazer discípulos de todas as nações; ou, como colocado por outro evagelista, ide por todo mundo e pregai o evangelho a toda criatura. Esta comissão foi o mais ampla possível, e os obrigou a se espalhar por todos os países do mundo habitável, e a pregar a todos os habitantes, sem exceção ou limitação.4

Consequentemente, com o novo impulso para missões na Ásia e África durante o apogeu do Império Britânico, as palavras finais de Jesus para seus apóstolos nos Evangelhos e em Atos receberam uma renovada atenção. Espalhadas nestas perícopes – que narram aparições de Jesus pós-ressurreição – encontramos referências que especificam o que os discípulos deveriam fazer após a partida de Jesus. De maneira mais significativa, elas apontam para o escopo global, internacional, de suas empreitadas missionárias, que estavam em sintonia com o imperialismo europeu dominante no mundo à época. Como resultado, estes textos disputavam a atenção como a base bíblica ideal de motivação para as igrejas locais renovarem seu compromisso com missões transculturais e evangelização mundial.

Além disso, após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos da América mudou sua política externa para que pudessem se envolver mais proativamente com as nações do mundo. Isto fez com que as agências missionárias cristãs com bases nos Estados Unidos também olhassem para fora e direcionassem vastos recursos para o trabalho da Grande Comissão: a evangelização das nações ainda não alcançadas.

Raízes da Grande Comissão

Grosso modo, a Grande Comissão refere-se ao mandato que o Senhor Jesus confiou à igreja através de seus apóstolos, para que ela fosse operacional no período entre sua ascensão e seu retorno. Porém, de uma perspectiva bíblica, mais do que ser um chamado inicial, Mateus 28:18-20 pode ser enxergado como o apogeu da convocação feita por Deus no Velho Testamento, que remete ao chamado de Abraão (Gênesis 12:1-3). Ali Deus chama um povo para si para que Ele seja conhecido por toda a humanidade5. A partir daí, este tema continua a se desenrolar nas Escrituras. Praticamente não há, em todo o VT, uma leitura significativa que não aponte, direta ou indiretamente, para o tema da “Grande Comissão”.

A característica mais impressionante do mandato missionário de Deus para Israel no Velho Testamento é o grande amor que Ele estendeu às nações além do povo judeu. Podemos ver isso na promessa em que, por causa de Abraão, “serão benditas todas as famílias da terra” (Gênesis 12:1-3), ou na visão profética de Isaías do dia em que as nações gentis irão a Sião para serem ensinadas nos caminhos do Senhor (Isaías 2:1-4). O episódio de Deus comissionando Jonas a ir à pagã Nínive (Jonas 1:2) ilustra, de maneira poderosa, o ideal veterotestamentário da missão de Deus através de Israel.

A Base Neotestamentária para a Grande Comissão

Os textos mais famosos da Grande Comissão foram tirados de um conjunto de instruções que Jesus deixa para seus onze apóstolos em sua despedida. Além da referência principal, em Mateus 28:18-20, geralmente também se incluem as seguintes: Marcos 16:15, Lucas 24:46–49 e Atos 1:86. Juntos, estes textos compartilham algumas linhas comuns.

Em primeiro lugar, eles são produzidos no contexto bastante tenso das aparições de Jesus a seus discípulos após sua ressureição. Na igreja primitiva, tais narrativas e seu conteúdo teriam adquirido grande significado já que foram as palavras finais de seu vitorioso líder. Em segundo lugar, em cada um desses momentos, Jesus especifica as responsabilidades que os apóstolos deveriam assumir: fazer discípulos, batizá-los e ensiná-los (Mateus), pregar o evangelho (Marcos) e ser “testemunhas” (Lucas e Atos). No desenrolar da história da igreja – como se pode verificar em Atos e nas epístolas do Novo Testamento – vemos como estas atividades foram o centro das atenções: evangelização através de testemunho, proclamação e demonstrações de poder, inclusão na igreja através do batismo e amadurecimento no discipulado através do ensino Em terceiro lugar, todos os textos apontavam para um público internacional, global: “todas as nações” (Mateus e Lucas), “toda criatura” (Marcos) e “os confins da terra” (Atos).

Por causa destas características, estes textos específicos forneceram a munição ideal para a missão transcultural e ofereceram um novo paradigma para missões mundiais a partir do final do século XIX. Os cristãos foram urgentemente chamados a ir a lugares no mundo antes nunca evangelizados, a fim de levarem pessoas a crer através de seus testemunhos pessoais e pela proclamação pública da palavra de Deus.

Olhando para trás, fica claro que os requisitos claros dos textos escolhidos para a Grande Comissão guiaram de maneira sutil, porém significativa, a teologia e a práxis do empreitada missionária. A ênfase na resposta a necessidades sociais e no trabalho com foco na transformação da sociedade – que antes eram considerados o esforço básico na missão cristã – foi sendo incrivelmente marginalizada e, por fim, deixada de lado. Esta ruptura dentro da evangelização – entre as dimensões social e de proclamação –, criaria enormes tensões no cristianismo global, e inevitavelmente levou a igreja a optar por algumas resoluções para tal situação. A igreja pode fazer exatamente isso quando, mais tarde, reconheceu e se apropriou da “Grande Comissão” do Evangelho de João (20:19-23).

Mateus 28:18–20: Autoridade, Alcance e Propósito da Grande Comissão

A Grande Comissão de Mateus resume, de maneira brilhante, as preocupações deste evangelho7, e é amplamente aceita como a base para se compreender o que Jesus espera de sua igreja no período entre sua ascensão e seu retorno.

A Grande Comissão foi formulada como uma diretriz a ser seguida, um mandamento a ser obedecido, um decreto a ser executado. Foi um mandato com inigualável legitimidade. Nas palavras de Steve Harthorne, “Nunca houve tamanho poder nas mãos de uma pessoa. Esta jamais será superada. Ela nunca abrirá mão do seu reinado. Ela não vai parar até que tenha cumprido o propósito de Deus em sua totalidade8.”

Em outras palavras, a Grande Comissão é mais do que uma declaração pessoal ou política. É uma declaração que anuncia a supremacia e o senhorio universal de Jesus Cristo. É por causa de quem Jesus é que nós devemos chamar todas as pessoas a crerem nele e em mais ninguém, – a deixarem demais alianças, religiões, falsos deuses e ideologias contraditórias para seguirem somente a ele.

A Grande Comissão veio diretamente do Senhor ressurreto, o cabeça de todos os principados e o detentor de todas as coisas. Isto implica o peso da comissão e a responsabilidade que temos nesta empreitada. Nós não podemos chamá-lo de Senhor e não darmos o devido valor à sua palavra. A maneira como Mateus formulou o texto é supreendente por sua ênfase na integralidade, marcada pelo termo “toda” [e suas variações]:

1.  Toda autoridade: Jesus assegura seus discípulos quanto à sua autoridade, que tudo abrange: “Toda autoridade me foi dada no céu e na terra”. Ele tem o direito de dar ordens, tomar decisões e impor obediência. Tal autoridade é legítima porque lhe foi  “dada”, e não roubada ou tomada (Filipenses 2:9–11). Além do mais, não é uma autoridade limitada a este mundo, mas uma autoridade que se aplica igualmente tanto a realidades terrestres quanto celestiais. Quem comissiona não demonstra dificuldades em comandar: “E o Pai a ninguém julga, mas ao Filho confiou todo o julgamento. (…) E lhe deu autoridade para julgar, porque é o Filho do Homem” (João 5:22, 27).

O fato de a Grande Comissão estar alicerçada nesta autoridade revela muito da vontade de Deus em realizar o que Ele quer. Com esta autoridade, nós, não apenas, temos a certeza de que seremos libertos do mau, mas podemos confiar que, nos momentos mais importantes, não seremos decepcionados, já que o Pai sujeitou “todas as coisas […] debaixo dos seus pés” (Hebreus 2:8).

2. Todas as nações: Quando Jesus disse, “ide… fazei discípulos de todas as nações”, ele estabeleceu um escopo ilimitado para a Grande Comissão. Devemos, no entanto, prestar bastante atenção não somente ao chamado de ir e proclamar, mas ao de “faze[r] discípulos de todas as nações” (levar pessoas de todos os grupos a serem verdadeiras seguidoras do Messias). Não é um convite para alguns grupos de pessoas especialmente selecionadas, mas para todas as pessoas. Este amplo alcance da comissão sugere que, em cada geração, os seguidores de Cristo devem tentar influenciar todos a que considerem a válida afirmacão de que Jesus é Senhor.

O chamado é para estabelecer comunidades de adoradores que amem a Cristo, odeiem o pecado e honrem a Deus, de geração em geração, de nação em nação. E será necessário um esforço considerável para cultivar a obediência daqueles que são alcançados. O cumprimento da Grande Comissão não é medido pelas distâncias viajadas mais do que pela qualidade do seguir a Cristo daqueles que foram acolhidos e incentivados a uma vida diária de aliança com Cristo.

3. Todos os ensinamentos: Aqueles a quem Cristo envia devem ensinar todos os seus mandamentos. A Grande Comissão proíbe às pessoas que o seguem uma atitude seletiva quanto às demanas de Cristo. Nós não podemos escolher ou adicionar o que queremos. Sua instrução é para que ensinemos “todas as coisas que vos tenho ensinado”.

4. Todo o tempo: A forma que Jesus encerra a comissão sugere a continuidade da sua presença, independentemente da circunstância ou do clima em que a Grande Comissão é realizada. Ele prometeu estar com seus seguidores sempre e até “a consumação do século”. Este final pode ser o fim dos tempos ou o fim do mundo habitado, não obstante o perigo, os riscos e as provações.

A frase “E eis que estou convosco todos os dias, até a consumação do século” é confortadora, não importa o que nos aconteça à medida que caminhamos rumo aos confins da terra. Com esta declaração recebemos também a certeza, o prestígio e o poder de sua presença eterna.

Fazendo Discípulos como o Propósito Definitivo

“Fazer discípulos” é o cerne da ordem que Jesus dá em Mateus 28:19. Em grego, a forma imperativa deste verbo raro – mathēteuō – é usada de maneira peculiar9. Os termos ‘batizando’ e ‘ensinando’ ocorrem no particípio e estão subordinados ao comando principal de fazer discípulos10 . A tarefa de discipulado da Grande Comissão é tanto global quanto didaticamente transcultural. Na Grande Comissão vemos a dimensão do desejo de Cristo por todos os povos, todas as línguas, tribos e línguas do mundo. Aqui Jesus usa a frase “fazei discípulos de todas as nações” (ethnos), que vai além da generalização de estados geopolíticos a que se referia “grupos de pessoas”,11 dos quais estima-se haver 17.453 no mundo hoje.12 

Com milhares de missionários espalhados pelo globo terrestre sob a tutela de diferentes sociedades missionárias, a evangelização de dois terços do mundo atingiu níveis nunca antes alcançados. Comunidades cristãs que foram plantadas na Ásia, África e América Latina no século XIX foram regadas por gigantescas iniciativas evangelísticas de organizações evangélicas ocidentais no século XX. Ao mesmo tempo, um número sem precedentes de movimentos missionários indígenas no Sul Global intensificaram seus esforços de testemunhar de Cristo de maneiras mais contextualmente adequadas.

O resultado a que se chegou foi o de um crescimento exponencial da igreja, cuja supreendente constatação é de que, na virada do século XXI, o rosto da cristandade não era mais estereotipicamente branco. A imagem do cristianismo no mundo, então, era, mais provavelmente, do preto africano, do latinoamericano ou do asiático-oriental13 . Em 2002, Philip Jenkins calculou que, dos 2,6 bilhões de cristãos estimados para 2025, “633 milhões viveriam na África, 640 milhões na América Latina e 460 milhões na Ásia. Com 555 milhões, a Europa cairia para o terceiro lugar”.14

Timothy Tennent aponta para o inédito aumento de 5.000% em movimentos independentes de cristãos indígenas no hemifério sul: “de apenas oito milhões na virada do século XX para 423 milhões ao final do século XXI”.15

Desde os primeiros séculos, o cristianismo nunca cresceu tão rapidamente em sociedades previamente não-evangelizadas na América Latina, África e Ásia. As mais recentes histórias de crescimento de igrejas na Ásia, por exemplo, – em lugares como China, Irã e Nepal – estão recheadas de milagres, já que o evangelho está florescendo em contextos predominantemente comunistas, islâmicos ou hindus, onde existem antipatia e hostilidade declaradas.

No entanto, diferentemente dos períodos apostólico e pós-apostólico, o compromisso da igreja moderna com o testemunho não está sendo acompanhado com um compromisso concomitante de fazer discípulos. Como resultado, hoje somos forçados a admitir que a espiritualidade cristã global está sob risco de se tornar “muito rasa”. Em seu afã de lutar contra a teologia liberal e afirmar a singularidade de Cristo e a necessidade de proclamação do evangelho, será que a igreja evangélica falhou ao não se preparar adequadamente para a seara de novos crentes que surgiriam do testemunho fiel de comunidades vibrantes?

João 20:19–23: Um Paradigma para a Grande Comissão

Pudemos ver anteriormente como a expressa ênfase no testemunho e na proclamação verbal, que caracteriza os textos selecionados da Grande Comissão, parece ter invalidado a longa tradição cristã de caridade e ação social como imperativos missionais da igreja. Esta tensão criou, então, a infeliz dicotomização do “evangelismo” e da “ação social” que tem marcado as iniciativas missionárias durante boa parte do século XX.16

Foi neste contexto que outro texto da “Grande Comissão” ganhou destaque (João 20:19–23). Cunhado como a Grande Comissão joanina, a inclusão deste texto no conjunto das passagens da Grande Comissão teve um papel crucial na elaboração da nossa teologia da Grande Comissão.

John Stott é justamente reconhecido por ter demonstrado, de maneira habilidosa, a validade e a contribuição desta passagem à compreensão bíblica da Grande Comissão17 . Embora este trecho também pertença aos relatos das aparições e instruções de Jesus ressurreto, o fato de não ser muito claro sobre as responsabilidades específicas o impediu de ser incluído como um texto da Grande Comissão (“Assim como o Pai me enviou, eu também os envio” João 20:21).18

Diferentemente das instruções dadas nos Sinóticos e em Atos, a Grande Comissão em João destaca-se em seu silêncio sobre as tarefas específicas que os crentes devem realizar, como “proclamar” ou “testemunhar”. Ela também não se interessa em detalhar os contextos específicos nos quais a igreja deveria conduzir sua comissão, como “todas as nações”, “toda criatura” ou “os confins da terra”.

Como, então, João contribui para que a igreja entenda seu mandato, dado por Jesus Cristo? Como veremos, esta redação peculiar no evangelho de João amplia significativamente o limite do engajamento cristão no mundo. Ao invés de definir uma agenda para os apóstolos logo após a ascensão de Jesus, a grande Comissão joanina (20:21) apresenta um paradigma a partir do qual eles devem operar.

Assim, ao invés de detalhar as tarefas e atividades que acompanhariam a missão cristã ou os lugares nos quais ela seria cumprida, a singularidade da Grande Comissão em João reside no fato de que Jesus diz a seus discípulos como pensar sobre aquilo que estão prestes a fazer e onde eles devem fazê-lo.

Encarnação como a Postura dos Agentes da Grande Comissão

O que Jesus quis dizer quando falou, ‘‘Assim como o Pai me enviou, eu também os envio” João 20:21)? Nunca vamos entender como somos enviados se não conseguirmos compreender a maneira como o Pai enviou o Filho. Então, como, de fato, o Pai enviou seu Filho amado?

Para responder à esta pergunta, temos retornar imediatamente ao prólogo de João e à declaração definidora do Filho e da sua missão: “E o Verbo se fez carne e habitou entre nós, cheio de graça e de verdade, e vimos sua glória, glória como a do unigênito do Pai” (1:14). Aqui descobrimos que a postura primordial do divino Filho foi encarnacional, expressa por dois termos notáveis – “se fez carne” e “habitou”.

Em relação ao primeiro, João usa deliberadamente o termo grego sarx (carne), que carrega as conotações de corporeidade, limitações físicas, mortalidade e desejos. Na visão de mundo grega daquele tempo, sarx era considerado antitético ao que era espiritual e nobre. João poderia ter usado outras palavras para descrever a encarnação do Filho de Deus, tais como anthrōpos (humano) ou sōma (corpo). Mas sua radical escolha por sarx reforça sua intenção de determinar que Jesus se tornou totalmente humano quando foi “enviado” para fazer a missão do Pai. Jesus se identificaria com suas criaturas humanas porque ele mesmo era “carne”.

O segundo termo – “habitou” – é uma tradução do peculiar verbo eskenōsen, que João cunhou para sua cristologia encarnacional. Usando o substantivo skenos (tenda), e fazendo alusão ao tabernáculo em Israel no Velho Testamento, João cria o verbo original “ele tabernaculou” para que pudesse poderosamente expressar como a missão de Jesus demandava uma presença firme no mundo, pela qual a glória (1:14) e a graça (1:17) do santo Deus fossem mediadas à uma humanidade rebelde.

Esta compreensão da missão de Jesus nos força a ter a noção da Grande Comissão dentro da perspectiva mais ampla da pessoa e do trabalho de Jesus como um todo, assim como está registrado nos evangelhos. Não é mais possível limitar o imperativo da missão para a igreja à uma seleção de textos nos Sinóticos e em Atos. Enquanto este dá um foco preciso ao chamado da igreja para ser testemunhas verbais do evangelho do Senhor Jesus Cristo, o texto joanino nos desafia e nos direciona a aceitar o paradgima consonante e as demandas mais amplas deste chamado.

Quando ponderamos a plena compreensão da vida e do ministério de Jesus para expressar a Grande Comissão, vemos como o Senhor conseguiu combinar perfeitamente proclamação pública, atos de compaixão, demonstrações de poder e presença relevante em seu sofrido testemunho da chegada do reino de Deus.

Do mesmo modo, podemos argumentar que o testemunhar do evangelho de Jesus como Salvador e Senhor é realizado com mais eficiência quando há a integração entre proclamação, praxis e presença da igreja no mundo. A igreja deve aspirar é a esta integração de prioridades missionais, ao renovar seu compromisso com a Grande Comissão.

Conclusão

Sabe-se que as pessoas que tem uma mentalidade do reino levam a Grande Comissão muito a sério em sua vida cotidiana. Elas carregam a mensagem do reino – a vitória de Deus sobre o pecado e sobre Satanás – com audaz convicção. Elas buscam realizar a missão do reino e a evangelização de todos os povos até que o nome de Cristo seja conhecido e honrado em todo o mundo. Este valor fundamental do reino é o que as impulsiona. 

Se somos os beneficiários das boas novas de Deus em Jesus, recebemos o poder para nos tornarmos discípulos – alunos e seguidores – de Jesus nosso mestre. O Espírito Santo nos dá o poder de sermos testemunhas. E se estamos realmente aprendendo dele, o que aprendemos é simplesmente muito bom para ficar só entre nós. Nós seremos constragidos a compartilhar isso. Assim é a natureza da fé cristã e da direção do Espírito Santo, que está sempre nos levando a testificar sobre Jesus e a glorificá-lo (João 15:26 e 16:14).

Existem centenas de milhares de congregações com centenas de milhões de seguidores de Jesus Cristo, mas, para realizarmos a Grande Comissão com sucesso, precisamos de uma igreja que se ajuste, que tenha mentes e corações conectados à Grande Comissão. Devemos criar uma comunidade de crentes com o mesmo propósito e foco, que busca realizar a ordem de Jesus ao pé da letra. Nós precisamos de líderes que entendam o âmago da Grande Comissão.

A Grande Comissão não é um fim em si mesmo; é um meio para um fim. O futuro será a presença de todas as tribos, línguas, nações e linguagens adorando o Rei no fim dos tempos. Nas palavras de John Piper: “O fim não é missões; é adoração. Missão é apenas um meio para um fim. Missões existem porque não há adoração”19. Em outras palavras, quando a Grande Comissão for cumprida com fidelidade bíblica, todas a nações do mundo adorarão ao Rei.

Notas finais

  1. Robbie F Castleman. ‘The Last Word: The Great Commission: Ecclesiology’ Themelios 32, issue 3 (2007), 68.
  2. “É inadmissível retirar essas palavras do evangelho de Mateus, por assim dizer, dar-lhes vida própria e interpretá-las sem qualquer referência ao contexto no qual primeiramente elas apareceram.” David Bosch. Transforming Mission: Paradigm Shifts in Theology of Mission (New York: Orbis, 1991), 57.
  3. Ver Timothy Tennent, Invitation to World Missions (Grand Rapids: Kregel, 2010), 258-264.
  4. William Carey, An Enquiry into the Obligations of Christians to Use Means for the Conversion of the Heathen (London: Hodder & Stoughton, 1792), 7.
  5. “A Igreja de todas as nações permanece em linha com o povo de Deus no Velho Testamento através do Messias Jesus Cristo. Com eles nós fomos chamados através de Abraão e comissionados para sermos benção e luz às nações.” Retirado do documento The Cape Town Commitment in J Cameron ed. The Lausanne Legacy (Massachusetts: Hendrickson, 2016), 124.
  6. Se seguirmos a lógica que embasou a identificação dessas passagens da “Grande Comissão” – instruções diretas na despedida de Jesus para seus apóstolos em relação às suas responsabilidades específicas – um outro texto merece nossa atenção, apesar de ter sido negligenciado: Atos 26:15–18. É o relato da grande comissão de Paulo pelo próprio Cristo ressurreto. O fato do livro de Atos aludir a Paulo como sendo o décimo segundo apóstolo – embora em suas palavras, “um nascido fora de tempo” (1 Cor 15:8) – torna seu peculiar comissionamento e escopo de chamado como o “apóstolo dos gentios” (Gal 2:8) algo de grande significado na definição da intenção do nosso Senhor para a missão da igreja. Parece-nos que o potencial dessas referências também deve ser levado em conta ao se desenvolver a base neotestamentária para missão mundial contemporânea.
  7. “Mateus, como com num espelho côncavo, concentrou nestas palavras tudo que lhe era muito caro e as colocou como a cereja do bolo no final de seu evangelho” Gerhard Friedrich citado em Bosch, Transforming Mission, 57.
  8. Ralph D Winter and Steve Hawthorne ed. Perspectives on the World Christian Movement–A Reader (Pasadena: William Carey, 2009), 99–101.
  9. Das quatro ocorrências de mathēteuō, três estão em Mateus (13:52, 27:57, 28:19; Atos 14:21). 
  10. “Perpassando todos esses esforços está o discipulado. Ele não apenas envolve outros componentes do ministério – enviar, ir, pregar, testemunhar, batizar, ensinar e receber o Espírito Santo – mas ele direciona toda atividade para o seu fim desejado, a saber, o “fazer discípulos” de Cristo – homens e mulheres que não apenas creem no evangelho mas também seguem o caminho de Jesus.” Robert E Coleman. The Great Commission Lifestyle (Grand Rapids, MI: Revell, 1992), 19–20.
  11. Coleman, Great Commission Lifestyle, 20: “As palavras não se referem a barreiras geográficas, mas sim a todas as pessoas da terra.”
  12. ‘Global Summary.’ The Joshua Project. Acessado em 29 setembro 2023. https://joshuaproject.net/.
  13. Philip Jenkins. The Next Christendom (Oxford: Oxford University Press, 2002), 2: “O estereótipo afirma que o perfil dos cristãos é de não-pretos, não-pobres e não-jovens. Se isto é verdade, então a secularização galopante do Ocidente só pode significar que o cristianismo está com os dias contados. Mundialmente, a fé do futuro deverá ser o islã. No último século, entretanto, o centro de gravidade no mundo cristão tem migrado inevitavelment ao sul, para África, Ásia e América Latina.”
  14. Jenkins, Next Christendom, 3.
  15. Timothy C Tennent. ‘Lausanne and Global Evangelicalism: Theological Distinctives and Missiological Impact’ in Margunn Serigstad Dahle, Lars Dahle, Knud Jorgensen eds. The Lausanne Movement: A Range of Perspectives (Oxford: Regnum, 2014), 58.
  16. “A relação entre as dimensões evangelísticas e societais da missão cristã constitui umas das áreas mais espinhosas da teologia e da prática da missão” Bosch, Transforming Mission, 401.
  17. “A ‘Grande Comissão’ em João não tem sido considerada, de maneira geral, nem por missiólogos nem por evangelistas. Mais recentemente, o franco reconhecimento de uma versão joanina da última comissão é imputada a John R. W. Stott, ‘o arquiteto do Congresso Mundial de Evangelização em Lausanne’ (1974).” Mortimer Arias and Alan Johnson. The Great Commission–Biblical Models for Evangelism (Nashville: Abingdon, 1992), 79.
  18. “[John Stott] confessou que não se atentou para isto porque concentou-se na proclamação verbal que consta das ‘três outras versões principais da Grande Comissão’” (nos evangelhos Sinóticos)’. Arias and Johnson, The Great Commission, 79.
  19. John Piper. Let the Nations Be Glad! The Supremacy of God in Missions (Grand Rapids: Baker, 2003), 17.

Autoria (bio)

Victor Nakah

Victor Nakah é pastor presbiteriano ordenado e diretor internacional para a África Subsaariana junto à Mission to the World (MTW), a agência missionária enviadora da Presbyterian Church of America. Ele possui mestrado e doutorado pela Universidade da África do Sul e pela Stellenbosch University.

Victor trabalhou com Scripture Union e IFES no Zimbábue antes de se tornar presidente do seminário do Theological College do Zimbábue no anos 2000-2010. Ele foi presidente da iniciativa Lausanne Cape Town GlobalLink e compôs o comitê que redigiu o documento The Cape Town Commitment. Ele também ocupou papéis de liderança junto ao Overseas Council International e ao CURE International.

Além de suas principais atividades ministeriais junto a MTW, Victor orienta estudantes do South Africa Theological Seminary (SATS), leciona no Africa Reformation Theological Seminary (ARTS) em Uganda, e integra vários conselhos incluindo the Child Theology Movement-Africa, Khulasizwe Trust (Zimbábue), Emmanuel Christian University (Sudão do Sul), Partners in Health Trust (Zimbábue), and Forgotten Voices International (USA).

Victor serve ao Movimento Lausanne como co-diretor do Grupo de Trabalho em Teologia. Ele é casado com Nosizo com quem tem duas filhas.

Ivor Poobalan

Ivor Poobalan trabalha como diretor do Colombo Theological Seminary (CTS) no Sri Lanka desde 1998. CTS é um seminário evangélico, interdenominacional, trilíngue. Seu primeiro emprego foi de pastor de jovens em igrejas de Colombo. Ele se graduou com louvor na London School of Theology (UK) com um bacharelado em teologia, e na Trinity International University (Illinois, USA) como um mestrado teologico em Velho Testamento e línguas semíticas. and semitic languages. Em 2015 ele completou um doutorado pela Univesidade da Cidade do Cabo com sua tese entitulada “Quem é o ‘deus desde século’ em 2 Coríntios 4:4?”

Ivor serve ao Movimento Lausanne como co-diretor do Grupo de Trabalho em Teologia. Ele é casado com Denisa; eles são pais de duas filhas: Anisha Eng e Serena.

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