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Liderar e terminar bem a última noite da sua vida

Fundamentos sobre a liderança como serviço

Mary Ho 20 mar 2024

Se soubéssemos quando seria a última noite de nossas vidas, permaneceríamos na liderança? Se soubéssemos que teríamos de enfrentar a traição e a deserção por parte daqueles a quem amamos, seríamos bons líderes e continuaríamos firmes até o fim? O líder servo continua bem até a última noite de sua vida. A liderança como serviço é para corajosos, não para temerosos. Líderes servos não são retrógrados, mas obstinados pioneiros. A liderança como serviço requer os mais fortes, e não os mais fracos. Líderes servos são pessoas audaciosas que servem, e não serviçais que lideram. Na última noite de sua vida, Jesus foi o líder supremo, demonstrando a máxima confiança, intencionalidade e sacrifício. Seu exemplo inspirou os homens que lideraram os movimentos registrados em Atos.

O capítulo 22 de Lucas relata a última noite da vida de Jesus na terra (o mesmo evento é registrado em João 13). O desejo de Jesus era passar suas últimas horas com seus doze amigos mais queridos. Eles eram seus irmãos, “os que têm permanecido ao meu lado durante as minhas provações” (Lc 22.28). Jesus ansiava dividir com eles essa refeição final (v. 15). E naquela noite, enquanto ceava com seus amigos mais próximos, ele abriu seu coração – estava perturbado em espírito (Jo 13.21). Jesus compartilhou suas lutas interiores – que seria traído, sofreria, morreria e que aquela seria sua última refeição com eles (Lc 22.15-16, 22). Estava em seu momento mais vulnerável. Seus amigos mais chegados, contudo, em vez de se entristecer com ele, começaram a discutir quem seria considerado o maior (Lc 22.24). Em vez de demonstrar empatia e compreensão, eles decidiram promover seus próprios interesses e ambições.

Vejamos agora seis características extraídas dos acontecimentos da última noite da vida de Jesus que nos ensinam o tipo de líder servo que devemos ser até o fim.

1. Líderes servos não servem apenas os amigos que eles pensam que mais se importam, compreendem e simpatizam com eles, mas também aqueles que não o fazem – ou até mesmo os decepcionam

Sabemos que nossa autoridade não se limita aos nossos corpos fracos, nossos seres feridos ou nosso passado desfavorecido. Em vez disso, temos plena autoridade em Cristo.

Os líderes servos servem aqueles que parecem buscar seus próprios interesses quando deveriam ser apoiadores. Jesus corrigiu seus amigos de forma clara: “Os reis das nações dominam sobre elas; e os que exercem autoridade sobre elas são chamados benfeitores. Mas, vocês não serão assim. Pelo contrário, o maior entre vocês deverá ser como o mais jovem, e aquele que governa como o que serve […] Eu estou entre vocês como quem serve” (Lc 22.25-27)

Na Palestina do tempo de Jesus, as pessoas viajavam de sandálias pelas estradas poeirentas do deserto. Seus pés ficavam cobertos de terra quando o tempo estava bom e de lama quando o tempo estava ruim. Na casa do anfitrião, geralmente um escravo ficava à porta com um jarro e uma toalha, pronto para lavar os pés dos convidados que chegavam. Naquela noite, contudo, não havia escravo nenhum. Os discípulos que serviam a Jesus deveriam ter lavado seus pés — mas ninguém o fez. Quando a refeição já havia começado, Jesus fez o que nenhum deles estava disposto a fazer. Talvez tenha feito porque os discípulos começaram a discutir quem seria considerado o maior (Lc 22.24).

Jesus simplesmente demonstrou seu amor por eles. Ao ajoelhar-se para lavar os pés dos discípulos, sua intenção não foi ensinar uma lição prática sobre serviço. Ele os amava genuinamente: “…tendo amado os seus que estavam no mundo, amou-os até o fim” (Jo 13.1). Lavar os pés dos discípulos era demonstrar de forma contundente toda a extensão do seu amor.

2. Líderes servos devem amar genuinamente as pessoas a quem lideram com o coração

É muito mais fácil servir como obrigação. Nosso serviço, contudo, deve expressar cuidado e amor genuínos pelas pessoas.

Jesus foi capaz de se rebaixar à tarefa de um escravo porque sabia de onde vinha e para onde ia. Estava seguro de sua identidade e autoridade: “Jesus sabia que o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do seu poder, e que viera de Deus e estava voltando para Deus” (Jo 13.3). Ele sabia que antes de ascender, a missão que lhe fora dada por Deus era sofrer e redimir a humanidade. Jesus conhecia tanto a sua missão como a autoridade que tinha para cumpri-la.

3. Líderes servos conhecem sua identidade, missão e autoridade em Cristo

Não somos fruto apenas de nossas origens e história terrenas corrompidas. Sabemos, pelo contrário, que nascemos [de novo] como filhos de Deus e coerdeiros com Cristo, e nossa jornada de vida nos levará ao Pai. Sabemos que nossa autoridade não se limita aos nossos corpos fracos, nossos seres feridos ou nosso passado desfavorecido. Em vez disso, temos plena autoridade em Cristo porque estamos assentados com Cristo, acima de todas as outras autoridades (Ef 1.20-21).

Jesus também conhecia sua época e momento. Sabia que deveria concluir sua tarefa e que seu tempo estava acabando. Jesus sabia “que havia chegado o tempo em que deixaria este mundo e iria para o Pai” (Jo 13.1).

4. Líderes servos conhecem as épocas e as estações de suas vidas

Os líderes servos não extrapolam sua liderança. Sabem que sua designação como líderes vem de Jesus, mas também sabem quando seu tempo está chegando ao fim, por isso podem exercer bem o seu papel até o final.

Nas refeições, os judeus assentavam-se ao redor de uma mesa em formato de U, e o anfitrião colocava-se no centro. Reclinados sobre o cotovelo esquerdo, eles se serviam com a mão direita e apoiavam a cabeça no peito da pessoa à esquerda. João, o discípulo amado, estava à direita de Jesus, reclinado sobre seu peito (Jo 13.23). Pedro provavelmente estava à direita de João, próximo o bastante para poder ouvir (Jo 13.24). Normalmente, o anfitrião reservava o assento à sua esquerda como a maior honra para seu amigo mais querido. Quem estava assentado ali? Judas, pois fica claro que Jesus falava e lhe servia pão em particular. Jesus concedeu a Judas o lugar da mais alta honra e da mais íntima amizade. Naquela noite, enquanto a cabeça de João estava aninhada no peito de Jesus, a cabeça de Jesus descansava sobre o peito de Judas.

Mas enquanto reclinava sua cabeça sobre Judas, Jesus sabia da cruel traição que Judas estava tramando naquela noite. Em João 13.18, ele cita o Salmo 41.9: “Até o meu melhor amigo, em quem eu confiava e que partilhava do meu pão, voltou-se contra mim”. Em hebraico, a frase expressa uma violência brutal. Jesus partilhou o pão com um amigo querido, consciente de que ele estava prestes a traí-lo brutalmente (Jo 13.21).

Ao final daquela refeição com seus amigos, Jesus disse a Judas que partisse e fizesse rapidamente o que estava prestes a fazer (Jo 13.27). Até o fim Jesus demonstrou profundo afeto ao dar a Judas o pão que havia molhado. Naquela cultura, um bocado de uma tigela oferecido pessoalmente pelo anfitrião simbolizava uma amizade especial; Boaz também demonstrou seu amor oferecendo a Rute pão molhado em vinho (Rt 2.14). Jesus expressou a Judas um sinal especial de amor, como se dissesse: “Eu sei o que você está fazendo, mas amo você até o fim”.

5. Líderes servos amam e servem aqueles que os traem e prejudicam

Temos “inimigos” a quem precisamos perdoar repetidas vezes para que possamos amálos de forma apropriada?

Temos “inimigos” a quem precisamos perdoar repetidas vezes para que possamos amálos de forma apropriada? Naquela noite, Jesus lavou os pés de seus amigos queridos, aqueles que disputavam posição, e os pés de Judas, que o traiu. Jesus lavou também os pés de um de seus amigos mais próximos, Simão Pedro, que jurou que daria a vida por ele (Jo 13.37). Mas em vez disso, Pedro negou-o e abandonou-o naquela noite. Judas se distingue de Pedro pelo fato de ter conspirado sistematicamente para matar Jesus. Pedro negou Jesus em um momento de fraqueza. Jesus conhecia as fraquezas de Pedro, mas podia ver o seu amor por ele e o seu potencial para tornar-se um líder cheio de coragem. Jesus disse: “Simão, Simão, […] eu orei por você, para que a sua fé não desfaleça. E quando você se converter, fortaleça os seus irmãos” (Lc 22.31-32). Pedro veio a tornar-se o principal líder da igreja primitiva em Atos (At 1.15)

6. Líderes servos oram e têm os olhos de Jesus para enxergar o potencial divino daqueles que os decepcionaram, negaram e abandonaram

Jesus nos convida a liderar e servir como ele mesmo fez na última noite de sua vida. Ele nos chama não apenas para servir os que nos amam, mas também os que buscam seus próprios interesses, que nos decepcionam, negam e abandonam, e que nos traem e nos prejudicam. Ele disse: “Pois bem, se eu, sendo Senhor e Mestre de vocês, lavei-lhes os pés, vocês também devem lavar os pés uns dos outros. Eu lhes dei o exemplo, para que vocês façam como lhes fiz” (Jo 13.14,15). Ele não nos chama apenas para amar os outros como amamos a nós mesmos. Não. Ele nos chama para amar os outros como ele os ama: “Um novo mandamento lhes dou: Amem-se uns aos outros. Como eu os amei, vocês devem amar-se uns aos outros. Com isso todos saberão que vocês são meus discípulos, se vocês se amarem uns aos outros” (Jo 13.34).

A última noite da vida de Jesus foi sua noite mais difícil e dolorosa. No entanto, ele firmou uma nova aliança e instituiu a ceia do Senhor com os que o desapontaram, aqueles que se tornariam os líderes servos do livro de Atos (Lc 22.17-21). O chamado para ser um líder como Jesus, até o fim, está vinculado a uma promessa: “Agora que vocês sabem estas coisas, felizes serão se as praticarem” (Jo 13.17). Que possamos ser grandemente abençoados como líderes que lideram bem até a última noite de nossas vidas.