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O líder servo encarnacional

Culturas em conversa com Jesus

Nana Kojo Aboagye-Obeng 04 dez 2024

“A liderança é a causa; tudo mais é o efeito”,1  cita o professor Stephen Adei, acadêmico ganês e ex-administrador público. São muitas as teorias sobre liderança — democrática, transacional, transformacional, autocrática e outras —, mas qual delas deve nortear a vida do cristão? De que maneiras as nossas culturas motivam os cristãos a se tornarem líderes como Cristo?

Líderes servos: as perspectivas de Gana, Austrália e Coreia do Sul

Cultura dos povos acã—Gana

Os símbolos “adinkra” da cultura dos povos acã em Gana são usados nos tecidos, na cerâmica e na arquitetura. Um deles, o Nea opese odedi hene, que significa “aquele que quer ser rei”, é um símbolo de serviço e liderança. Este símbolo resulta da expressão Nea ope se obedi hene daakye no, firi ase sue som ansa, que significa “Aquele que quer ser rei no futuro deve primeiro aprender a servir”. Embora o ideal do líder servo entre os povos acã seja culturalmente evidente nos símbolos “adinkra”, sua prática é incomum e nada bíblica. Os líderes ganeses, curiosamente, são carregados em palanquins e cercados com todo tipo de protocolo, impossibilitando que sirvam seu povo. David Miller, em seu artigo, “Servant Leadership in an African Village” [Líderes servos em uma aldeia africana], relata: “Os líderes das aldeias usufruíam de grande privilégio e eram servidos pelo povo. Ele nos disse que os pastores costumavam agir como donos da igreja, dominando sobre a congregação e esperando ser honrados por sua posição elevada”.2

A cultura aborígene e das ilhas do estreito de Torres — Austrália

Na Austrália, os povos aborígenes e das ilhas do estreito de Torres são um exemplo de liderança que serve. Durante séculos, eles foram oprimidos e desprezados por seus colonizadores. No entanto, em vez de responder com inimizade, eles oferecem aos antigos opressores amizade, perdão e abertura à reconciliação. Os ilhéus poderiam ter guardado para si sua sabedoria e seu profundo conhecimento da terra, mas, em vez disso, humildemente, optaram por transmitir esse conhecimento para a geração seguinte. Erica Mandi Manga, advogada e ministra assistente na Igreja Anglicana de St Barnabas, em Balwyn, Victoria, declara: “É trágico que muitos de nós não estejamos atentos. O fato de continuarem a agir dessa forma, é sinal de sua humildade e graça”.3

A tensão entre os líderes que esperam “ser servidos” e os líderes que servem leva ao abuso da equipe e dos voluntários em algumas organizações cristãs. Embora o conceito do líder servo esteja presente na cultura australiana, ele dificilmente é praticado. No entanto, há muitos homens e mulheres extraordinários, genuínos líderes servos, que convidam jovens para jantar e passam tempo real em situações autênticas para descobrir seu caráter e seus dons.4

A cultura sul-coreana

A cultura sul-coreana parece ser profundamente hierárquica, assim como seu estilo de liderança. N contexto coreano, as organizações têm uma cadeia de comando claramente delineada desde os níveis mais baixos até os mais altos. Joshua Rho, pastor da Igreja Onnuri, acredita que a lacuna hierárquica entre a geração mais velha e a mais nova está sendo suprida pela era digital. Os jovens são mais espertos, com fácil acesso à informação, enquanto a geração mais velha, que parecia ser mais sábia, tem hoje apenas vantagem da propriedade material.5 Sem a influência do cristianismo, a igreja sul-coreana raramente consegue demonstrar em sua cultura os indicadores dos líderes servos.

“Não será assim entre vocês”: o convite radical de Jesus para sermos servos

Jesus oferece uma mudança de paradigma de liderança que extrapola todos os ideais culturais,

Deus convida cada cultura a uma perspectiva de vida que seja bíblica e cristã. Jesus oferece uma mudança de paradigma de liderança que extrapola todos os ideais culturais, conforme lemos no texto abaixo.

“Jesus os chamou e disse: ‘Vocês sabem que aqueles que são considerados governantes das nações as dominam, e as pessoas importantes exercem poder sobre elas. Não será assim entre vocês. Pelo contrário, quem quiser tornar-se importante entre vocês deverá ser servo; e quem quiser ser o primeiro deverá ser escravo de todos. Pois nem mesmo o Filho do homem veio para ser servido, mas para servir e dar a sua vida em resgate por muitos”’. (Mc 10.35-37, 41-45; ênfase adicionada).

O relato de Marcos destaca fortemente a distinção que Jesus queria fazer entre o estilo de liderança do mundo, caracterizado hoje por uma atitude de CEO, de quem governa ou administra os relacionamentos humanos, em oposição ao modelo cristão. Jesus ensina que o pastor é chamado para dar sua vida pelas ovelhas (Jo 10.15) e para ser um escravo (Mc 10.44). A liderança cristã é uma vida de serviço e doação de si mesmo, até a morte! Jesus selou isso com um exemplo prático na cruz quando, assumindo a condição de escravo, foi elevado e, pela morte, alcançou a glória.

É preciso que o líder tenha uma profunda autoconsciência e consciência de Deus para que seja um líder servo como Cristo”.

O relato de João sobre a ocasião em que Jesus lava os pés dos discípulos começa assim: “Jesus sabia que o Pai havia colocado todas as coisas debaixo do seu poder, e que viera de Deus e estava voltando para Deus” (Jo 13.3-5). É preciso que o líder tenha uma profunda autoconsciência e consciência de Deus para que seja um líder servo como Cristo”. Segundo João Calvino, “nossa sabedoria […] consiste quase inteiramente de duas partes: conhecimento de Deus e de nós mesmos”6. E Teresa de Ávila escreveu: “Praticamente todos os problemas na vida espiritual decorrem da falta de autoconhecimento”7. Há muitas baixas na liderança porque os que são chamados para liderar estão enredados em uma crise de identidade — geralmente insegura, controladora, manipuladora, definida por sua posição, atuação e associações.

O fator Cristo deve transformar a abordagem gentílica à liderança para que ela atenda aos padrões divinos e não humanos.

Jesus, por outro lado, oferece uma liderança que é definida fundamentalmente pelo relacionamento com nosso Pai no céu. Um líder servo semelhante a Cristo deve estar consciente do amor e da aceitação de Deus para sua própria vida para que possa servir e edificar outros. O que Cristo está oferecendo não é apenas liderança dedicada ao serviço, mas liderança que é encarnacional e dedicada ao serviço. Esse estilo de liderança se identifica com seus seguidores, partilha de suas vidas, participa de suas atividades seculares e morre juntamente com eles. A professora Asamoah-Gyadu, ex-presidente do Trinity Theological Seminary em Accra, Gana, oferece uma perspectiva sobre essa questão:

“Na encarnação, o Criador se torna parte de sua criação a fim de redimi-la da corrupção. […] Cristo, então, transforma por completo culturas e valores humanos, pois estes foram criados e existem para ele. O fator Cristo deve transformar a abordagem gentílica à liderança para que ela atenda aos padrões divinos e não humanos. […] O que torna “cristã” uma forma particular de liderança, portanto, é quando ela imita o modelo estabelecido e vivido por Cristo, conforme ilustrado na encarnação e na cruz”.’ 8

O que realmente transforma? Imagens da liderança encarnacional como serviço

Então, como são os líderes servos desse modelo encarnacional em nossos contextos individuais?

São como os professores universitários em Gana que lavam os pratos de alunos do ensino médio e universitário durante os acampamentos do movimento Scripture Union. Certo participante de um desses acampamentos lembra-se de um senhor ganês pegando seu prato e lavando-o, depois passando-o para sua esposa, que iria enxugá-lo. No dia seguinte, aquele senhor quis fazer isso novamente. O jovem perguntou a um amigo quem era aquele homem. “É o professor Bentsi-Enchill”, foi a resposta. Ele recorda sua reação: “Um professor lavou meu prato! Daquele dia em diante, enterrei todo o orgulho que havia em mim”.9

Esse estilo de liderança também poderia ser expresso na forma como o Dr. Doug Birdsall, copresidente honorário do Movimento de Lausanne, agiu esta semana, durante o Quarto Congresso de Lausanne, encontrando tempo para sentar-se, falar e ouvir líderes jovens como eu.

Ou talvez seja como a experiência de Leo Rhee, pastor titular da Igreja City Light Seoul. O pastor Rhee serviu em uma megaigreja na qual o pastor sênior fazia com que cada novo pastor ou presbítero da igreja limpasse os banheiros como sua primeira responsabilidade. Os presbíteros eram CEOs de grandes empresas, pessoas influentes, e ali limpavam banheiros. No segundo ano, eles deveriam desempenhar a função de manobristas. Dessa forma, o pastor sênior fazia com que os pastores refletissem sobre as características do líder servo encarnacional.

Paulo descreve a imagem mais profunda do líder servo encarnacional que Cristo representa: “Seja a atitude de vocês a mesma de Cristo Jesus, que, embora sendo Deus, não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo, vindo a ser servo, tornando-se semelhante aos homens. E, sendo encontrado em forma humana, humilhou-se a si mesmo e foi obediente até à morte, e morte de cruz!” (Fp 2.5-9)

Conclusão

Como líderes servos encarnacionais, somos chamados a ser servos do evangelho, servos do Espírito Santo, da igreja, dos outros e especialmente dos perdidos.10 É em Jesus Cristo que todas as aspirações de todas as culturas são cumpridas.

Notas finais

  1. https://thebftonline.com/2022/05/23/leadership-a-conversation-with-professor-stephen-adei-the-man-who-redefined-public-administration-in-ghana/, 23 May 2022. Accessed 28 September 2024.
  2. Dave Miller, ‘Servant Leadership in an African Village’, https://sbcvoices.com/servant-leadership-in-an-african-village/. Accessed 26 September, 2024.
  3. Erica Mandi Manga interview by Nana Kojo Aboagye-Obeng, 24 September 2024, Fourth Lausanne Congress, Songdo, Incheon. 
  4. Bobby Aitken interview by Nana Kojo Aboagye-Obeng, 24 September 2024, Fourth Lausanne Congress, Songdo, Incheon.
  5. Joshua Rho, interview by Nana Kojo Aboagye-Obeng, 25 September 2024, Fourth Lausanne Congress, Songdo, Incheon. 
  6. https://www.ccel.org/ccel/calvin/institutes.iii.ii.html Accessed 27 September 2024
  7. Teresa of Avila, The Life of Teresa of Jesus: The autobiography of Teresa of Avila. Transl. E. Allison Peers, 1995.
  8. Johnson Kwabena Asamoah-Gyadu, ‘Christian Leadership’, Trumpet Magazine, Issue One, Ghana Fellowship of Evangelical Students, Accra, 2022, p. 11.
  9. Peter Baker and Boadi-Siaw, Changed by the Word: The story of Scripture Union Ghana. (Accra, Ghana: Asempa Publishers, African Christian Press, 2003). pp. 24-25 
  10. Philip Ryken, “Christlike Servanthood.” Plenary at the Forth Lausanne Congress, Songdo Convensia, Incheon. 27 September 2024.