Introduction

A liderança adaptativa é um antídoto para a liderança destrutiva. A história nos conta de São Cuteberto,¹ uma figura muito querida na Inglaterra, cujo ministério se estendeu ao aconselhamento de monarcas e acabou influenciando os assuntos de Estado. Seu verdadeiro legado, contudo, foi o que fez durante a peste de 664 d.C. Cuteberto visitou cidades e vilarejos afetados, oferecendo encorajamento, consolo e esperança. Em certa aldeia, quando estava pronto para partir, procurou saber se ainda havia alguém por quem orar e encontrou uma mulher, que já havia perdido um filho, segurando nos braços seu único filho vivo, que estava à beira da morte. Cuteberto pegou o menino nos braços, orou por ele e o beijou a testa, dizendo à mãe: “Não tema, pois não morrerá ninguém mais da sua família”. Conta-se que o menino sobreviveu. Esse foi um exemplo não apenas de fé em ação, mas também de liderança adaptativa na prática por parte de um clérigo com características incomuns e inovadoras de liderança.

No mundo de hoje, seja na igreja ou na sociedade, sempre haverá necessidade de liderança em diferentes competências.

Nelson Mandela, um dos maiores líderes da África com uma mentalidade de liderança adaptativa²

Por sua natureza, a complexidade da vida na igreja e na sociedade nem sempre nos proporciona um cenário de estabilidade e previsibilidade. É muito importante descobrir o tipo mais eficaz de liderança para os tempos imprevisíveis e turbulentos. A liderança adaptativa é, basicamente, a capacidade de liderar em tempos turbulentos. Torres afirma: “A turbulência e a incerteza abalam a eficácia das previsões a longo prazo e do planejamento estratégico tradicional”.³ Essa realidade desperta uma pergunta: De que forma os líderes poderão traçar um rumo se não conseguem prever os resultados de suas escolhas? A liderança adaptativa apresenta um modelo viável.

Liderança adaptativa: o que significa liderar em tempos imprevisíveis e turbulentos

A pandemia de COVID-19 fez o mundo literalmente parar em 2020 e trouxe muitas incertezas. Os líderes da igreja e da sociedade viram de perto como um roteiro planejado de liderança pode ser destruído. A adaptabilidade da liderança tornou-se o novo normal. Assim como a maioria das pessoas, eu também, enquanto digeria a realidade presente, ponderava sobre o futuro, indagando como seria a vida pós-pandemia. Logo cheguei à conclusão de que as pessoas precisariam desenvolver habilidades de liderança adaptativa em todas as áreas da vida. Neste mundo imprevisível e em rápida mudança, uma liderança que depende da adaptabilidade e de competências criativas para a resolução de problemas é essencial para a sobrevivência e avanço de qualquer organização. A liderança deve abrir espaço para a inevitabilidade e a imprevisibilidade do dinamismo. Essa é a base da liderança adaptativa desenvolvida por Ronald Heifetz, Marty Linsky, entre outros.⁴ Durante a pandemia da COVID-19, mundo pode ver a necessidade dessa abordagem de liderança.

Na verdade, a diversidade cultural e religiosa gerou realidades imprevisíveis e perturbadoras, que provocaram uma ruptura na coesão social. A liderança adaptativa ajuda o líder a navegar nos turbulentos mares da mudança e da imprevisibilidade, bem como a maximizar as oportunidades que surgem na mudança. Os líderes adaptativos reconhecem que “sem mudança, o progresso é impossível”.⁵ Stephen Hawkings, em um discurso de formatura na Universidade de Oxford, afirmou: “A medida da inteligência é a capacidade de mudar”.⁶ Isso significa que a inteligência conta com uma inerente capacidade adaptativa.

A liderança adaptativa é definida pelo professor Ronald Heifetz e por Marty Linsky como “a prática de mobilizar pessoas para enfrentar desafios difíceis e superá-los”.⁷ Bennington Keri, por sua vez, entende a liderança adaptativa como “um modelo de liderança que abraça a mudança, desafiando o status quo em favor da experimentação e inovação”.⁸

Uma ilustração da necessidade da liderança adaptativa para ajustar as velas⁹

De tempos em tempos, os ventos da mudança soprarão e poderão abater qualquer um; as velas do barco precisam estar preparadas para resistir à força do vento. Em seu livro Leadership Without Easy Answers [Liderança sem respostas fáceis], publicado em 1994, Heifetz observa que os líderes adaptativos desenvolvem maneiras de alcançar êxito em ambientes desafiadores.¹⁰ Eles usam as competências aprendidas no passado em favor de iniciativas futuras. Essa teoria da liderança reforça a ideia de que a criatividade e a inovação, amparadas por decisões tomadas em consenso e pelo desejo de assumir riscos ponderados, são elementos essenciais para enfrentar os desafios complexos que surgem conforme mudam as circunstâncias. Apresento a seguir alguns componentes e princípios que nos ajudam a compreender o que é liderança adaptativa.

Quatro componentes-chave da liderança adaptativa

• Justiça organizacional: Todos os membros de uma organização devem ser tratados de forma justa e acompanhados durante o processo de mudança.
• Cultura de desenvolvimento: Promover o aculturamento de novos elementos e novas técnicas que possam ser utilizadas em situações de mudança e desafio. Essa prática promove mudanças inovadoras que ajudam as organizações a avançar em tempos difíceis.
• Caráter de qualidade: O modelo de liderança adaptativa depende da perseverança positiva e corajosa durante a tempestade. Isso exige firmeza de caráter.
• Inteligência emocional: Aqueles que lideram de forma adaptativa devem ser capazes de compreender e administrar de forma eficaz as suas emoções e as dos outros através da construção de relações saudáveis, fundamentadas na confiança. É algo essencial para criar ambientes propícios e favoráveis para o sucesso da organização.¹¹

Cinco princípios fundamentais da liderança adaptativa

Ben Ramalingam e outros destacaram cinco princípios da liderança adaptativa:¹²

• Aprendizagem e adaptação baseadas em evidências: Para que haja adaptação e crescimento, deve haver uma aprendizagem objetiva dos sistemas e dos desafios de uma organização. Esse processo de aprendizagem deve ser aberto e diversificado – um pré-requisito para a eficácia.
• Teorias, crenças e pressupostos implícitos devem passar pelo teste de resistência: Os pressupostos e as teorias que orientam uma resposta adaptativa precisam ser submetidos à reflexão e ao exame. Uma simulação de diferentes cenários futuros possíveis pode ser feita para reduzir o risco associado às escolhas feitas e para garantir que as crises futuras sejam tratadas de forma criativa.
• Simplificação da tomada de decisões deliberativas: Os responsáveis pelas decisões nos diferentes níveis precisam ser claros sobre os fundamentos de seus pressupostos e teorias. É necessário explicar o que está sendo feito, a razão e a forma pela qual uma decisão foi tomada. Isso também sugere que, se forem identificados erros no processo, ainda será possível manter a confiança no futuro.
• Fortalecimento da transparência, da inclusão e da prestação de contas: Líderes adaptativos compartilham suas opiniões com aqueles com quem trabalham – isso é mentalidade de inclusão. Os líderes adaptativos devem agir de forma aberta e transparente, reconhecendo suas fraquezas e aceitando que as soluções que propõem nem sempre são infalíveis em termos de processos conclusivos de resolução de problemas.
• Mobilização da ação coletiva: A resposta aos desafios deve basear-se na ação colaborativa e coletiva. Os líderes adaptativos ajudam outros a associar o alinhamento partilhado com a mudança que está sendo proposta. Isso garante o senso de participação inclusiva no processo.

Liderança adaptativa na prática

Por um lado, praticar a liderança adaptativa é um desafio profundamente significativo; por outro, é uma tarefa que não deve ser encarada com casualidade.¹³ Para praticar a liderança adaptativa, o líder deve fortalecer suas capacidades nas quatro dimensões apresentadas a seguir, conforme sugeridas pelo Boston Consulting Group (BCG):¹⁴

• Navegar: Navegar pela mudança requer flexibilidade, abertura e aceitação da incerteza. Liderar de forma adaptativa requer planejamento, bem como flexibilidade para se desviar do plano, à medida que são feitas novas descobertas e ocorrem mudanças nas condições do processo.
• Criar uma condição vantajosa para todos: O líder deve se esforçar para criar uma condição vantajosa para todos os membros da organização, pois isso promove o senso de pertencimento.
• Autocorrigir-se: À medida que o plano avança, os líderes devem encorajar sua equipe à tomada de decisões e à autocorreção. Isso significa que os líderes devem evitar punir o erro que resulta da experimentação.
• Demonstrar empatia: Ao demonstrar empatia, os líderes ajudam as pessoas a lidar com o desconforto que a mudança costuma produzir. A empatia nos ajuda a navegar por períodos turbulentos.

O Boston Consulting Group sugere que as organizações adotem as seguintes medidas para demonstrar apoio às diferentes dimensões da liderança adaptativa destacadas acima e abaixo:¹⁵

• Administrar o contexto em que ocorre a interação, e não o conjunto de instruções. Os contextos estão em constante mudança. Regras rígidas inibem a criatividade, dificultando o surgimento das melhores soluções para a resolução de problemas. A flexibilidade é um trunfo importante para a liderança em tempos imprevisíveis e turbulentos. Com o passar do tempo, as melhores soluções provavelmente surgirão por meio da aprendizagem e da adaptação às mudanças.
• Cultivar diversas perspectivas para gerar múltiplas opções. A liderança adaptativa entende que as opiniões divergentes são necessárias; até mesmo como uma possível mina de ouro de ideias. A liderança adaptativa dá menos ênfase à hierarquia. Às vezes, diversidade de opiniões e questões importantes e produtivas podem surgir de membros de níveis inferiores da organização.
• Revelar a liderança partilhada em contextos específicos. Em um mundo de mudanças rápidas e imprevisíveis, um líder não pode exercer sua função o tempo todo. Algumas situações exigem múltiplas habilidades. A liderança adaptativa favorece a fluidez nas funções que priorizam a visão da organização, acima de cargos ou títulos.
• Questionar constantemente o mundo. Líderes adaptativos não devem ser capturados pelas redes da presunção. Eles mantêm os olhos no que os cerca e reajustam as velas de seu barco – sua igreja ou organização – para acompanhar as mudanças do vento. O interesse e a curiosidade são características importantes para liderar de forma adaptativa, pois ajudam a identificar padrões complexos que não são óbvios para os outros.

Renovando a liderança para o crescimento

É essencial que os líderes mudem sua maneira de pensar para promover a renovação de uma igreja, agência ou organização missionária. A graça e a habilidade de renovar uma organização vêm mais do interior do próprio líder do que de forças externas. A liderança adaptativa tem mais a ver com visão do que com controle. Um líder adaptativo é capaz de fazer uma boa leitura do tempo em que vive e até dar um passo além, antecipando uma possível mudança que poderia ocorrer.¹⁶ Isso permite que os líderes ajam com discernimento e garante que as equipes da liderança administrativa se esforcem para resolver seus problemas organizacionais de forma criativa, enquanto conduzem o grupo. Esses líderes priorizam o interesse coletivo acima dos seus interesses pessoais. A renovação acontece quando os princípios bíblicos e organizacionais são mais valorizados do que os privilégios pessoais.

Conclusão

Jesus praticou a liderança adaptativa em seu ministério terreno e abalou não só as estruturas de poder, que eram mais rígidas e hierárquicas em sua época, como também os líderes religiosos que tinham dificuldade para se adaptar. Ele desafiou as suposições e crenças de seu tempo e redefiniu as prioridades, os valores e as lealdades do reino. A lealdade a Deus era primordial, acima da lealdade às instituições. Em tempos de incerteza, a voz de Deus deve prevalecer sobre os pressupostos dos líderes. O oposto disso é o caso daqueles que são inflexíveis por causa do rigor institucional. Ao conquistar os que estavam à margem da sociedade, Jesus redefiniu a inclusão no ministério e demonstrou capacidades cruciais de resolução de problemas, independentemente de sua complexidade. Então, o que significa liderar quando parece impossível fazê-lo? As ações subsequentes de Jesus depois de ter acalmado a tempestade¹⁷ e quando a mulher flagrada em adultério foi levada até ele¹⁸ são exemplos clássicos de liderança adaptativa. O enfrentamento da mudança exige a adaptabilidade da mente. A liderança adaptativa é uma ótima maneira de garantir que uma igreja ou organização missionária avance, por mais turbulentos que sejam os tempos, caracterizados por realidades locais e globais.¹⁹

Notas de fim

1. Our Daily Bread, 2023 Annual Edition, Saturday August 5th, Daily Readings.
2. CBS NEWS, 23 March 2015, https://www.cbsnews.com/news/memoir-by-nelson-mandela-to-be-released-in-2016/.
3. Roselinde Torres, Martin Reeves, and Claire Love, ‘Adaptive Leadership,’ in BCG Global, 11 August 2022, https://www.bcg.com/publications/2010/leadership-engagement-culture-adaptive-leadership.
4. Ronald A. Heifetz, Marty Linsky, and Alexander Grashow, The Practice of Adaptive Leadership: Tools and Tactics for Changing Your Organization and the World (Boston: Harvard Business Press, 2009).
5. ‘George Bernard Shaw Quotes,’ BrainyQuote, accessed 10 March 2024, https://www.brainyquote.com/quotes/george_bernard_shaw_386923. 
6. Telegraph and Forbes Magazine, 29 March 2018.
7. Heifetz, Linsky, and Grashow, The Practice of Adaptive Leadership, 14.
8. Keri Bennington, ‘What Is Adaptive Leadership: Definition &Amp; Heifetz Principles,’ WDHB, accessed 26 February 2024, https://wdhb.com/blog/what-is-adaptive-leadership/.
9. Pexels, accessed 27 March 2024, https://www.pexels.com/photo/man-in-white-shirt-sitting-on-red-and-white-boat-4934638/.
10. Ronald A. Heifetz, Leadership Without Easy Answers (Cambridge: Harvard University Press, 1994), 239–243.
11. Helen Wale, ‘Adaptive Leadership,’ Corporate Finance Institute, 15 October 2023, https://corporatefinanceinstitute.com/resources/management/adaptive-leadership/.
12. Ben Ramalingam, David Nabarro, Arkebe Oqubay, Dame Ruth Carnall, and Leni Wild, ‘5 Principles to Guide Adaptive Leadership,’ Harvard Business Review, 11 September 2020, https://hbr.org/2020/09/5-principles-to-guide-adaptive-leadership.
13. Heifetz, Linsky, and Grashow, The Practice of Adaptive Leadership.
14. Torres, Reeves, and Love, ‘Adaptive Leadership’.
15. Torres, Reeves, and Love, ‘Adaptive Leadership’.
16. See 2 Chronicles 12:32
17. See Mathew 8:23–27
18. See John 8:4–11
19. Nota da Editora: Veja o artigo “Liderança global para a missão global: como formar líderes de missões de nível internacional”, de Mary Ho em Análise Global de Lausanne, novembro/2016, https://lausanne.org/pt-br/global-analysis/lideranca-global-para-a-missao-global-como-formar-lideres-de-missoes-de-nivel-internacional