Global Analysis

“Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo”

A integridade como estilo de vida dos líderes cristãos

J. Kwabena Asamoah-Gyadu set 2024

É impressionante o número de líderes cristãos globais que, recentemente, foram obrigados a confessar e se arrepender de falhas morais ou a afastar-se da liderança devido a alguma indiscrição moral. No cerne do problema está a incapacidade dos líderes de manter um estilo de vida íntegro como um elemento essencial do viver cristão. A liderança, independentemente do tipo, pode ser uma tarefa desafiadora, e dos que ocupam posições de poder e influência como líderes cristãos exigem-se os mais altos padrões de moralidade. Alguns desses líderes cristãos que, lamentavelmente, foram considerados culpados de falhas morais tiveram coragem suficiente para confessá-las publicamente. Outros chegaram a escrever sobre suas experiências como um desafio para outras pessoas que possam estar lutando contra os pecados da carne.

Este artigo reflete sobre a integridade como uma virtude na liderança cristã.1 Nesse contexto, liderar é ocupar uma posição de influência. Os líderes que representam o nome de Jesus Cristo e o confessam como Senhor são chamados para exibir a marca da integridade e a viver essa integridade nas esferas privada e pública da vida e do serviço. O apelo à integridade é um chamado para que haja liderança qualitativa relevante a cada geração. A integridade é sempre um ingrediente decisivo na jornada da liderança e do ministério. Os valores do mundo estão distorcidos devido à falta de integridade. Em todas as esferas da vida, há mais preocupação com sucesso, dinheiro, poder, fama e vitória a qualquer custo, em detrimento da integridade.

Histórias de fracassos na liderança

Em meados da década de 1990, o pastor Jim Bakker escreveu o livro I Was Wrong [Eu estava errado], no qual reflete, como indica o subtítulo, sobre A história não contada da chocante jornada desde o poder na PTL à prisão e além [tradução livre].2Na década de 1980, Jim Bakker e sua então esposa, Tammy Faye, lideraram um dos maiores ministérios de televangelismo do mundo. Em 1989, ele foi preso por desviar doações de parceiros ministeriais, num dos casos mais notórios dessa natureza no século 20. Os detalhes da história, para fins deste artigo, não são tão importantes quanto a razão apresentada pelo próprio Jim Bakker para escrever o livro:

Durante grande parte da minha vida, acreditei que a minha compreensão de Deus e da forma como ele deseja que vivamos não somente era correta, mas também deveria ser compartilhada com o mundo. Uma das razões pelas quais me arrisco a expor meu coração neste livro é para lhes dizer que a filosofia de vida que eu praticava, de onde fluíram minhas atitudes e ações, era essencialmente falha.3

No centro desta “confissão” está a incapacidade de um líder cristão de preservar a integridade da Palavra de Deus diante da riqueza e da prosperidade. Na verdade, facilitada pela tecnologia moderna dos meios de comunicação social, a interpretação equivocada das Escrituras para apoiar estilos de vida cheios de ganância, cobiça, extravagância e materialismo foi exportada para outras partes do mundo. Ao escrever o livro, Bakker chama a atenção para a importância da integridade na hermenêutica bíblica:

Na prisão, quando de fato estudei a Bíblia, tornou-se claro para mim que nenhum homem ou mulher […] tem uma vida sem sofrimento. Deus promete que jamais nos deixará ou nos abandonará, não importa a provação ou dor que venhamos a enfrentar […] seja perda de reputação, de posição ou poder, calamidade financeira, vício, separação, divórcio ou prisão. 4

Posteriormente, Jim Bakker deu sequência a seu testemunho em outro livro, A Doutrina da Prosperidade e o Apocalipse, no qual corrige algumas de suas ideias erradas sobre a prosperidade como um estilo de vida cristão. Enquanto transcorria a história de Jim Bakker, uma das pessoas que o criticou publicamente e o puniu de forma severa e impiedosa foi o líder cristão e também pregador da doutrina da prosperidade, seu compatriota, Jimmy Swaggart. Infelizmente, pouco depois da experiência de Bakker, o próprio Swaggart apareceu na televisão em lágrimas, após ter sido flagrado patrocinando os serviços de prostitutas em vez de, como seria de esperar de um líder cristão, ministrar-lhes a Palavra de Deus.

No centro dessas e de muitas outras histórias que se desenrolaram ao longo dos anos, está a integridade. Lemos no Antigo Testamento que integridade é algo que Deus exige (Ezequiel 37), está nos ensinamentos do Sermão do Monte e é tema da exortação de Paulo aos cristãos filipenses quando ele escreve:

 “Finalmente, irmãos, tudo o que for verdadeiro, tudo o que for nobre, tudo o que for correto, tudo o que for puro, tudo o que for amável, tudo o que for de boa fama, se houver algo de excelente ou digno de louvor, pensem nessas coisas” (Fp 4.8).

No versículo 9, Paulo acrescenta: “Tudo o que vocês aprenderam, receberam, ouviram e viram em mim, ponham-no em prática”, em outras palavras, “minha vida e meu ministério carregam as marcas e o padrão da integridade, portanto, não apenas ouçam o que prego, mas imitem meu estilo de vida”. Em outro texto, Paulo deixa claro que o padrão máximo de integridade não é o próprio Paulo, mas sim Jesus, pois ele escreve em 1Coríntios 11.1: “Tornem-se meus imitadores, como eu o sou de Cristo”.

Definição de “integridade”

Uma definição simples de integridade é quando nossos pensamentos, decisões, ações e reivindicações particulares não apenas se refletem em nossas palavras e conduta exterior, mas também promovem o bem comum.

Na vida cristã, a integridade sempre se manifesta na lealdade a Jesus Cristo. O evangelho, assim como o Verbo que se fez carne, carrega em si sua própria integridade, e os ministros e discípulos cristãos são chamados a incorporá-la e defendê-la. Uma definição simples de integridade é quando nossos pensamentos, decisões, ações e reivindicações particulares não apenas se refletem em nossas palavras e conduta exterior, mas também promovem o bem comum.5 O termo em latim do qual deriva a palavra “integridade” refere-se a algo que é “intacto” ou “inteiro” – algo que é “completo”, [do grego holos] de onde vem a palavra “holístico”. O conceito de integridade pode ser inferido de estruturas que foram bem formadas ou do comportamento humano que não foi corrompido. Se considerarmos a questão da integridade doutrinária, por exemplo, os credos históricos da igreja são elaborados para garantir que o ensino herético não tenha influência na igreja.

A integridade é uma forma de capital moral que se constrói ao longo de anos de trabalho; e se as pessoas souberem que podem confiar na sua palavra, você chegará longe. Em certas áreas específicas na vida e no ministério dos líderes cristãos, a integridade é particularmente crucial. Essas áreas incluem integridade pessoal/moral, integridade pastoral/relacional e integridade teológica/doutrinária. Uma passagem bíblica que resume essas três formas de integridade está na carta de Paulo a Timóteo:

“Atente bem para a sua própria vida [integridade pessoal] e para a doutrina [integridade doutrinária], perseverando nesses deveres [integridade pastoral/da liderança, 4.6-10], pois, fazendo isso, você salvará tanto a si mesmo quanto aos que o ouvem” (1Tm 4.16).

O mundo da construção está habituado a desenvolvimentos desastrosos de edifícios que desabam, muitas vezes causando mortes. Afirma-se que esses edifícios carecem de “integridade estrutural”, ou seja, as pessoas que deveriam garantir que os pilares e colunas fossem erguidos com materiais apropriados e especificações precisas talvez não tenham sido íntegras na execução de seu trabalho. Quando as estruturas físicas carecem de integridade estrutural, elas não resistem ao teste do tempo. Há integridade, contudo, quando toda a estrutura funciona bem, inteira, integrada e intacta. Da mesma forma, uma organização com “integridade institucional” é aquela cujos múltiplos braços, departamentos e ministérios funcionam bem e seguem as exigências básicas das Escrituras e da fidelidade doutrinária.

Você é respeitado por ser quem é antes de ser respeitado pelo que faz. A razão disso é que a integridade ou a ausência dela é o que define o caráter. Jesus afirma em Mateus 15.11: “O que entra pela boca não torna o homem ‘impuro’; mas o que sai de sua boca, isto o torna ‘impuro’”. Esta passagem não significa que “o que entra pela boca” não importa. O que entra pela boca é importante, porque o que sai da boca depende do que por ela entrou. Em outras palavras, qualquer desconexão entre o ser (quem você é) e a conduta (o que você faz) leva à perda da dignidade.

qualquer desconexão entre o ser (quem você é) e a conduta (o que você faz) leva à perda da dignidade.

Integridade é o que se espera em situações que exigem prestação de contas e confiança e envolve nossos relacionamentos. Entre as características mais próximas associadas à integridade estão a honestidade, a veracidade, a franqueza e a transparência. Se considerarmos a “franqueza”, por exemplo, ela se refere ao estado ou à qualidade de ser franco, aberto e sincero nas palavras ou no semblante. A integridade flui do caráter e se manifesta no compromisso com causas nobres. O exemplo máximo de integridade altruísta é o próprio Jesus, que, embora fosse Deus, “não considerou que o ser igual a Deus era algo a que devia apegar-se; mas esvaziou-se a si mesmo”, na causa da redenção humana.

A integridade cristã como elemento redentor

A integridade de Jesus Cristo é afirmada pelo Credo Niceno, ao se referir a ele como:

“[…] o Filho de Deus, gerado unigênito do Pai, isto é, da substância do Pai, Deus de Deus, luz de luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro, gerado, não feito, consubstancial ao Pai; por quem foram feitas todas as coisas […]”

À luz do exemplo de Jesus, descobrimos que a integridade cristã é redentora nos seus propósitos. Quando exercemos a integridade, personificamos as seguintes palavras de Jesus: “Conhecerão a verdade, e a verdade os libertará” (Jo 8.32). A falta de integridade cria uma personalidade disfuncional e uma consciência culpada na qual palavras e ações não são coerentes e geram o sentimento de conflito. Quando as pessoas agem com integridade, o mundo pode odiá-las e até mesmo persegui-las, mas elas vivem com a paz do Senhor em seus corações e sua vida é um reflexo da vindicação do nome do Senhor. Os pastores de Israel foram castigados por Deus por sua falta de integridade pastoral, pois exploraram as ovelhas para seus fins egoístas:

“Vocês comem a coalhada, vestem-se de lã e abatem os melhores animais, mas não tomam conta do rebanho. Vocês não fortaleceram a fraca nem curaram a doente nem enfaixaram a ferida. Vocês não trouxeram de volta as desviadas nem procuraram as perdidas. Vocês têm dominado sobre elas com dureza e brutalidade” (Ez 34.3-4).

Se as pessoas não têm integridade, também lhes falta coragem para buscar a verdade. São impostores, leais a causas destrutivas, à depravação e à falsidade. Jesus, por sua vez, o autor e consumador da nossa fé, “pela alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha” (Hb 12.2).

Conclusão

Age com integridade aquele que demonstra honestidade e transparência, com espírito altruísta, visando o bem maior. Foi o que Paulo quis dizer ao afirmar: “Nada façam por ambição egoísta ou por vaidade, mas humildemente considerem os outros superiores a si mesmos” (Fp 2.3). O seu modelo nesse chamado foi o Jesus que se esvaziou de tudo, exceto do amor e, tornando-se um ser humano, morreu na cruz pela redenção dos homens, para que pudéssemos viver para o louvor da glória de Deus. Que todos os líderes cristãos em cada igreja e setor também sigam os seus passos.

  1. Nota da Editora: Veja artigo intitulado “Liderança Abusiva: Prevenindo o abuso e o uso indevido de poder no ministério cristão”, de Merethe Dahl Turner, em Análise Global de Lausanne, julho/2024. https://lausanne.org/pt-br/global-analysis/lideranca-abusiva.
  2. Jim Bakker with Ken Abraham, I Was Wrong: The Untold Story of the Journey from PTL Power to Prison and Beyond (Nashville: Thomas Nelson Publishers1996).
  3. Bakker, I Was Wrong, 13.
  4. Bakker, I Was Wrong, 13.
  5. Confira também Henry Cloud, Integrity: The Courage to Meet the Demands of Reality (New York: Harper, 2006); and Gary L. McIntosh and Samuel D. Rima, Overcoming the Dark Side of Leadership (Grand Rapids: Baker Books, 2007).