*A tradução deste artigo está adaptada ao Português do Brasil.
Com seu corte de cabelo black power e uma barba esculpida, ele parecia mais um músico pop do que um implantador de igrejas. Na verdade, ele era ambos. Ele e alguns amigos estavam alcançando os jovens nas favelas de São Paulo, no Brasil, oferecendo aulas gratuitas de música. O jovem veio à nossa consultoria de implantação de igrejas para ver o que poderia aprender.
Como costuma acontecer nestas reuniões, o jovem implantador de igrejas brasileiro nos ensinou algumas lições importantes.
Conhecimentos coletivos de implantação de igrejas
Ele é um dos 436 latino americanos que juntamente com um grupo semelhante de europeus se juntaram às consultas de um dia organizados pela rede temática de Lausanne de implantação de igrejas. Desde seu lançamento em 2014, a rede juntou diversos implantadores de igrejas, missionários, líderes emergentes, teólogos, pesquisadores e líderes denominacionais de 20 cidades do Brasil, América Central, Croácia e Espanha, para discutir como melhorar a eficiência em cumprir a grande comissão.
Dados de estudos e discussões de mesa redonda revelam um interesse universal na implantação de igrejas saudáveis, assim como os desafios em comum que implantadores têm no mundo todo.[1] As consultas produziram uma mistura rica de experiência, sucessos, fardos e aspirações. Após peneirar e refletir, condensamos estes conhecimentos coletivos em Cinco verdades simples sobre a implantação de igrejas no começo do século vinte e um, na esperança de iniciarmos uma discussão ainda maior sobre as questões:
1 O desafio mais urgente que encaramos é fazer discípulos da próxima geração.
Os implantadores de igrejas na América Latina e Europa expressaram sua preocupação sobre como fazer discípulos na próxima geração. A juventude atual, especialmente na cultura urbana pós-moderna não têm interesse em “religião organizada”. As igrejas evangélicas nestas comunidades estão atraindo poucos jovens. De fato, mais membros da próxima geração estão deixando em vez de se juntar às igrejas.
Essa notícia é ruim. A boa notícia é que estes mesmo jovens estão mais interessados do que nunca em conhecer Jesus, e se tornarem seus seguidores mais entusiasmados se apresentados ao evangelho. Eles também são maravilhosamente efetivos em fazer discípulos de outros jovens urbanos pós-modernos.
O jovem músico implantador de igrejas de São Paulo nos disse: “Falamos para os jovens logo de cara que enquanto estiverem aprendendo violão ou teclado, também vão aprender sobre Jesus. Eles não entram no programa sem concordar com isso.”
As pessoas se surpreenderam com isso. Sua tática vai contra os princípios ensinados em aulas missionárias. Deve-se primeiro construir relacionamentos com um grupo-alvo, segundo a tradição, investindo meses ou até anos antes de “ganhar-se o direito” de apresentar o evangelho às pessoas.
“Isso não funciona para nós”, diz o jovem, “você tem que falar para essa criançada logo de cara que você é cristão e quer que eles conheçam o Senhor. Se você esperar para abordar o assunto mais tarde, eles acham que você as enganou e deixam o curso”. Depois ele explicou que as crianças da favela têm mais vontade de fazer aulas de música quando Jesus é parte do currículo.
2 Devemos aprender e seguir a eclesiologia bíblica.
O Novo Testamento revela como a igreja primitiva foi constituída para realizar a grande comissão. Apesar das ameaças de ostracismo social, perseguição oficial e heresia interna, a primeira geração dos seguidores de Jesus fez discípulos fiéis de seus compatriotas mais rápido do que em qualquer outro momento da história. Acreditamos que hoje, se aplicarmos a eclesiologia do Novo Testamento os resultados serão incríveis.
A convicção de Alan Hirsh é convincente em seu livro “The Forgotten Ways: Reactivating the Missional Church” (“As rotas esquecidas: reativando a igreja missionária”, em tradução livre). Hirsh acredita que podemos fazer da igreja nos dias de hoje o mesmo que os apóstolos fizeram no primeiro século. Ele oferece cinco marcas essenciais de eclesiologia bíblica para nos ajudar a recuperar a genialidade da igreja apostólica:
1.Cristo é o centro (foco em Deus).
2. Cristo é reproduzido de forma contínua (fazendo discípulos).
3. Cristo manifesta seu amor através dos membros (comunhão compassiva).
4. Cristo trabalha através de cada fiel no Corpo (sacerdócio universal).
5. Cristo redime toda a criação através da igreja (missão externa).
Nas consultas de implantação de igrejas de Lausanne, perguntamos aos participantes: “Quais destas cinco características da igreja do Novo Testamento é a mais urgente para a recuperação da igreja no seu país?”
As respostas variam muito, dependendo dos diferentes contextos históricos e sociais:
- Na América Central (El Salvador, Honduras, Guatemala e Nicarágua), os líderes sentem que o desafio mais urgente da igreja é fazer discípulos.
- Por outro lado, os brasileiros mencionam com frequência que precisam colocar Cristo no centro da igreja novamente.
- Nos Balcãs, os líderes confessaram que uma grande necessidade é permitir que cada cristão obtenha um lugar, que é seu por direito, no sacerdócio.
- Os líderes espanhóis identificaram a falta de visão missionária como seu desafio principal.
3 Cada cristão é parte do sacerdócio universal de fiéis, e compartilha a responsabilidade e autoridade.
Em um estudo que conduzimos na Espanha, 150 ministros de grupos jovens compartilharam suas ideias sobre como alcançar a próxima geração para Jesus. Eles expressaram fortemente sua opinião de que precisamos de novas expressões de igreja que enfatizam que todos são parte do ministério. Eles salientaram que os jovens têm a tendência de se entediarem e deixarem os grupos quando não são mais valorizados como indivíduos e deixam de ter oportunidades de contribuir.
Em Alcala de Henares na Espanha, um grupo de oito cristãos se frustrou, pois não estavam ativamente envolvidos na missão de Deus em suas cidades. Então, com muito cuidado para manter a paz com suas respectivas congregações, decidiram alugar uma loja vazia no térreo de um condomínio populoso em uma região de baixa renda da cidade. O grupo começou com atividades que aplicavam os dons únicos de cada pessoa, como um clube de scrapbooking, aulas de conversação de inglês, e exercícios aeróbicos para mulheres muçulmanas. Logo, o grupo dava as boas-vindas a 50 pessoas não cristãs para uma ou mais de suas atividades baseadas na Bíblia.
A esposa de um presbítero expressou sua satisfação entre lágrimas de alegria: “Ninguém nunca tinha me dado uma oportunidade assim, de expressar minha fé de formas que combinam com minhas motivações e talentos”. Eventualmente, uma das igrejas domésticas do grupo notou e aplaudiu os esforços. Quando escrevemos este artigo, a congregação estava considerando como liberar mais de seus membros para o campo missionário local, utilizando o projeto piloto como seu modelo.
4 Os cristãos devem colaborar uns com os outros para impactar o mundo.
A conversa sincera de Jesus com o pai, registrada em João 17 nos deu uma chave para alcançar sua geração, esta geração e todas as outras gerações futuras: “Rogo também por aqueles que crerão em mim, por meio da mensagem deles, para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti. Que eles também estejam em nós, para que o mundo creia que tu me enviaste.” (Jo 17:20b-21).
Muitos cristãos hoje não compreendem por que há tantos “silos” no mundo cristão. Pior ainda, eles estão muito confusos sobre por que as pessoas nestes silos não trabalham juntos, nem mesmo conseguem se dar bem um com a outra.[2]
Em 2016, nossa rede teve uma consulta de um dia na Croácia com a participação de 25 líderes denominacionais de todo o país. A apreensão sobre a reunião prevaleceu, devido aos atritos históricos entre as denominações. De fato, quando perguntamos o que considerariam um bom resultado da reunião, um líder respondeu: “Qualquer coisa desde que ninguém saia sangrando.”
A reunião correu bem, sem fatalidades a serem registradas. No entanto, muitos estavam chocados em ouvir de um estatístico local que a Croácia tem somente 178 igrejas apesar da população de quatro milhões. A taxa de crescimento é de cinco novas igrejas por ano.
Quando desafiado a determinar o que estava limitando seu impacto, a resposta foi: “É porque não trabalhamos juntos como um corpo.” Esta descoberta ajudou a quebrar a tendência solitária e construir relacionamentos uns com os outros. Eles então formaram uma plataforma nacional de implantação de igrejas com uma visão compartilhada de alcançar a Croácia.
Durante a última década, diversos movimentos de plantação de igrejas de base na Europa romperam as barreiras que separavam o Corpo de Cristo. Identificamos alguns elementos em comum nas redes colaborativas que levam ao sucesso:
Um líder catalisador que tem paixão em juntar o Corpo de Cristo para alcançar um grupo-alvo;
Estatísticas úteis que revelam as taxas atuais de crescimento e áreas com maior necessidade de implantação de igrejas;
Estratégias amplamente compartilhadas que impulsionam a implantação de igrejas;
Um local para interação, para o aprendizado e para aguçar a visão.
5 As redes unificam o Corpo de Cristo.
O Movimento de Lausanne está nos ensinando a não confundir a globalização do Cristianismo com a união do Corpo de Cristo. O mundo do Cristianismo nesta geração está crescendo de forma impressionante, nas mais diversas culturas e baseado nas mais diversas tradições teológicas. A “igreja do hemisfério norte” na Europa e América do Norte opera de forma completamente diferente da “igreja do hemisfério sul”, onde as igrejas locais estão em pleno crescimento. Segundo Wesley Granberg-Michaelson:
A fenda teológica entre estes dois mundos continua a crescer, à medida que o centro de gravidade do cristianismo continua a se deslocar para o hemisfério sul… Eu acredito que a separação entre estes dois mundos constitui o maior desafio para a união da igreja no século 21… Isso ressalta a necessidade urgente de construirmos novas redes de relacionamento. Estas redes precisam ser criadas intencionalmente de forma que atravessem as divisões geográficas, teológicas, institucionais e geracionais. Espero que tais redes continuem a se multiplicar e crescer em diversidade.[3]
Redes de implantação de igrejas são uma das categorias de diversos movimentos de colaboração que fazem parte da grande comissão. Algumas das redes são informais com conexões também menos formais, outras foram organizadas e generosamente financiadas para este propósito. A classificação das redes não importa, mas sim que elas são uma resposta à oração de Jesus: “Para que todos sejam um, Pai, como tu estás em mim e eu em ti…para que o mundo creia que tu me enviaste.” (Jo 17:21).
“Para que o mundo creia” deve ser o objetivo de todo implantador de igrejas. É verdade que algumas igrejas hoje estão focadas em “plantar a bandeira” de certa denominação em territórios que até o momento não foram reivindicados, ou para acomodar um grupo demográfico que não se sente confortável com sua igreja mãe. No entanto, Jesus tinha um propósito diferente para a igreja que ele estava construindo.
A igreja se formou à medida que os discípulos de Jesus se multiplicavam. Ela continua a existir e a fazer mais discípulos de Jesus. Este é seu principal propósito. “A missão não foi criada para a igreja; a igreja foi criada para a missão – a missão de Deus”, ressalta o teólogo britânico Chris Wright.[4]
Então se queremos que a implantação de igrejas seja efetiva no século 21, os implantadores de igreja devem obedecer ao comando de Jesus dado no primeiro século: “Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo,
ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei.” (Mt 28:19-20a).
Concluímos com isto, a mais simples verdade sobre implantação de igrejas.
Endnotes
- Nota do Editor: Leia o artigo de Ken Parks: “Terminando os 29% ainda não alcançados pela evangelização mundial”, na edição de maio da Análise Global de https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2017-05-pt-br/terminando-os-29-ainda-nao-alcancados-pela-evangelizacao-mundialLausanne. Veja também o artigo ‘What We Call the Edge, God Calls the Center’, (em tradução livre, “O que chamamos da beirada, Deus chama de centro” – artigo disponível somente em inglês) na edição de julho 2015 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/content/lga/2015-07/what-we-call-the-edge-god-calls-the-center.
- Nota do Editor: Leia também o artigo de Thomas Albert Howard, intitulado “Um chamado pela união cristã pela grande comissão: o 500º aniversário da reforma protestante”, nesta edição de novembro de 2017 da Análise Global de Lausanne.
- Wesley Granberg-Michaelson, From Times Square to Timbuktu: The Post-Christian West Meets the Non-Western Church (Grand Rapids: Eerdmans, 2013), 19-20, 70.
- Christopher J. H. Wright, A Missão de Deus, desvendando a grande narrativa da Bíblia (São Paulo, Vida Nova, 2014), 62.