Dimensões Éticas – parte 2: santidade e falsos ídolos

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Herança e heróis

Quando me registrei como estudante de teologia no London Bible College em 1972, entrei num choque cultural que ainda continua. Aquilo que, na época, era uma subcultura confinada de pentecostalismo negro clássico, transformou-se num mundo muito mais vasto que, por vezes, parecia apóstata.

Aquilo foi, na realidade, um processo de reeducação. Gigantes teológicos, conhecidos e reverenciados por todo o mundo evangelical, eram-me estranhos. Em contrapartida, alguns de meus heróis mais influentes como A. A. Allen, Morris Cerullo e T. L. Osborne muitas vezes eram mencionados de forma condenatória. Desde então, minha peregrinação é para cobrir uma área maior sem perder minha orientação pentecostal.[1]

Essa jornada me levou ao coração do evangelicalismo britânico em 1988, onde servi por mais de 20 anos. Como diretor da Aliança Evangélica do Reino Unido (EAUK), um dos momentos mais complicados para mim foi quando presidi a expulsão dos Ministérios de Evangelização Mundial de Morris Cerullo em 1996. O trauma conduziu a uma consulta teológica sobre o Evangelho da Prosperidade e, subsequentemente, à publicação de Faith, Health and Prosperity [Fé, saúde e prosperidade][2] em 2003. Isso tornou-se o ponto de referência central na preparação deste ensaio.

Complacência evangélica e contradições

Dada a relação inextricável entre fé e prática, não é possível evitar uma referência pelo menos passageira à premissa teológica do Faith Movement [Movimento de Fé]. E a dificuldade é que “boa parte do Movimento é evangelical”.[3] Como entende Perriman, seu sucesso pode ser em parte creditado ao fato de, em alguma medida, ter “acolhido certos elementos centrais da verdade cristã […] que os evangelicais simplesmente não levaram a sério o suficiente”.[4] Aliás, a base de fé da Igreja Universal do Reino de Deus no Reino Unido[5] não a impediria de ser membro da Aliança Evangélica.

Apesar das grandes semelhanças entre o Evangelho da Prosperidade e as antigas seitas, ele também tem raízes históricas em comum com ministérios como os de George Müller, Keswick[6] e os ideais da Santidade/Cura pela fé/Pentecostalismo.[7]

Além disso, a ligação weberiana entre a prosperidade e a ética protestante do trabalho também tem sido aplicada às raízes do Evangelho da Prosperidade. Em seu etnográfico do Movimento da Prosperidade e o uso que este faz dos meios de comunicação de massa no contexto sueco, Simon Coleman afirma que “credos seculares de progresso têm sido combinados com um desvio que se afasta de doutrinas em geral calvinista para doutrinas mais arminianas”, o que abriu caminho para a autoafirmação positivista do Movimento da Prosperidade. [8]

A reflexão de Whitney Griswold sobre Cotton Mather, famoso puritano americano do século XVIII, faz-nos lembrar da relação entre a atitude de Mather para com a prosperidade (adquirida) e o serviço a Deus. Coleman está correto ao destacar que a dicotomia de Mather entre “fazer o Bem para os outros” e “conseguir o Bem para si” é “o paradoxo que permeia a ética do protestantismo”, bem como a dificuldade em discernir entre “a utilidade social impessoal do homem” e “seu próprio sucesso econômico individual”.[9]

Em seu estudo etnográfico da Prosperidade no Evangelho da Fé (Faith Gospel) da Tanzânia, Hasu também liga Weber e a ética protestante, mas com a importante advertência de que, enquanto o calvinismo não era consumista, no contexto da Tanzânia, riquezas, preferências e segurança foram juntadas de tal maneira que “nascer de novo” significava que “o verdadeiro crente tem o direito à saúde e à riqueza e à possibilidade de consumo”.[10]

A ética da prosperidade também deve ser localizada em seu contexto socioeclesial. É evidente que o Movimento de Fé e sua mensagem subsequente de prosperidade era, em parte, uma reação à letargia espiritual da igreja do final do século XIX, que fora desestabilizada pelo racionalismo secular e perdia terreno para o movimento do Novo Pensamento.[11] Com suas raízes no pentecostalismo, o Movimento de Fé comercializou para se tornar um evangelho de riquezas, assumiu a tarefa de fazer a transição da fé “via negativa” para uma fé “via positiva[12], baseada numa releitura do Novo Testamento e num Deus que age empiricamente no mundo material.

Tendo isso em mente, talvez McConnell esteja correto em considerar o Evangelho da Prosperidade não uma “heresia formal”, mas uma “heresia material”[13] que está passando por uma adolescência teológica produtiva, mas perigosa: uma adolescência tipificada por escândalos éticos. Nesse estágio, permanece comprometido com os distintivos evangélicos, ao mesmo tempo que luta para lidar com a dicotomia entre espírito e matéria, fé e finanças. O horror é que tenta fazer isso com uma eclesiologia míope e sem uma compreensão séria da teologia histórica. Isso, juntamente com uma escatologia mais que realizada, tem implicações graves para sua atitude com relação à santidade, seu código de ética e seu entendimento da idolatria.

Santidade e Prosperidade

Um movimento que emergiu das tradições da santidade/pentecostais do final do século XIX e início do século XX preocupa-se inevitavelmente com moralidade e santidade e, conforme Perriman nos faz lembrar, tem procurado ligar a justiça à prosperidade.[14]

Em seu estudo das Assembleias de Deus do Zimbábue, África, do apóstolo Guti, David Maxwell demonstra precisamente essa dicotomia — particularmente para o movimento na África e na América Latina. Uma vez salvo, o indivíduo é conduzido para uma comunidade pietista em que ocorrem duas remodelações: primeiro, para renovar a “pureza interior” e também para servir às necessidades da igreja, tanto dentro como fora da congregação. Isso envolve estudos bíblicos e disciplina. Os crentes são chamados para um código de ética mais elevado, recusando vícios, infidelidade e dívidas, conduzidos para um ambiente em que “o novo homem pentecostal torna-se menos predatório, mais capaz de cuidar dos filhos e do casamento”.[15]

Nesse sentido, até mesmo depoimentos dão a entender que grande parte dos grupos de prosperidade têm ministérios muito ativos de enriquecimento familiar em que os casais são incentivados a edificar famílias positivas.[16]

Num sermão mais recente, o apóstolo Guti não poderia ter sido mais explícito em sua ética sexual. Ao celebrar seu aniversário de 90 anos, sua mensagem para jovens pregadores declarava:

Vocês precisam ter Deus — não só as palavras da Bíblia. Vocês precisam ter Deus. Estou dizendo ao servo do Senhor: precisamos buscar Deus… Precisamos ser nascidos de novo. Quando você nasceu de novo, você tem medo de tocar os seios de uma mulher. Você tem medo de tocar as partes íntimas de uma mulher. Você tem medo de tocar no dinheiro da igreja… O servo do Senhor não deve ficar pedindo dinheiro do povo. Ele precisa pregar o Reino de Deus, e o dinheiro virá.[17]

Nesse breve trecho de um sermão público, Guti transmite a essência de sua teologia e ética prática.

No contexto africano, Maxwell também chama a atenção para a rejeição de tradições fortemente associadas a práticas ancestrais, comportamento cultual e feitiçaria.[18] A prosperidade oferece segurança[19], desviando seus adeptos da pobreza e de “deslizes perigosos”.[20]

Pastor Enoch Adeboye, supervisor geral de uma das igrejas de maior índice de crescimento, a Redeemed Christian Church of God [Igreja Cristã de Deus Redimida], preside igrejas em mais de 170 nações. Adeboye promove uma prosperidade nitidamente moderada que atravessa o movimento com todos os acessórios do Evangelho da Prosperidade. Mas o conceito de santidade e integridade está colocado bem no centro de seu ensino.[21]

Durante uma entrevista formal, ele ligou a integridade e a santidade ao combate à corrupção:

Se seu alvo número um é o céu, então seu alvo número um é a santidade… Quanto mais imprimimos no povo a necessidade de santidade, tanto mais vão começar a perceber que você não pode afirmar-se santo e ser corrupto ao mesmo tempo.[22]

Mas o Movimento da Prosperidade tem um calcanhar de Aquiles: uma fé que mede seu sucesso pela saúde e riqueza material nutre seu próprio fracasso ético. O ethos do “direito à riqueza” tem criado ambientes empresariais com pouca transparência, pouca governança e atalhos na ética de levantamento de fundos. Em muitos casos, são classificadas como beneficentes, sem fins lucrativos, mas operam em padrões corporativos.

Num programa de rádio que discutia um acordo financeiro que se seguiu a uma queixa de abuso sexual contra o bispo Eddie Long, o comentarista deixou claro que o dinheiro da igreja foi usado para pagar o acordo porque “Aquela igreja é o bispo Long. Na verdade ele é o proprietário dela”.[23]

Também se revela que o bispo Long foi um dos seis líderes investigados pelo senador Charles Grassley na Investigação da Comissão de Finanças do Senado em 2011 por uso inadequado dos fundos da igreja. O bispo Long foi um dos quatro que não atenderam à recomendação de maior transparência. Recentemente, Dr. David Yonggi Cho também chamou a atenção do público por acusações de fraude.[24] Com muita frequência, denúncias de fraudes e exploração têm sido associadas a pregadores ricos da Prosperidade, tais como o bispo Macedo do Brasil, chefe internacional da IURD.[25]

Não estou insinuando que os pregadores da Prosperidade são intrinsecamente menos morais que qualquer outra secção da comunidade cristã; mas a real causa de preocupação está ligada à falta de prestação de contas que os torna — junto com seus seguidores — mais vulneráveis. E tudo isso é especialmente importante num momento em que as comunidades de fé em geral e a comunidade cristã em particular têm se tornado parte de uma cultura crescente de corrupção. É uma triste acusação de que o “crime eclesiástico” cresceu de estimados 300.000 em 1900 para 32 bilhões de dólares em 2010, com predições de que chegará a 60 bilhões em 2025.[26]

Além disso, a aparente ausência de “lições aprendidas” subsequentes ao fracasso deles vai contra a exigência bíblica de integridade pública como expressão de santidade interior.[27] Mas também é provável que o triunfalismo associado à escatologia realizada do movimento tenha uma tendência de neutralizar sua retórica acerca do “pecado”, da santidade e da integridade financeira.

Em 2000, Kenneth Hagin publicou O Toque de Midas: uma abordagem equilibrada para a prosperidade bíblica.[28] O livro que tinha por objetivo “evitar abusos e falsas práticas”[29] no Movimento da Prosperidade incluía uma “lista de prioridades na realização de encontros”, a fim de encorajar a integridade em reuniões públicas.[30] Ainda não ficou clara a influência que esse documento pode estar exercendo.

Idolatria e a Síndrome do Super-homem

Deixe-me começar esta seção com a definição de idolatria dada por Tim Keller:

Psicologicamente — do nosso ponto de vista, um ídolo é algo de quem você obtém identidade… Há algumas coisas que você olha e diz: “Se eu conseguir obter isso, não serei um zero”. Isso é o que é um ídolo…[31]

A Bíblia é inequívoca em sua condenação à idolatria.[32] Na grande maioria dos casos, essa condenação é equiparada ao uso de símbolos totêmicos de Javé ou “falsos deuses”. Em essência, a imposição bíblica está mais relacionada à redução da natureza inefável de Deus a coisas materiais e à troca de sua glória por objetos inanimados. Simplificando, os ídolos diminuem e profanam a soberania de Deus, desalojando-o do coração humano.

Essa idolatria internalizada é insinuada no Antigo Testamento[33] e explorada mais plenamente no Novo Testamento. Curiosamente, há uma ausência de referências a ídolos nos evangelhos, embora Jesus explore a ideia de corrupção interior[34], mais tarde retomada nos escritos de Paulo.[35] Esses textos exploram de maneira poderosa um catálogo de fracassos morais e éticos em que a idolatria é associada à “cobiça” e “feitiçaria”. Na carta de Pedro, a cobiça é também associada ao abuso ministerial.[36]

Ironicamente, o Movimento da Prosperidade manifesta a tendência reformada de teologia iconoclasta. Ainda assim, gloria-se na presença de líderes carismáticos de alto desempenho. A Palavra de Deus é, sem dúvida, venerada, mas costuma ser mediada por uma personalidade que faz sombra a ela. Como ilustra Coleman, “os objetos mais significativos são o púlpito, de onde o sermão é pregado, e as câmeras de televisão”.[37]

Essa “síndrome de super-homem”, digna de Nietzsche, que parece indispensável à pregação da prosperidade, tem substituído o sacerdócio litúrgico pelo mestre carismático de Apocalipse. A impaciência de McConnell, que reclama do “Conhecimento Revelado” versus “Conhecimento dos Sentidos”[38] e a “ilusão da grandeza”[39] que se segue, é compreensível, mas não inteiramente justificável. Não basta rejeitar a ideia da “revelação”, considerando-a um resquício do movimento do Novo Pensamento, sem travar uma luta séria com aqueles textos bíblicos que também validam a ideia de insights espirituais reveladoras. [40] Presume-se que esse seja o motivo de pregadores evangélicos orarem antes de começar seus sermões.

Mas mesmo assim, os pregadores da prosperidade têm a tendência de se apresentarem como condutores singulares de informações privilegiadas que chegam diretamente de Deus, oferecendo nova consciência e libertação para o ouvinte. Essa dinâmica eleva, inevitavelmente, o pregador a um patamar e autoridade que faz com que a Bíblia em si não passe muito de uma literatura interessante. É precisamente a isso que se refere Guti, quando fala a seus jovens pregadores: “Vocês precisam ter Deus — não só as palavras da Bíblia”.[41]

Essa forma de fazer teologia tendo por base as necessidades é uma espada de dois gumes. Por um lado, tem precedentes claros nas Escrituras. Deus é um Deus que supre nossas necessidades[42] — invariavelmente por meio de outros agentes humanos.[43] Horton não está inteiramente correto ao condenar a ideia de “necessidade percebida” como uma distorção do evangelho.[44] É bem evidente que Jesus atendeu às necessidades percebidas de muitos que chegavam para ele e daqueles a quem seus milagres de cura devem ter tido implicações socioeconômicas e sociais significativas.[45] Pessoalmente, luto para encontrar uma justificativa bíblica para uma teologia cessacionista e não participo completamente da ansiedade de McConnell quanto ao ensino do Movimento de Fé a respeito da demora na cura.[46] Mas essa preocupação com o fato de que é muito comum o Movimento de Fé transformar a cura numa “obsessão cultual” é certamente válida.[47]

Devemos aplaudir ministérios que suprem “necessidades percebidas”, mas os ministérios idólatras começam quando nossa personalidade se desvia do senhorio de Cristo ou se sobrepõe à autoridade da Bíblia.

Na ausência de uma teologia bíblica e histórica, e numa dificuldade abjeta de se relacionar com a reflexão bíblica fora de si mesmo, o Movimento da Palavra de Fé estabelece seu próprio magistério em que as “revelações”, que podem ou não beneficiar os ouvintes, certamente têm a tendência de elevar o status espiritual do pregador. Isso ocorre em todas as comunidades religiosas, mas a idolatria que decorre de algumas “opções” da prosperidade tem tudo a ver com a mercantilização desse status de tal maneira que o “pagamento por serviços” leva a níveis significativos de riqueza gerada inteiramente dentro dos sistemas de comércio interno criados e mantidos por seus líderes. E, invariavelmente, essa prática é apoiada por “leis” e “princípios” extracanônicos inventados para manter a aura de autoridade que é então negociada.

O estudo etnográfico de Hasu sobre o ministério de Mwakasege na Tanzânia é feliz ao analisar esse sistema econômico interno: as ideias bíblicas de semear e colher são aplicadas de tal maneira que o mestre recebe recompensas financeiras em troca da revelação que dá a seus seguidores. Essas revelações podem não resultar em bênçãos materiais imediatas, mas “dá poder” para o ouvinte obter riquezas, saúde e prosperidade no devido tempo. Esse “tríplice ganho”, no seu entender, “provê renda para o evangelista, uma oferta verdadeira para Deus e uma promessa de retorno cem vezes maior num futuro indefinido para o cristão.”[48] E, na opinião de Coleman, isso é realimentado por “funções persuasivas” e “performáticas” em que “uma economia evangélica é construída num contexto em que o cultivo da fé implica o consumo massivo de bens em forma de livros, gravações e vídeos.”[49] Isso é o que Horton descreve corretamente como uma “tecnologia do poder”.[50] Nesse ambiente, é difícil fazer separação entre a personalidade do pregador transformado em ídolo e o conteúdo do material.

A idolatria torna-se similarmente um ambiente sintético em que se criam tótens de identidade pessoal.

Mesmo que se permita algum elemento de “revelação” bíblica, não há espaço para a cultura do fideísmo que floresce em toda mensagem da Prosperidade. O perigo de um movimento de “fé na fé” em que emerge esse novo magistério de “leis”[51] e “princípios” é que cria grandes obstáculos para nosso entendimento de como a “inspiração” realmente funciona em relação ao cânone das Escrituras. Perriman resume isso muito bem:

Ao construir leis espirituais, tomamos o que é intrínseco ao caráter e à mente de Deus e ao propósito dele e os externalizamos. Tomamos qualidades essenciais como fidelidade e compaixão e as traduzimos numa ordem legal que pode, em princípio, ser operada sem que se lide diretamente com Deus. De fato, isso produz uma forma de deísmo que difere do deísmo clássico só pelo fato de incorporar o milagroso ao sistema; mas o Deus do sistema é empurrado para os bastidores.[52]

Ao debaterem com a dicotomia entre o mundo material e o espiritual, os pregadores da prosperidade ficam, involuntariamente, saltitando entre minas terrestres teológicas muito antigas. Desde conceitos de morte espiritual de Cristo até a nossa vida em Cristo, a teologia vem cortejando uma série de heresias “materiais”. Essa confusão tem resultado em algumas concepções deficientes da Trindade, bem como numa antropologia confusa.

Tanto a famosa exortação de Copeland: “Vocês todos são Deus” e o repente de Cerullo: “Vocês não estão olhando para Morris Cerullo; vocês estão olhando paras Deus. Vocês estão olhando para Jesus!”[53] são preocupantes. Isso não ocorreu porque esses homens resolveram diminuir o caráter ou a soberania de Jesus Cristo; é que, simplesmente, quando acentuaram a habitação de Cristo mediante o poder do Espírito, promoveram de maneira exagerada uma escatologia realizada e uma antropologia confusa.

Essa ênfase no poder evita os conflitos éticos[54] de nossa vida “já, ainda não” no Reino e substitui essa tensão por uma antropologia triunfalista não cristã que não prepara os crentes para os momentos inevitáveis de vulnerabilidade, deixando-os desassistidos para lidarem com isso em outras pessoas. A idolatria disso é que, inadvertidamente, nos faz campeões autodeclarados e perdemos a emoção do poder de Deus em ação em nossa fraqueza.[55]

Lições de Jetro?

Dado o rápido crescimento do Movimento de Fé e Prosperidade e seu impacto cada vez maior sobre comunidades cristãs tanto pobres como mais abastadas, há uma necessidade urgente de um diálogo proveitoso. Conheço bem poucos ambientes em que tem havido um esforço genuíno ou contínuo de reduzir a distância. Suspeito que isso seja um impasse teológico e cultural. Muitas comunidades da Prosperidade estão progredindo e têm indícios biblicamente induzidos de que estão corretas. Elas operam ministérios bem sucedidos e limitam suas conversas para evitar correntes teológicas contrárias que os tirem da rota.

Em todo caso, a maioria deles vem de contextos muito humildes e cresceram para gozar de poder e status longe do acesso de seus primos cristãos mais intelectuais. Aliás, o sucesso pessoal e a prosperidade deles encarna a própria verdade dos “trapos aos ricos” da mensagem que pregam. Eles mesmos tornaram-se a verdade da prosperidade que pregam. O fascínio do Evangelho da Prosperidade e sua fé audaciosa exerce pouca atração cultural ou teológica.

Se houver uma travessia desse abismo, isso terá de começar com as tradições mais antigas que deviam estar mais acostumadas com o “longo jogo”. E o evangelicalismo tradicional também devia estar disposto a aprender com um diálogo mais próximo.

Parece-me que os pregadores da prosperidade têm muito mais em comum com o Novo Testamento que com o Novo Pensamento. E mesmo que tenham bebido do Novo Pensamento, é possível que isso tenha ocorrido para copiar a linguagem, mais do que a convicção das ideias do Novo Pensamento, do mesmo modo que o Novo Testamento fez uso da filosofia grega no primeiro século.[56]

Mas dada a frequência com que estudiosos têm ligado a ética protestante de Weber com o desenvolvimento do Evangelho da Prosperidade, pode-se perguntar se o movimento é composto de neo-reformadores instintivos. De fato, eu afirmaria que os proponentes da prosperidade podem ser considerados filhos da Reforma e não detratores do evangelho.

E dada sua herança do movimento de santidade/pentecostal, o pentecostalismo moderno tem ainda mais em comum com a Prosperidade do que conseguimos admitir — tanto em termos da ética como em seus paradigmas de poder e a vida terrena de Cristo.

É muito difícil desconsiderar o Evangelho da Prosperidade rotulando-o simplesmente de seita. O grande apreço que têm pela mídia e pela ostentação pública é a própria antítese do que mais tememos nas seitas. Ninguém tem nenhum motivo para não identificar pregadores da prosperidade!

Mas deixe-me terminar com o melhor argumento em favor de maior colaboração que li até hoje.

O argumento bíblico é superdimensionado, a escatologia é super-realizada, o idealismo é exagerado. Mas essa é a motivação retórica — o que chamaríamos de exortação. Seu alvo é engendrar entre crentes comuns, com frequência no contexto de adoração intensa, um entusiasmo e confiança numa realidade poderosa de Deus. Isso nos conduz a um ponto muito alto da montanha de fé — ao ponto em que o ar fica rarefeito e a maioria de nós luta para respirar; mas quando inevitavelmente escorregamos e voltamos para trás, ainda podemos perceber que paramos mais alto do que estávamos antes.[57]

Com isso em mente, devemos esperar que, se Moisés foi capaz de trocar conselhos com seu sogro pagão, Jetro [58], os evangélicos tradicionais podem encontrar coragem para dialogar e fazer perguntas aos que se denominam pregadores da Prosperidade.

Notas

[1] Joel Edwards, Lord Make Us One But Not All the Same: seeking unity in diversity, Hodder & Stoughton, Grã-Bretanha, 1999.

[2] Ed. Andrew Perriman, Faith, Health & Prosperity, a Report on ‘Word of Faith’ and ‘Positive Confession’ Theologies, Paternoster Press, Cumbria, 2003, p.x.

[3] D.R. McConnell, A Different Gospel, A Historical and Biblical Analysis of the Modern Faith Movement, Hendrickson, Massachusetts, 1988, p.19.

[4] Perriman, op.cit., p.17.

[5] Veja o site de UCKG UK, http://www.uckg.org.au/about-us.aspx

[6] Perriman, op. cit., p.60.

[7] Ibid., p.76.

[8] Simon Coleman, All-Consuming Faith, Language, Material Culture and World Transformation among Protestant Evangelicals, Etnofoor, Jaarg 9, Nr 1 Words and Things (1996), p.33.

[9] Whitney Groswold, Three Puritans on Prosperity, The New England Quarterly, Vol. 7, No.3 (Sept., 1934), p.479.

[10] Päivi Hasu, World Bank & Heavenly Bank in Poverty & Prosperity: The Case of Tanzanian Faith Gospel, Review of African Political Economy, Vol. 33, No.110, Religion, Ideology & Conflict in Africa (Sept., 2006), p.680.

[11] McConnell, op. cit., p.47-48.

[12] Perriman, op. cit., p. 226-227.

[13] McConnell, op. cit., p.20.

[14] Perriman, op. cit., p.57.

[15] David Maxwell, Delivered from the Spirit of Poverty?:Pentecostalism. Prosperity and Modernity in Zimbabwe, Journal of Religion in Africa, Vol.28, Fasc. 3 (Aug., 1998), p.353.

[16] Veja o site UCKG UK http://www.uckg.org.au/about-us.aspx

[17] ZAOGA, Forward in Faith, Youtube de 23 de outubro de 2013.

[18] Maxwell, op. cit., p.354.

[19] Ibid., p.366.

[20] Ibid., p.370.

[21] O texto mais usado por Adeboye é Hb 12.14.

[22] Interview, The Jesus Agenda, Part 2 programme 3, June 2011.

[23] Youtube de 27 de maio de 2011 /www.youtube.com/watch?v=NgRKahM3eDg

[24] Em fevereiro de 2014, David Yonggi Cho recebeu uma sentença de três anos de prisão, cinco anos de suspensão por quebra de confiança e corrupção em que 21 milhões de dólares foram desviados. Ele também foi obrigado a pagar multas de 4,7 milhões.

[25] Alex Cuadros, 25 April 2013, postado em Global Economics, 4 May 2013.http://dialogueireland.wordpress.com/2013/05/04/uckg-edir-macedo-brazils-billionaire-bishop/

[26] Todd M. Johnson, David B. Barrett, e Peter F. Crossing, “Status of Global Mission, 2010, in Context of 20th and 21st Centuries”, publicado no International Bulletin of Missionary Research, Vol. 34, No. 1 (January 2010), p. 34, por Overseas Ministries Study Center, New Haven, CT.

[27] 1 Tm 3.7.

[28] Kenneth E Hagin, The Midas Touch: A Balanced Approach to Balanced Prosperity, Faith Library Publications, Tulsa, 2000.

[29] Ibid., p.115.

[30] Ibid., p.122.

[31] Tim Keller, podcast, Removing idols from the heart, The Ultimate Training Camp, 22 de outubro de 1989.

[32] Veja Êx 34.17; Lv 26.1; Nm 33.52; At 15.29; 17.16; 1 Ts. 1.9; Ap 9.20.

[33] Ez 14.4,5.

[34] Mc 7.20-23.

[35] 1 Co 5.11; 6.9,10; Gl 5.20; Cl 3.5.

[36] 2 Pe 2.3.

[37] Coleman, op. cit., p. 35.

[38] McConnell, op. cit., p. 104-106.

[39] Ibid., p.113.

[40] Veja Cl 1.9.

[41] ZAOGA, Forward in Faith, Youtube 23 de outubro de 2013.

[42] Is 58.11; Mt 6.11; Lc 11.3; Fp 4.19

[43] 1Rs 17.1-16; Is 58.10; At 27.3.

[44] Michael S Horton, The subject of Contemporary Relevance, Ed. Power Religion, The Selling Out of the Evangelical Church? Moody Press, USA, 1992, p. 331.

[45] Mt 9.27; Mc 10. 46-51; Lc 17.12.

[46] McConnell, op. cit., p.152. Veja as evidências do Novo Testamento de onde isso ocorreu no ministério de Jesus: Mc 8.22-25; Lc 17.14.

[47] Ibid., p.158.

[48] Hasu, op. cit., p. 688-690.

[49] Coleman, op. cit., p. 29.

[50] Ed Horton, op. cit., p. 327.

[51] Evidentemente, Paulo, mais que qualquer outro autor do Novo Testamento, lutou contra essas “leis” ao construir sua ética cristã e uma antropologia cristã neotestamentária. Entretanto, o Evangelho da Prosperidade se apropriou desses princípios para construir novas estruturas de leis reprodutivas no cosmo, as quais assumem vida própria capaz de salvar.

[52] Perriman, op. cit., p.138.

[53] Morris Cerullo, The End Time Manifestation of the Son of God, Morris Cerullo, World Evangelism, Tape1.

[54] Rm7 e 8.

[55] Rm 5.6; 2 Co 12.8, 9.

[56] Por exemplo, é perfeitamente possível que a motivação de Kenyon para estudar o Novo Pensamento era tanto polêmico quanto evangelístico (veja McConnell, op. cit., p. 47, 48). Acho intrigante que, segundo dados do próprio McConnell, aos 80 anos, época de sua morte, sua revista tinha uma circulação de 20.000 e ele havia escrito 12 livros, mas em nenhum ponto McConnell fornece alguma fonte direta ou primária para que possamos condená-lo de ter sofrido lavagem cerebral por parte do Novo Pensamento.

[57] Perriman, op. cit., p. 136.

[58] Êx 18.9-12.

 

This is a paper presented by the author at the 2014 Lausanne Global Consultation on Prosperity Theology, Poverty, and the Gospel. You may find a video version of this paper in the Content Library. The views and opinions expressed in this paper are those of the author and do not necessarily reflect the personal viewpoints of Lausanne Movement leaders or networks. For the official Lausanne Statement from this consultation, please see ‘The Atibaia Statement on Prosperity Theology‘.