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Evangelho da Prosperidade, nem tudo que reluz é ouro

Daniel Bourdanné 02 set 2010

Observação do Editor: Este Documento Avançado Cape Town 2010 foi escrito por Daniel Bourdanné com o objetivo de oferecer um panorama do tema a ser discutido na sessão Multiplex sobre “Pobreza, Prosperidade e o Evangelho”.  Os comentários sobre este documento feitos através da Conversa Lausanne Global serão enviados ao autor e a outras pessoas para que se chegue ao formato final a ser apresentado no Congresso.

O Evangelho da prosperidade e a cura miraculosa estão bem, porque estão reluzindo, brilhando. De um lado a outro do globo, dos Estados Unidos à Ásia e da América Latina à África, promessas de riqueza material e de saúde atraem as pessoas. Quem pode se manter indiferente às atrações de prosperidade, cura e bem estar pessoal através da fé, em meio a uma difícil circunstância? Na verdade, em alguns contextos, pessoas sem esperança tiveram suas vidas mudadas porque o movimento de Prosperidade lhes deu razões práticas para ver as coisas de maneira diferente através da fé em si mesmas. Isso significa que este “evangelho” pode produzir resultados positivos e não deve ser simplesmente ignorado.

Entretanto, o sucesso popular desta teologia não pode fazer que esqueçamos que nem tudo que reluz é ouro. Os fins não justificam os meios. Independente do aparente sucesso desta teologia, devemos examiná-la à luz das Escrituras.  Precisamos fazer exatamente como os cristãos bereanos fizeram: “examinavam cada dia as Escrituras, para ver se tudo era assim mesmo” (Atos 17:11).

Esta não é uma tarefa fácil, porque o movimento da Prosperidade não é exato nem tem uma doutrina teológica sistemática, estruturada, ou um sistema lógico sobre o qual podemos construir uma crítica cronológica.  Esta é uma teologia popular e das multidões, ensinada em sermões fervorosos. Mesmo os textos sobre os quais a ensinam têm este caráter oral, emocional e cativador das multidões e a internet também tem um papel importante na sua popularização. Entretanto, tentarei examinar alguns pontos teológicos que emergem dos textos e pregações de alguns dos principais protagonistas do movimento da Prosperidade.

Os Seres humanos

De acordo com a teologia do movimento da Prosperidade, os seres humanos têm uma natureza espiritual que é igual à de Deus. Por isso acreditam que como Deus, eles podem dar ordens para que coisas aconteçam.  Para eles, “os humanos são seres espirituais que têm uma alma que reside num corpo”. O que eles querem dizer com isso é que “o verdadeiro interior do ser” é divino. Portanto, de acordo com esta teologia, a diferença entre humanos e Deus não é questão de tipo, mas de grau, e na verdade, somos “pequenos deuses”. De acordo com Hagin, “… vivemos em um corpo, mas somos seres espirituais”. Idahosa, da Nigéria, entende que a imagem de Deus nos humanos como “uma pequena vida que é, parte da própria Vida que é Deus”. A noção de imagem de Deus é interpretada não de forma analógica, mas equivalente.  A imagem de Deus em Adão é uma parte do próprio Deus, parte da substância de Deus implantada em Adão por ocasião da criação. Acontece que quando Adão caiu, a parte sobrenatural dele morreu. A solução de Deus para nós, como fiéis, é que este “espírito morto” se torne um “espírito vivo” novamente. Se somos espirituais, de acordo com Hagin nosso espírito é da “natureza de Deus ou da natureza de Satanás”. Hagin escreve: “Adão deu a Satanás o que Deus lhe havia dado; consequentemente, Satanás tem domínio legal sobre os humanos e sobre a criação. Assim, desde a queda, a humanidade tem a natureza de morte de Satanás”. É óbvio que esta teologia é um tipo de panteísmo.

Em seu livro Connais ta position en Christ, (Saiba qual é sua posição em Cristo) publicado em 1998, George Amoako, pastor de uma igreja em Abdjam, na Costa do Marfim, escreve sobre o diálogo de Deus com Moisés em Êxodo 4: “A lição prática que Deus quer passar para Moisés é que depois da Queda, a autoridade mudou de mãos. A autoridade divina dada à humanidade na criação saiu das suas mãos e foi para as mãos do diabo, a serpente, mas em Jesus Cristo, esta autoridade foi restauranda para o proprietário de direito”.

Portanto, o que é salvação? De acordo com Hagin, Deus precisou fazer um acordo com Satanás para reconquistar o mundo para si. Ele tinha que pagar o resgate através de Cristo e este é o meio pelo qual os cristãos podem ter novamente a natureza de Deus. Assim a conversão restaura a natureza divina que os humanos perderam. Através da salvação, desenvolvemos a consciência de ser filho de Deus, e passamos a conhecer a nossa posição e os nossos direitos em Cristo. Amoako escreve : “Este livro foi escrito para trazer conhecimento de revelação e profecia para os filhos de Deus, para que eles tenham consciência da sua verdadeira posição e dos seus direitos em Cristo”.

De acordo com Hagin, “uma vez que receber a vida eterna significa ter a natureza de Deus em nós”, então, “a morte espiritual significa ter a natureza de Satanás”.

Esta é uma visão bíblica?

De acordo com as Escrituras, os humanos não são um espírito divino vivendo dentro de um corpo físico.  Em nenhum lugar da Bíblia os humanos são descritos nestes termos. Na Bíblia, os humanos são uma entidade de corpo, alma e espírito inseparáveis (1 Ts 5:23). Não existe contradição entre corpo e espírito. O corpo feito do pó não é o ser humano, e nem o é, o espírito soprado neste corpo. É a combinação dos dois que constitui o ser humano um “ser vivente” (Gn 2:7). Os humanos são pó e sopro, e corpo e espírito.

A ideia de que os humanos se tornaram criaturas de Satanás depois da Queda também não é encontrada em nenhum lugar da Bíblia. Os escritores bíblicos jamais atribuíram a Satanás qualquer poder de criação. Somente Deus é Criador e Satanás não tem poder de criar.

A imagem de Deus nos humanos foi destruída na Queda?  Não! Ela foi distorcida. Distorção não é destruição. Algo distorcido não é um nada. O que é distorcido é mais parecido com uma flecha torta que não acerta o alvo e é exatamente isso o que significa pecar: perder o alvo. Mesmo depois da Queda, os humanos permanecem como seres morais, diferentes dos animais e demônios. Humanos caídos não são demônios, mesmo que possam ser habitados por demônios. Eles ainda têm a imagem de Deus dentro deles. Eles mantêm a imagem de Deus, mesmo sendo imperfeitos, sendo imagens distorcidas, comparados com o que deveriam ser. Criados por Deus para amar sem interesse próprio, os humanos permanecem seres que amam. Mas a separação de Deus por causa do pecado os faz amar com interesse próprio. Criados para glorificar a Deus através de suas vidas, a capacidade deles de glorificar é canalizada para outro alvo: sua própria glória. Eles perdem o alvo.

Hagin, juntamente com outros, desenvolveram um conceito de humanos que os tornam pequenos deuses. E isto levanta importantes questões teológicas, filosóficas e éticas. Se a humanidade era divina antes da criação, como a Queda pôde ocorrer? Talvez por causa do corpo, seja a resposta de alguns. Mas o corpo não é apenas uma parte que morreu depois da Queda. Os próprios teóricos do movimento da Prosperidade falam da “morte do espírito”. Mas como um espírito divino morre? De acordo com a Bíblia, morte espiritual é alienação dos humanos criados à imagem de Deus. Mas, apesar de criados à sua imagem, não implica que os humanos sejam deidades. Os humanos são criados à imagem de Deus, o que significa que a personalidade deles reflete a personalidade de Deus analogicamente e não de um modo diretamente equivalente. Humanos e Deus não têm a mesma natureza, ontologicamente falando. Os humanos não têm os mesmos atributos de Deus. Enquanto Deus pode criar do nada, os humanos não o podem. Deus é infinito, os humanos são seres finitos. Foi porque os humanos já estavam influenciados por suas emoções antes da Queda que deram vazão às suas emoções e caíram.

Os humanos nem são Deus, nem Satanás. Eles são humanos, com a “nova natureza” ou com a “velha natureza”. Nem a salvação em Jesus os deifica. Eles permanecem como criaturas salvas, criaturas especiais, é claro, mas não criaturas deificadas.

Jesus é um sacrifício “justo” oferecido por Deus a Satanás, como essas pessoas afirmam? De acordo com Hagin, Jesus precisou morrer “espiritual” e fisicamente para salvar os humanos da sua “natureza satânica” depois da Queda. A “criação satânica de Jesus” precisava passar pelo tormento do inferno para pagar o resgate devido a Satanás.  Foi no inferno que “Jesus nasceu de novo”. Foi porque ele nasceu de novo no inferno que Ele triunfou sobre Satanás. Cristo se identificou “legalmente” conosco, porque o seu sofrimento no inferno trouxe a justiça de Deus para Satanás. Da mesma forma, todos os crentes devem ter uma identificação vital com Cristo tomando posse para si da redenção através da fé.

Esta teologia não-bíblica apresenta a necessidade de uma morte dupla de Cristo. Ela leva à conclusão lógica que a morte física de Cristo não é suficiente para a salvação. De acordo com eles, Jesus sofreu uma morte dupla na cruz, física e espiritual. Esta teologia justifica essas doutrinas, baseando-se em uma interpretação da passagem de Isaías 53:8-10. Depois da sua morte física na cruz, o diabo o levou para o inferno e lá ele sofreu a morte espiritual.

Em nenhum lugar a Bíblia apóia ou sugere a ideia de um novo nascimento de Jesus no inferno. Jesus não morreu espiritualmente no inferno e nem teve uma natureza satânica, como alega a doutrina deles. Ao contrário, Jesus sofreu na sua carne (1 Pedro 4:1). Foi no seu corpo que ele carregou nossos pecados na cruz (1 Pedro 2:24). A noção de sangue pode ser encontrada em toda a Bíblia. Existem muitos elementos referentes ao sacrifício físico que são bem estabelecidos nas Escrituras: o sangue no batente das portas, o sangue do cordeiro, o sangue da purificação etc. A Epístola aos Hebreus afirma claramente: “Portanto, visto que os filhos são pessoas de carne e sangue, ele também participou dessa condição humana, para que, por sua morte, derrotasse aquele que tem o poder da morte, isto é, o Diabo, e libertasse aqueles que durante toda a vida estiveram escravizados pelo medo da morte” (Hb 2:14-15).

Portanto, foi na cruz que Jesus derrotou o diabo, não quando ele desceu ao inferno. É o seu precioso sangue que nos salva. A morte física de Jesus é totalmente suficiente para salvar a humanidade.  Em nenhum lugar a Bíblia afirma que Cristo foi sacrificado para pagar apenas uma dívida qualquer com o diabo. A morte de Jesus não é o preço para ser pago a Satanás! Na Bíblia, a morte de Jesus é o sacrifício a Deus. Não é um sacrifício no sentido legal, ou seja, um pagamento ou resgate. Nas Escrituras, é um sacrifício de amor para um Deus santo e justo para “satisfazer sua justiça e santidade”.  Paulo escreve aos Efésios: “Vivam em amor, como também Cristo nos amou e se entregou por nós como oferta e sacrifício de aroma agradável a Deus” (Ef 5:2). Cristo entregou-se como resgate a Deus, não a Satanás (1 Tm 2: 5-6). Deus seria injusto se pagasse qualquer coisa a Satanás. Isto porque, apesar do domínio de Satanás, ele usurpa de sua autoridade, e o que é usurpado é ilegal. Portanto, seria injusto pagar um resgate para recuperar uma autoridade ilegal. No contexto do seu poder superior, Deus, Todo Poderoso jamais pagaria um resgate, porque um resgate é pago para recuperar terra conquistada, quando o pagador está em uma posição de mais fraco ou no máximo, quando as forças são iguais. Portanto, pagar um resgate a Satanás significaria reconhecer a fraqueza de Deus ou que Deus e Satanás teriam poderes iguais. Deus não deve absolutamente nada a Satanás. Não existe qualquer acordo entre Deus e Satanás com respeito à salvação dos humanos. A iniciativa de salvar a humanidade é divina e não satânica. A salvação veio por substituição.  Esta idéia é encontrada do começo ao fim das Escrituras. No Velho Testamento, um animal é usado para a substituição e este deve ser sem defeito (Lv 4:3, 23). João refere-se a Jesus como “O Cordeiro de Deus que tira o pecado do mundo”. Através da sua vida sem pecado, Jesus é como o cordeiro oferecido a Deus como oferta de fragrância e este sacrifício apazigua a ira de Deus.

Fé e confissão positivas

A fé é uma fórmula que opera automaticamente quando a usamos? Hagin afirma que é. De acordo com ele e seus seguidores, “a lei da fé” é um princípio universal que se aplica a todos, crentes e incrédulos igualmente. É uma lei impessoal, como a lei da gravidade e outras leis naturais. Hagin escreve: “Então o próprio Senhor Jesus apareceu a mim [e disse] … se alguém, em qualquer lugar, tomar estes quatro passos ou colocar estes quatro princípios em prática, receberá o que quiser de Mim e do Deus Pai”. Não importa como está o seu relacionamento com Cristo, aplique a lei da fé e você obterá os resultados. É uma fórmula que qualquer um pode aplicar para o que quiser: saúde, emprego novo, casa, carro, tudo o que quiser!.

De acordo com os adeptos do movimento da Prosperidade, a fé é essencial para Deus e sua atuação. Deus é apresentado como um ser de fé. “A palavra que traz à existência e sustém a criação é um ato de fé”. Quando as pessoas descobrem as leis espirituais estabelecidas por Deus, que fazem o universo funcionar, podem fazê-las funcionar para seus próprios propósitos.

Onde é que fica a soberania e a vontade de Deus nisso tudo? Deus não é uma força espiritual infinita nem uma força cósmica infinita que governa o mundo. Deus é um Deus pessoa que governa com sua presença, seu poder e sua vontade. Deus não precisa submeter-se aos princípios das leis. Ele não é impessoal. Ele não é um Deus pré-determinado, nem mesmo pela sua própria natureza.

A atitude de humanos que exigem seus direitos, que dão ordens a Deus tentando domesticá-lo com suas fórmulas e técnicas espirituais é, em minha opinião, contrária ao pensamento bíblico.

As alegações do movimento da Prosperidade caem sutilmente na armadilha do deísmo.  Nas Escrituras, fé, antes de ser uma ação, é acima de tudo, um relacionamento de confiança em um Deus soberano e pessoal.  Este Deus é presente e atuante, o que implica que um ser criado não pode manipulá-lo.

É fácil ver que o princípio de Hagin e dos seus seguidores está próximo dos tradicionais rituais africanos, que insistem na fórmula ou no gesto certo. Qualquer um, que trabalha com igrejas africanas nas quais o Evangelho da Prosperidade é pregado, percebe a importância do ritual nas orações. Um lenço é dado para passar a autoridade apostólica; velas, sal e outros objetos são usados e determinadas orações estão associadas a rituais específicos. Por exemplo, colocar a mão sobre a parte do corpo que dói, a observâncias de certas proibições, jejuns etc. Os líderes deste movimento fazem prescrições semelhantes aos rituais animistas.  Por exemplo, pessoas pedindo bênçãos para o Ano Novo ouvem: “Agora coloque suas mãos nesta página e cante este hino que diz ‘Jesus já conquistou o mundo e nos deu a vitória, vitória, vitória. Aleluia’. Depois de cantar, grite ‘Amém!’ sete vezes, para a glória de Deus, que o ergueu. Olhe para sua mão direita. Coloque-a atrás de você. Ao fazer isso, repita comigo ‘Santo Espírito, eu recebo o meu milagre’. Agora coloque sua mão na sua frente com se estivesse pronto para avançar… Eu ordeno as bênçãos do Senhor sobre você para 1992 em diante, em nome de Jesus. A bênção é sua”. (The Christian Mirror, p. 53)

Durante a reunião de oração na igreja, o “apóstolo” usava um lenço branco para passar sua autoridade para uma mulher que estava saindo para o campo missionário. No mesmo dia, pessoas que tinham trazido seus dízimos, foram instruídas a ajoelhar junto ao púlpito. Os líderes mandaram que levantassem seus envelopes aos céus para que, orando o profeta, seus dízimos retornassem-lhes a cem por um.

A Bíblia não encoraja este tipo de ritual. É fácil cair na idolatria, quando este tipo de prática se torna normal.

O verdadeiro problema está na concepção de fé. Para o movimento da Prosperidade, fé é otimismo e idealismo. Ter fé acaba sendo ter pensamento positivo e pensamento positivo é antes de tudo crer em si mesmo. Isso vai impregnando o inconsciente com um desejo, até o ponto que se torna uma energia espiritual. Em seu livro O Poder do Pensamento Positivo, (Ed. Cutrix, 2006), Norman Vincent Peale afirma: “Comece lendo o Novo Testamento… Selecione uma dúzia de declarações sobre fé… Depois memorize cada uma. Deixe que estes conceitos de fé entrem no seu consciente. Repita-os diversas vezes…, até que entrem em sua mente… no seu subconsciente… Este processo o transformará em uma pessoa que crê”.  De acordo com Peale, fé é um tipo de “técnica de poder espiritual” que consiste em “fé, crer, pensamento positivo, fé em Deus, fé nos outros, fé em si mesmo, fé na vida”. Portanto, ele agrupa tudo em, fé em Deus e autoconfiança, sem fazer qualquer diferenciação. Então, você tem que acreditar em você mesmo para ser bem sucedido na vida. O problema com este tipo de fé é que não tem nada da fé bíblica. A fé bíblica não é otimismo ilusório nem credulidade ou resignação.  A fé bíblica implica em um objeto, fé em alguém, e este alguém é Deus. A fé bíblica é confiança em Deus e dependência de Deus. Ela está baseada nos atributos de Deus, principalmente na sua fidelidade. Deus é um ser pessoal e isso significa que além de ser, ele tem intenções e vontade. Ele quer entrar num relacionamento com suas criaturas e Ele age de acordo com este princípio de relacionamento, não de acordo com o princípio de uma força universal a ser colocada em prática. Deus não é nosso escravo, mas nosso Soberano, nosso Senhor e ele não tem que nos obedecer, mesmo que tenhamos todas as fórmulas corretas. São os humanos que têm de estar sujeitos a Deus, não o contrário. Deus concede o que quiser, a quem ele quiser, quando ele quiser. Ninguém pode impor qualquer coisa a ele. Portanto, confissão positiva pode ser vista como humanos manipulando outros humanos e Deus. Não conseguimos manipular Deus. “O nosso Deus está nos céus, e pode fazer tudo o que lhe agrada” (Sl 115.3). “[Deus] faz todas as coisas segundo o propósito da sua vontade” (Ef 1.11). Deus não permite ser manipulado, nem mesmo pela fórmula “em nome de Jesus”. Será que nesta doutrina não existe a questão de tomar o nome de Deus em vão? Será que não é a isso que se refere o terceiro mandamento? Evitar exatamente este tipo de abuso do nome de Deus (Ex 20.7, Lv 19.12, Dt 5.11)? A prática de proclamação do nome de Jesus é como mágica e adivinhação através do que eles controlam as pessoas. O nome de Jesus não é uma fórmula mágica. O seu uso só tem sentido em uma vida de relacionamento com ele e na dependência dele. Foi para seus discípulos que Jesus disse : “E eu farei o que vocês pedirem em meu nome” (João 14.13). Jesus fez esta promessa no contexto de um relacionamento com Seus discípulos. Da mesma forma, é por causa do seu relacionamento com seu Pai, que Jesus pode reivindicar que o Pai sempre o atenda. Devemos observar também que, apesar do seu relacionamento especial com o Pai, Jesus nunca se mostra pretensioso em suas orações. Ele afirma : “Contudo não seja feita a minha vontade, mas a tua”. Pensamento positivo não tem nada a ver com este princípio de humildade que encontramos nas Escrituras. Pensamento positivo desenvolve orgulho espiritual no coração dos seus adeptos e, geralmente, uma arrogância que vai de encontro com os princípios de vida de um servo de Deus.  Precisamos nos lembra de que Deus promete suprir nossas necessidades e não satisfazer todos os nosso desejos. Necessidades é o essencial de que precisamos para nossa vida e ministério.  Desejos ou vontades geralmente são como bordado na roupa, que nem sempre é necessário. Frequentemente confundimos necessidades com desejos. Em certos casos, nossas vontades estão bem longe das nossas necessidades. Para nossa própria segurança ou para nos ensinar algo, Deus pode recusar dar-nos o que queremos Se eu quiser que um avião Concorde aterrize em uma vila, por mais que eu pense positivamente, acho que Deus não vai me atender nisso.

E Deus também não atende a pedidos que sejam contrários à sua Palavra. Por isso, precisamos atentar cuidadosamente para cada um dos nossos pedidos antes de apresentá-los a Deus. Às vezes cometemos erros e este escrutínio nos mostrará nossos erros. Entramos em oração e buscamos a Deus a respeito de alguma situação e, influenciados pelo pensamento positivo, acabamos tirando conclusões erradas e que podem ser perigosas, caso Deus não responda conforme nossas perspectivas. Isso pode nos levar à depressão e até a sérias dúvidas a respeito do nosso relacionamento com Deus. A maioria das pessoas que tem seguido estas doutrinas passou por experiências dolorosas. Muitos ficaram deprimidos, alguns se tornaram psicóticos, outros questionaram sua fé e começaram a procurar e às vezes até inventar um pecado em suas vidas que explicasse sua oração não respondida.

 

E o que dizer sobre o conceito bíblico de graça? A teologia do pensamento positivo parece sugerir que tudo deve vir até nós pela fé. Levado a extremos, isto sugere que pela fé, as pessoas podem contrariar as leis espirituais universais e o mundo ao nosso redor. Assim, alguém, mesmo um incrédulo, pode simplesmente aplicar estas “leis espirituais” para obter tudo o que quiser. Parece-me que esta noção ignora a graça. A graça está no coração da aliança de Deus com os humanos. Sem a graça, não existe salvação. Tudo o que recebemos de Deus, até a nossa fé, vem da graça de Deus e ela é a expressão desta graça. A condição necessária para Deus agir em nossas vidas não é fé, mas graça.  Foi quando ainda éramos pecadores que Cristo agiu em nossas vidas pelo seu Espírito Santo. Foi o Espírito Santo que nos tocou e produziu fé em Jesus Cristo dentro de nós. Portanto, a fé vem da graça de Deus. Fé é o meio pelo qual o crente responde a Deus em obediência. Os cristãos que reconhecem a importância e a extensão da graça vivem em um relacionamento de total dependência da vontade de Deus.  Eles não superestimam o seu próprio poder. Essas pessoas reconhecem que tudo o que pedem a Deus só será recebido através da misericórdia e da graça de Deus. Portanto, outro perigo da doutrina da confissão positiva é que ela não reconhece a graça. Ela apresenta os humanos como tendo todo o poder para fazer coisas. Deixando de lado a importância da graça na vida cristã, o pensamento positivo introduz a idéia de uma deificação da humanidade, o que é contrário ao ensinamento bíblico.

Os seres humanos continuam seres criados por Deus e incapazes de criar do nada. McConnell está correto ao denunciar o movimento da Prosperidade como seres criados que se exaltam no lugar de Deus o criador.  O conceito de “fé criativa” denigre a Trindade. De que forma? Sabemos que somente Deus é criador e esta prerrogativa é confirmada na Trindade: o papel exclusivo do Deus Pai como a fonte da criação (Gn 1:1; Ne 9:5, 6; Sl 90:2; Is 44.24; Jr 32:17); o papel exclusivo do Filho como o agente da criação (Gn 1:3; Cl 1:16; Hb 1:2); e o papel exclusivo do Espírito Santo executando a criação (Gn 1:2; Jó 26:13; 33:4; Sl 104:30; Is 40:12).

Os humanos produzem, inventam e fazem coisas usando o que Deus já criou. A criação ex nihilo (nada vem do nada) é prerrogativa exclusiva de Deus. Dizer que os humanos podem criar usando “fé criativa” denigre a Trindade.

A doutrina da cura divina

A Bíblia tem muitos exemplos de curas. Algumas delas foram operadas por Jesus e outras, pelos discípulos durante o período apostólico.  Deus ainda opera curas hoje. Portanto, a cura divina é uma realidade moderna. Deus continua a manifestar sua graça e seu poder a homens e mulheres, operando curas espetaculares e outras não tão espetaculares, aqui e ali.

Entretanto, como podemos seguir a teologia da prosperidade que ensina que todos podem ser curados se usarem sua fé? Este movimento afirma que Jesus, com suas feridas, levou todas as nossas doenças sobre si (Is 53). Alguns adeptos rejeitam qualquer prática médica.  A medicina é considerada satânica, as doenças vêm do diabo, e portanto, é espiritual e não física. Usar a medicina é seguir o diabo.

Pensar que Deus tem que curar todas as doenças é simplesmente negação da realidade. Mesmo quando o salmista afirma que “ele cura todas as nossas doenças” (Sl 103.3), ele não diz que Deus deve curar todas as nossas doenças. Na verdade, no início do mesmo versículo ele afirma “Ele perdoa todos os seus pecados”. Neste versículo, o salmista está encorajando todo o seu ser a louvar ao Senhor por sua bondade, e por isso, ele lista tudo o que o Senhor tinha feito em sua vida. Na realidade do mundo, é impossível não ver cristãos fervorosos, cheios de fé e frutíferos no Espírito, que sofrem muito por causa da sua saúde. Eles morrem, deixando para trás famílias, ministérios, irmãos e irmãs na fé. Este ensinamento também nega o conteúdo da Bíblia, porque vemos vários exemplos de fiéis que ficaram doentes e nunca foram curados. O próprio Paulo tinha o seu “espinho na carne”.  Ele orou pedindo cura, mas Deus lhe disse: “Minha graça é suficiente para você” (2 Co 12:7-9). Timóteo frequentemente, tinha problemas de saúde para os quais Paulo o aconselhou que tomasse um pouco de vinho (1 Tm 5:23). Paulo deixou Trófimo doente em Mileto (2 Tm 4.20). Epafrodito teve uma doença que quase o matou (Fp 2:27). Todos estes eram homens de fé. Paulo não tinha dúvida a respeito da fé deles e fazia boa recomendação deles para os líderes da igreja. Independente disto, a doença abateu e arruinou suas vidas. Às vezes os crentes têm que viver com suas doenças, como foi com Timóteo.  Certamente Paulo orou por eles, mas eles não foram curados. Paulo deu remédio para Timóteo, vinho, conhecido por ser bom para digestão. Neste caso, Paulo não usou o seu dom de cura, mas deu um conselho médico. Seria inusitado achar que o problema de Timóteo tivesse sido causado por pecado em sua vida. Paulo não teria escolhido Timóteo para liderar a igreja se fosse este o caso. Ele era jovem, mas apesar da sua juventude, Paulo lhe deu responsabilidades, certamente devido às inquestionáveis qualidades da sua vida espiritual.

A enfermidade é uma das marcas que os cristãos continuarão a carregar em seus corpos. Ao negar a doença, o movimento da Prosperidade rejeita a importante dimensão escatológica da cura. Isaías 53:4-5 afirma claramente que “ele levou sobre si as nossas doenças”, entretanto, não devemos nos esquecer que a nossa salvação em Jesus Cristo “já é, mais ainda não é”.  Somos salvos e nossas vidas estão escondidas com Cristo em Deus, mas ainda vivemos em um mundo caído e ainda carregamos em nós as consequências da Queda. Nossos corpos ainda não são glorificados. Somos salvos para viver sem pecado, mas ainda pecamos, confessamos nossos pecados e recebemos perdão diariamente.

Dependendo da nossa perspectiva, podemos todos afirmar que passamos por enfermidade. O cansaço é uma forma de enfermidade que é tratada com o sono. A fatiga pode levar à morte. E sabemos que mesmo os professores do movimento da Prosperidade ficam exaustos depois de um dia pesado de “guerra espiritual”.  Será que isto é porque eles pecaram? Outra doença comum a todos é o envelhecimento. Todos os seres humanos passam pela experiência do envelhecimento. Nossas células se desgastam, encolhem, perdem sua energia e morrem. Os cristãos também são afetados pelo processo de envelhecimento. Entretanto, o Novo Testamento proclama que morremos com Cristo e somos ressurretos com ele. Então, o fato de continuarmos a viver com fatiga e envelhecendo prova que nossos corpos são corruptíveis?

Somos curados, mas ainda não. Toda a criação está nesta realidade paradoxa de “já, mas ainda não”. “A natureza criada aguarda, com grande expectativa, que os filhos de Deus sejam revelados (…) mas nós mesmos, que temos os primeiros frutos do Espírito, gememos interiormente, esperando ansiosamente nossa adoção de filhos, a redenção do nosso corpo” (Romanos 8:19-24).

Somos salvos na esperança e aguardamos pela maravilhosa manifestação da nossa salvação quando o autor da nossa cura retornar.  As curas operadas por Jesus e seus discípulos, e aquelas que acontecem hoje, são as primícias da cura universal que acontecerá em todos os crentes em Jesus nos últimos dias.  Nós realmente vivemos no Reino de Deus, mas o reino “já chegou, mas ainda não”.

A doutrina do conhecimento revelado

A doutrina do conhecimento revelado tem diferenciações dentro do movimento. Alguns professores condenam os excessos e extremos que querem estabelecer “revelação” acima das Escrituras. Em princípio, os representantes do movimento da Prosperidade ensinam que conhecimento por revelação é dado como fruto de estudo pessoal das Escrituras (Hagin e Copeland). Eles admitem que as Escrituras são a fonte de revelação, mas na verdade, os fatos são bem diferentes. Revelação direta e pessoal está no mesmo patamar que as Escrituras.

Será que revelação pessoal, mesmo que venha do Espírito Santo, pode estar no mesmo patamar que as Escrituras? Os professores da Prosperidade diferenciam “conhecimento revelado” de “conhecimento dos sentidos” (Kenyon). “Conhecimento dos sentidos” é inferior, segundo eles. É limitado. Não possibilita conhecer a Deus. Por isso, precisamos ir além e buscar o “conhecimento revelado”, o qual é capaz de “satisfazer a fome que o homem tem de Deus”. Somente ele nos permite obter a “realidade” espiritual. Este “conhecimento revelado” é sobrenatural. Ele permite às pessoas irem além dos limites dos seus sentidos. Ele se eleva acima dos nossos sentidos para que produza nossa união com o ilimitado. Os seres humanos devem dominar totalmente o seu meio físico, por isso os crentes devem aprender a negar os seus sentidos físicos e elevar-se acima deles para que andem em contínua revelação. É esta transcendência que nos permite alcançar o conhecimento perfeito de Deus nesta vida. De acordo com este ensino, o perfeito conhecimento de Deus é possível agora, com tanto que as pessoas alcancem o “conhecimento revelado”. Os espíritos das pessoas devem se abrir para este “conhecimento revelado”.

Esta doutrina leva à classificação dos cristãos a uma hierarquia. É fácil distinguir entre “supercristãos”, aqueles que receberam conhecimento revelado e os outros, que são considerados menos espirituais. Na prática, esta classificação é frequentemente vista em assembléias que ensinam esta teologia. Às vezes, os superespirituais são chamados de apóstolos e são venerados e até deificados. Eles são vistos como “deuses-homens” que estão se tornando deuses através do seu conhecimento e outros cristãos são vistos como se estivessem ficando iguais a eles.

Conclusão

Eu tentei abordar algumas das questões teológicas que precisam ser levantadas quando falamos sobre o movimento da Prosperidade, para que não sejamos tentados a ignorar essas coisas. Espero que estes pensamentos sirvam de inspiração para outros mais profundos sobre este assunto, o qual permanece como uma das questões teológicas mais importantes do nosso tempo. Entretanto, somos convidados a permanecer humildes em nossas reflexões, uma vez que dentro das igrejas que ensinam esta teologia, há pessoas que conhecem o Senhor, que o amam e o servem de todo o coração.

Curta Bibliografia

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