Global Analysis

Diretrizes para o uso da IA no engajamento bíblico

Marcus Schwarting out 2025

Introdução

O mercado oferece aos cristãos muitas ferramentas de IA para estudo da Bíblia e crescimento espiritual. Segundo essas ferramentas, os usuários podem “criar planos de estudo personalizados adaptados às necessidades individuais”,1 “interagir com um simpático professor de teologia criado por IA”2 ou até mesmo “conduzir pesquisas avançadas sobre temas bíblicos complexos”.3 Qual deve ser a visão dos cristãos sobre essas ferramentas de IA voltadas para o engajamento bíblico? Neste artigo, dividimos essas ferramentas em três categorias. Analisamos as desvantagens do seu uso para o crescimento espiritual e oferecemos recomendações aos fiéis e líderes religiosos que as utilizam.

Categorias de ferramentas de IA

Ferramentas de recuperação de informações

A partir de um comando ou input do usuário, as ferramentas de recuperação de informações retornam resultados de pesquisa extraídos de um banco de dados com curadoria.4 Por exemplo, um usuário que deseja se aprofundar no tema do sacrifício no Antigo Testamento pode usar uma ferramenta de IA para encontrar rapidamente histórias como a de Abraão e o sacrifício de Isaque (Gn 22) e o sacrifício de Elias no Monte Carmelo (1Rs 18). O Cross Reference Explorer, da VerseOnix, por exemplo, permite ao usuário “pesquisar qualquer palavra, tema ou história para explorar suas conexões em todo o texto bíblico”.5 O banco de dados com curadoria pode incluir versículos ou passagens inteiras da Bíblia, mas também incorporar outros recursos que vão desde textos patrísticos até transcrições de sermões recentes. A recuperação de informações geralmente está vinculada a um texto gerado por modelo de linguagem de grande porte (LLM) – processo conhecido como geração aumentada com recuperação (ou RAG)6  no qual a passagem original é apresentada com uma explicação adicional.

Ferramentas textuais pré-geradas

As ferramentas textuais pré-geradas, como o AI-Assisted Bible Study (Estudo Bíblico Assistido por IA) da Open Bible7, baseiam-se em um banco de dados de conteúdo previamente gerado por meio de um modelo de linguagem de grande porte (LLM). Com base em uma consulta do usuário, um subconjunto de conteúdo relevante é gerado. Por exemplo, para uma passagem específica das Escrituras, o texto gerado pelo LLM pode incluir um resumo, perguntas para discussão, comentários ou interpretações. O benefício dessa abordagem é que nenhuma ferramenta de IA precisa ser acionada para cada busca do usuário, e os desenvolvedores podem ajustar e aprimorar manualmente o conteúdo ao longo do tempo.

Chatbots conversacionais

Os chatbots conversacionais são, de longe, a ferramenta mais comum, em que o usuário dialoga com um LLM (modelo de linguagem de grande porte). Os desenvolvedores promovem esses LLMs como sendo “mais cristãos” do que seus equivalentes “seculares”, como o ChatGPT ou o Claude. Deixando de lado a verificação quantitativa dessas alegações,8 existem diversas abordagens que os desenvolvedores podem usar para personalizar LLMs com base em conteúdos como versículos bíblicos ou outros recursos cristãos. Esses chatbots personalizados têm baixo custo e são e fáceis de criar, exigindo pouca ou nenhuma experiência em programação. A interação com esses modelos, contudo, levanta outras questões, tanto técnicas quanto teológicas. but could also incorporate other resources ranging from patristic texts to recent sermon transcripts. Retrieval is often coupled with large language model (LLM) generated text (known as retrieval-augmented generation, or RAG), where the original passage is returned alongside some additional explanation.

Possíveis benefícios, limitações e recomendações

Enriquecimento do estudo bíblico

Se usados em conjunto com outras fontes confiáveis, os LLMs habilitados para RAG têm o potencial de apresentar aos usuários uma variedade de materiais com os quais eles talvez não interagissem de outra forma. Esses materiais podem permitir que um cristão aprofunde seu entendimento explorando perspectivas distintas da sua própria perspectiva. Por exemplo, um cristão de uma denominação carismática pode se inspirar na mística católica inglesa Margery Kempe. Cristãos católicos ou protestantes poderiam ser apresentados a acadêmicos da Ortodoxia Oriental, como Kallistos Ware ou Alexander Schmemann. Por fim, a inclusão de fontes seculares em um corpus RAG pode levar a compreender melhor por que a perspectiva cristã é tão singular.

Se usados em conjunto com outras fontes confiáveis, os LLMs habilitados para RAG têm o potencial de permitir que um cristão aprofunde seu entendimento explorando perspectivas distintas da sua própria perspectiva.

Limite do ciclo hermenêutico

Existem algumas desvantagens evidentes no uso de um modelo de IA para o engajamento bíblico ou o crescimento espiritual. Apoiar-se excessivamente em um modelo de IA para obter percepções profundas pode limitar o crescimento genuíno. Santo Agostinho escreveu sobre um ciclo hermenêutico que gera entendimento ao oscilar entre fé e razão, texto e contexto, compreensão inicial e nova percepção.9 Na hermenêutica moderna, essas ideias se refletem na linguagem da “espiral hermenêutica”10 e da “fusão de horizontes”.11 Confiar em um LLM para obter clichês pré-determinados pode romper esse ciclo de desenvolvimento. Cada cristão é chamado a se apresentar a Deus “como obreiro que não tem do que se envergonhar, que maneja corretamente a palavra da verdade” (2Tm 2.15). Visto que uma ferramenta de IA é incapaz de “manejar” a palavra da verdade, não é um ser amado por Deus nem foi criada à imagem de Deus, talvez não seja sensato incorporar LLMs em nosso engajamento bíblico.

Viés cultural

Os problemas comuns que ocorrem na interação com um LLM se agravam quando a ferramenta é usada para o engajamento bíblico. As informações fabricadas ou a “confabulação” são uma preocupação constante e podem levar a entendimentos equivocados, até mesmo heresia. Vieses entre dimensões culturais, sociais e doutrinárias são difíceis de avaliar e podem reforçar as tendências já existentes de cada pessoa. Por serem treinados com material apropriado indevidamente do estudo acadêmico cristão ocidental, a maioria dos LLMs privilegia certas interpretações culturalmente condicionadas em detrimento de outras.

Vieses entre dimensões culturais, sociais e doutrinárias são difíceis de avaliar e podem reforçar as tendências já existentes de cada pessoa.

Antropomorfismo

A antropomorfização de chatbots é uma preocupação crescente,12 pois, no contexto da formação espiritual, pode levar alguns usuários a ver o LLM como um companheiro ou guia espiritual, em vez de reconhecê-lo como a poderosa, porém falível, ferramenta que realmente é. Qualquer um desses problemas isoladamente já deveria inspirar cautela quanto ao uso de um LLM para a formação espiritual. Considerados em conjunto, é questionável o papel dos LLMs no engajamento bíblico.

Discernimento Humano

Um argumento comum em favor do uso dessas ferramentas é a falibilidade dos seres humanos: se uma IA pode superar a média das pessoas na explicação de uma passagem das Escrituras, vale a pena disponibilizá-la aos usuários. No entanto, como observa Luke Plant, um LLM que realiza exegese, oferece direção espiritual ou evangeliza pessoas não está competindo com o ser humano comum, mas com os melhores recursos facilmente acessíveis na internet.13 Dando um passo além, um LLM jamais deveria se equiparar à supervisão pastoral e ao envolvimento comunitário dos quais um cristão em processo de amadurecimento já deveria estar participando. A pesquisa bíblica, a interpretação, o ensino e o aprendizado são tarefas do corpo de Cristo – e uma máquina não pode realizá-las de forma responsável.  Deus está presente “onde se reunirem dois ou três em meu nome” (Mt 18.20), e os resultados de um LLM não substituem a comunhão e o estudo cristãos.

A pesquisa bíblica, a interpretação, o ensino e o aprendizado são tarefas do corpo de Cristo – e uma máquina não pode realizá-las de forma responsável.

Conclusão

Deve ficar claro para os líderes da igreja que se deparam com essas ferramentas que não é confiável o uso isolado de um LLM para interpretar as Escrituras, promover o engajamento bíblico ou evangelizar povos não alcançados. Essas tarefas foram confiadas a nós, a igreja, o corpo de Cristo. Elas são importantes demais para serem delegadas a uma máquina e ricas demais em propósito vivo para serem entregues a um mecanismo sem vida e sem direção. A teóloga Judith Wolfe escreveu: “Quando construímos teologicamente, não estamos erguendo torres; estamos construindo barcos. E confiamos no mar”.14 Quem se atreveria a navegar numa frágil embarcação sem leme, cheia de buracos?

Notas finais

  1. “BibleAI: Discover the Most Advanced Bible Search Engine”. bibleai.com. Accessed 9 August, 2025.
  2. “SharetheBible.ai: Discover Timeless Biblical Insights with Artificial Intelligence and Share the Bible Confidently”.sharethebible.ai. Accessed 9 August, 2025.
  3. “ScriptureArk: Advanced Bible Research and Study Tool.” criptureark.com. Accessed 9 August, 2025.
  4. Graber, Adam. “Robot ‘Church Fathers’ Might Curate New Cannons”. Christianity Today, 2023.
  5.  “VerseOnix: Discover Scripture Through AI-Assisted Study”. verseonix.com. Accessed 9 August, 2025.
  6. Lewis, Patrick, et al. “Retrieval-augmented generation for knowledge-intensive nlp tasks.” Advances in neural information processing systems 33 (2020): 9459-9474.
  7. “AI-Assisted Bible Study”. openbible.info/labs/ai-bible-study. Accessed 9 August, 2025.
  8. Schwarting, Marcus. “To Christians Developing LLM Applications: A Warning, and Some Suggestions”. AI and Faith, 2023.
  9. Saint Augustine. “The Confessions of S. Augustine”. Vol. 1. (JH Parker:1838).
  10. Osborne, Grant R. “The hermeneutical spiral: A comprehensive introduction to biblical interpretation.” InterVarsity Press, 2010.
  11. Gadamer, Hans-Georg. “Truth and method”. A&C Black, 2013.
  12. Reinecke, Madeline, et al. “The Double-Edged Sword of Anthropomorphism in LLMs”. MDPI Proceedings, 2025.
  13. Plant, Luke. “Should we use AI and LLMs for Christian Apologetics?”. 2024.14. Judith Wolf, The Theological Imagination: Perception and Interpretation in Life, Art, and Faith. (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2024) 26.
  14. Judith Wolf, The Theological Imagination: Perception and Interpretation in Life, Art, and Faith. (Cambridge, UK: Cambridge University Press, 2024) 26.