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O Sahel: O que o futuro lhe reserva?

Patrick Johnstone 21 mar 2023

Uma análise mais detalhada de uma das regiões mais desafiadoras para a obra missionária global hoje.

A África faz parte da minha vida. Foi minha esfera de ministério durante 16 anos. Na África meu ministério se desenvolveu, e ali escrevi Ore pelas Nações [Operation World, título original em inglês]. Foi na África onde conheci minha esposa; é o continente onde nasceram meus três filhos. Carrego as cicatrizes físicas das enfermidades que contraí na África — malária, hepatite e câncer de pele —, mas também a alegria de ver o fruto espiritual em africanos cujas vidas foram vidas transformadas e hoje servem como missionários e líderes cristãos.

Em 2050, a África será o único continente jovem. Será que, na segunda metade do século, a África se tornará o centro gravitacional cristão global?

Em 2050, a África será o único continente jovem. As outras regiões do mundo, em sua maioria, estarão lidando com o envelhecimento e o declínio populacional. Será que, na segunda metade do século, a África se tornará o centro gravitacional cristão global e berço de líderes, teólogos e missionários cristãos? Seria possível que, em 2050, por exemplo, a Comunhão Anglicana seja 87% africana e a teologia predominantemente evangélica – e de que forma isso impactará a corrente do cristianismo? Meu desejo é ver a crescente igreja na África levantar-se para completar o trabalho de evangelização mundial, sendo que a região do Sahel representa uma das mais árduas tarefas. Para que esse desejo se torne uma realidade e conte com o dinamismo e disponha dos recursos necessários para alcançá-lo, os cristãos africanos precisarão superar os muitos obstáculos da difícil geografia do continente, da pluralidade de etnias, das fronteiras impostas colonialmente e da corrupção endêmica generalizada.

Meu objetivo aqui é apresentar três artigos que trazem uma visão geral da região do Sahel, uma das áreas mais desafiadoras e espiritualmente carentes da África. Neste primeiro artigo, destacarei alguns dos principais desafios no Sahel hoje e a forma como esses desafios impactam a sociedade e o ministério cristão. No segundo artigo me concentrarei na tarefa inacabada da evangelização do Sahel. Também quero mostrar o que traz alguma esperança em um ambiente muito complexo, radicalmente alterado pela pandemia global e pela assoladora guerra na Ucrânia. No artigo final, meu foco será um grupo importante de povos: a etnia Fula ou Fulani e as nações da Nigéria e do Chade.

O Sahel: Desafios demográficos

Este mapa mostra a localização do Sahel e aponta os desafios demográficos da região.

Geografia

A África Subsaariana está isolada do restante do mundo em consequência de sua geografia – a assombrosa vastidão do deserto do Saara – seus poucos rios navegáveis e suas múltiplas doenças endêmicas. Foram os insetos da África que impediram os exércitos muçulmanos de conquistar as áreas florestais. A mosca tsé-tsé matava os cavalos dos exércitos invasores, e isso permitiu que esses povos posteriormente ouvissem o evangelho e se tornassem cristãos, e o mosquito causador da malária impediu as complicações adicionais do assentamento europeu na região. É incrível pensar que foi somente nos últimos duzentos anos que mapeamos as fontes e a geografia do Níger, do Nilo e do Zambeze. Os mercadores do deserto da África pré-colonial estabeleceram impérios fabulosamente ricos, controlando as rotas comerciais que, sobre camelos, transportavam para o Mediterrâneo riquezas como ouro, animais e escravos. Tudo isso desapareceu com a ascensão das potências coloniais europeias e suas rotas marítimas que vieram substituir essas rotas comerciais e, nesse processo, geraram um mosaico de colônias africanas portuguesas, francesas, portuguesas, britânicas, italianas e espanholas que se estendiam da costa ao interior sem levar em consideração as estruturas sociais e políticas pré-existentes. Hoje convivemos com as anomalias dessa “Partilha da África”: fronteiras políticas duvidosas, confusão de idiomas e linhas de comunicação inadequadas.

Dos 20 países do mundo com maior crescimento populacional, 19 estão na África e 14 no próprio Sahel.

Mudanças climáticas

Os cientistas preveem que as áreas do mundo mais afetadas pelo aumento das temperaturas serão as regiões polares e o cinturão do Saara que cruza a África. O deserto do Saara está se expandindo para o sul e esse é um dos fatores por trás do movimento dos grupos de pastores nômades ou seminômades que se deslocam para o sul com o intuito de invadir e tomar o lugar dos agricultores – especialmente no Mali, Burkina, Nigéria e Sudão.

Crescimento populacional.

Durante o século 21, a maioria das regiões do mundo verá declínios populacionais e até implosões demográficas insustentáveis. Muitos países africanos, por sua vez, observarão elevados crescimentos populacionais igualmente pouco sustentáveis. Em 2050, a população da África será de 1,4 bilhão, sendo que duas em cada cinco crianças no mundo serão africanas. Dos 20 países do mundo com maior crescimento populacional, 19 estão na África e 14 no próprio Sahel. O Níger tem uma taxa de natalidade maior do que qualquer outra nação. Isso é insustentável e uma severa carência de alimento nos próximos anos é uma grande probabilidade.

A crise de hoje é a “tempestade perfeita”

Essa tempestade é resultado do impacto combinado das mudanças climáticas e da desertificação, do conflito entre pastores e agricultores, do maior alcance das forças jihadistas islâmicas, da pandemia da COVID-19 e da invasão russa da Ucrânia, tudo isso em um continente repleto de regimes corruptos e incompetentes. As consequências dessa “tempestade perfeita” têm sido devastadoras. A triste realidade é que muitos missionários, representantes de agências humanitárias e jornalistas têm sido forçados a se retirar, e poucos estão disponíveis para tornar públicas as profundas necessidades da região. Grande parte dos programas de ajuda e financiamento foi suspensa. São poucos os que relatam o que se passa ali. O mundo está preocupado com a guerra visível na Ucrânia e os terremotos devastadores na Turquia e na Síria, enquanto a terrível situação do Sahel passa despercebida.

Guerra

Em meu livro, O futuro da igreja global, quando falo sobre o futuro do Islã, mostro através de um mapa os possíveis desdobramentos no mundo muçulmano nas quatro décadas seguintes. O mapa mostra as projeções para 2050 das populações muçulmanas em todos os países, e destaca a principal divisão dentro do islamismo que há um milênio e meio provoca turbulência. O ódio entre muçulmanos sunitas e xiitas está ativo hoje e se manifesta na trajetória das guerras amargas entre o Iêmen e o Paquistão, afetando todas as nações intermediárias – especialmente a área do Golfo, Israel, Líbano, Síria, Iraque, Irã e Afeganistão. Também destaquei as áreas do mundo muçulmano com probabilidade de guerra: era provável que quase todos os países do Oriente Médio sofressem com guerras e convulsões sociais. No entanto, o impacto do islamismo jihadista na África foi subestimado.

Infelizmente, o impacto do ataque terrorista do “11 de setembro” no Ocidente provocou uma série de intervenções militares de combate ao islamismo jihadista e aos regimes ditatoriais que supostamente encontravam apoio na Somália, Líbano, Afeganistão, Iraque e Líbia. Tudo isso resultou no fracasso em viabilizar uma solução política democrática estável em uma situação caótica, agravada pela retirada das forças militares. No caso do Sahel, o bombardeio da Líbia e a queda do ditador Kadhafi resultaram em 12 anos de guerra civil. Grandes quantidades de armas foram então exportadas para nações vizinhas, provendo os meios para que grupos jihadistas explorassem seus ressentimentos contra governos corruptos ou incompetentes e estendessem o controle islâmico por todo o Saara e o Sahel. As subsequentes guerras civis e as políticas armamentistas possibilitaram rebeliões armadas e guerras jihadistas ao longo da zona de conflito da África, que se estende do Atlântico ao mar Vermelho e ao longo da costa leste africana até o norte de Moçambique – daí a inclusão do Congo, Somália e Moçambique.

Este mapa mostra os países afetados pela guerra nos períodos marcados pela COVID-19 e pós-COVID. As intervenções militares da ONU, da França, dos Estados Unidos e da Grã-Bretanha foram ineficazes e muitas vezes contribuíram para agravar o problema, especialmente após o envolvimento dos violentos mercenários russos do Wagner Group. A legenda indica a natureza predominante do conflito — domínio islâmico, uso da terra ou etnia — embora haja elementos de todos os três em cada um deles. Os pastores são predominantemente muçulmanos. Na porção ocidental do Sahel, eles são, em grande parte, do grupo de povos Fulbe (também conhecido como Fula, Peul ou Fulani), e na porção oriental, árabes/beduínos, em sua maioria. As elites governantes e militares tendem a ser formadas por grupos étnicos agrícolas e muitas vezes negligenciam as ressentidas comunidades de pastores. Cerca de seis países são efetivamente “estados falidos” na região, e outros estão à beira do desastre.

O mundo está preocupado com a guerra visível na Ucrânia e os terremotos devastadores na Turquia e na Síria, enquanto a terrível situação do Sahel passa despercebida.

Quatro países, Líbia, Etiópia/Tigré, Sudão do Sul (Dinka/Nuer) e a República Centro-Africana travam guerras civis violentas que são, principalmente, lutas de caráter étnico ou de busca por poder político. A República Democrática do Congo, embora mais distante da região do Sahel, decaiu para uma condição de anarquia, com várias ações ditatoriais de cunho étnico e religioso, financiados pela mineração ilegal, aterrorizando diferentes regiões e provocando a morte de cerca de seis milhões de pessoas e o deslocamento interno de cinco milhões de refugiados, bem como o afluxo de outros refugiados vindos de nações vizinhas, incluídos aqui. Incluí também as insurgências jihadistas que afetam a Somália e o noroeste de Moçambique, mas que também estão fora da área do Sahel.

Meu último ministério na África foi em fevereiro de 2020, quando a COVID-19 se espalhava pelo mundo. Eu havia sido convidado, ao lado de David Garrison, dos EUA, para falar como preletor principal a todos os participantes da Conferência da Iniciativa do Sahel em Ouagadougou, Burkina Faso. Apresentei uma visão geral dos desafios, e David, ao falar dos avanços do evangelho, nos trouxe motivos para ter esperança. Essa conferência reuniu líderes da igreja e missionários com um ministério de envolvimento no Sahel. Foi significativo que a maioria dos presentes fossem de origem africana. Os funcionários da fronteira já estavam usando máscaras. A segurança da conferência era uma grande preocupação. O norte e o centro de Burkina Faso estavam sendo devastados por insurgências islâmicas, e havia centenas de milhares de refugiados nas ruas da capital onde estávamos nos reunindo.

Refugiados

A violência crescente no norte e no centro de Burkina Faso provocou a fuga ou a morte de centenas milhares – muitas vezes à vista de todos nas ruas da capital durante nossa estada. Fomos obrigados a ter segurança armada durante a conferência. Estávamos, portanto, bem cientes da grave situação no Sahel e nos 11 estados onde os jihadistas travavam, abertamente, uma guerra contra os governantes. Todas as nações que fazem fronteira com essas terras têm extrema dificuldade para lidar com os 30 milhões de refugiados na África.[1] Estes são, em sua maioria, pessoas que estão se deslocando internamente ou em fuga para países vizinhos. Alguns fugiram para a Europa ou estão presos ao longo do caminho na caótica Líbia, mas esses são os que tinham condições financeiras para pagar as gangues de contrabando de pessoas, evitar a escravidão na Líbia e cruzar o Mediterrâneo. É inevitável que muitos outros refugiados tentem fugir para a Europa nas próximas décadas.

Perseguição aos cristãos

A perseguição aos cristãos foi generalizada no norte de Burkina Faso: muitas pequenas igrejas foram destruídas e crentes foram assassinados e dispersos. O impacto dos islâmicos do Boko Haram na Nigéria e no Chade é terrível. A migração predatória de jihadistas muçulmanos para terras cultivadas por tribos não muçulmanas acabou se tornando uma limpeza étnica. Está devastando áreas fortemente cristãs no centro e norte da Nigéria: muitos estão sendo mortos, sequestrados ou expulsos de suas casas tornando-se refugiados. Os governos da região às vezes são cúmplices do processo e tão corruptos que os militares, desmoralizados e sem recursos, não conseguem proteger as vítimas ou lidar efetivamente com as insurgências. A igreja, contudo, sobrevive e há sinais de esperança. O jihadismo provou ser um dos meios mais poderosos para que os corações se abram e considerem uma alternativa ao islamismo. Este é o tema do meu próximo artigo.

Carência de ajuda assistencial

Quem pode ir e discipular esses povos?

As estruturas e o subsídio de fontes seculares, de cristãos e da ONU, foram severamente restringidos no Sahel por causa da enorme convulsão da catástrofe da COVID-19. Muitos países ricos acumularam enormes dívidas nacionais para sobreviver à pandemia e reduziram os programas de ajuda. A guerra na Ucrânia e os recentes terremotos na Turquia e na Síria acabaram redirecionando grandes volumes de dinheiro para socorrer essas regiões sitiadas, cortando, em grande parte, a principal fonte de grãos e fertilizantes importados para a África. Muitos expatriados que já serviram nos países do Sahel foram obrigados a retirar-se dali por causa dos perigos associados, portanto há poucos que podem, de forma apropriada, oferecer ajuda e levar o evangelho a esses povos, em grande parte não evangelizados. Quem pode ir e discipular esses povos? É este o momento para um envolvimento mais amplo do movimento missionário africano?

Conclusão

Passamos por uma das maiores mudanças demográficas e políticas dos últimos 200 anos – os anos da propagação do evangelho e do surgimento de uma igreja global em todas as nações. Um de nossos maiores desafios é a região do Sudão/Sahel na África com seus vários idiomas, países e muitos grupos de povos menos discipulados. Precisaremos de métodos revisados, novas formas de mobilizar obreiros e novos mecanismos que os ajudem a obedecer ao Último Mandamento de Jesus!

Notas finais

  1. Estimativa da ACNUR [Agência da ONU para Refugiados] em dezembro de 2022.

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