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O Sahel: Desafios para o futuro

As oito melhores oportunidades em uma das regiões mais negligenciadas pela obra missionária hoje.

Patrick Johnstone 15 maio 2023

Nota da Editora: Este é o terceiro e último artigo de uma série de Patrick Johnstone, autor emérito de Operation World, sobre a região do Sahel. Leia aqui a parte 1 e a parte 2

Em meu primeiro e segundo artigos, expus os desafios atuais do ministério no Sahel e expliquei por que ouvimos tão pouco sobre essa região. O pedido de ajuda do Sahel é abafado pelo barulho ensurdecedor da COVID-19 e suas consequências, os desastres das mudanças climáticas e o catastrófico impacto global da invasão russa da Ucrânia.

No entanto, em consequência desses desastres sem grande impacto para a África, essa região está sofrendo intensamente com o colapso de governos, fome e guerras provocadas pela escassez de água e conflitos étnicos e religiosos. Os esforços da ONU e do Ocidente para solucionar esses problemas – seja por meio da ação de militares ou de operações de manutenção da paz – só agravarão a crescente crise de refugiados.

O Sahel é também uma área onde o evangelismo pioneiro, a tradução da Bíblia e a plantação de igrejas são extremamente necessários e ainda mais desafiadores

O Sahel é também uma área onde o evangelismo pioneiro, a tradução da Bíblia e a plantação de igrejas são extremamente necessários e ainda mais desafiadores. Neste terceiro artigo, vou ilustrar os desafios citados acima e as necessidades espirituais não atendidas, destacando um grande conjunto de povos – os Fulbe, também conhecidos como Fulas ou Fulani.

Conjuntos de povos do Sahel

Para começar, uma breve visão geral dos conjuntos de povos do Sahel e sua demografia religiosa.[1] A região da África subsaariana abriga 1.319 grupos de povos etnolinguísticos e 37 conjuntos de povos.[2] O mapa a seguir mostra os conjuntos de povos do cinturão Sahel-Sudão.[3]

Observe que os territórios de origem desses conjuntos de povos pouco se assemelham às fronteiras coloniais europeias impostas no século 19. Não surpreende que esses países tenham sofrido com tantos conflitos internos.

Há cerca de 20 anos, trabalhei em estreita colaboração com a equipe do The Joshua Project para analisar a lista de todos os povos do mundo. Usamos todas as informações disponíveis para estimar as porcentagens religiosas de cada grupo etnolinguístico, de modo que seus totais religiosos se equiparassem aos números nacionais usados na Operation World. Embora esses números sejam meticulosamente pesquisados, deve-se enfatizar que são estimativas e não levam em consideração os movimentos de discipulado mais recentes, que estão se tornando mais significativos nos últimos anos.

O gráfico abaixo apresenta os resultados para cada conjunto de povos no Sahel. As barras à esquerda representam as proporções de cristãos, adeptos às religiões tradicionais e muçulmanos professos em cada conjunto de povos. A tabela à direita detalha esses números ainda mais, indicando quantos povos em cada conjunto se enquadram nas porcentagens que se referem ao cristianismo.

Também subdividimos esses números ainda mais para encontrar porcentagens para as principais vertentes do cristianismo.[4] Embora não estejam representados nesses números, vale observar que a grande maioria dos cristãos do conjunto de povos do Sahel baseia-se na teologia evangélica.

Vários aspectos dessas informações são importantes de serem observados:

  1. Os conjuntos de povos habitantes das florestas costeiras são predominantemente cristãos, e seu local de origem é muito mais densamente povoado. É deles a área mais urbanizada da região.
  2. Praticamente todos os conjuntos de povos do Sahel são quase inteiramente muçulmanos – muitos destes muçulmanos são membros de Irmandades Sufi, com uma cultura religiosa muito diferente da cultura dos muçulmanos sunitas tradicionais. Um livro brilhante sobre os muçulmanos sufis[5], de autoria de um colega, é leitura valiosa para aqueles que trabalham entre os povos do Sahel.
  3. Os maiores conjuntos são Hausa e Fulbe, seguidos por Wolof, Soninke, Songhai e Malinke.

O conjunto de povos Fulbe, no passado e no presente

O conjunto de povos Fulbe é grande e seus 16 grupos étnicos distintos estão espalhados por todos os países do Sahel. Em 2023, eles somam cerca de 41 milhões, mas apenas 2 dos 16 grupos têm mais de 0,5% de cristãos.

Este mapa mostra esses grupos e os idiomas e dialetos a eles associados. Trata-se do maior grupo nômade de criadores de gado em todo o mundo, embora tenham se fixado em algumas áreas. Em alguns países, os Fulbe se tornaram o grupo dominante, e alguns de seus membros ocupam cargos de liderança nacional, como no norte da Nigéria, no Níger e na Guiné. Aproximadamente metade de todos os Fulbe vive na Nigéria. Suas origens são obscuras, mas sua pele geralmente mais clara indica uma mistura de raças ancestrais, e sua família linguística é mais forte no Senegal.

Na Idade Média, os Fulbe se destacaram por propagar o islamismo; são predominantemente muçulmanos. Imagine o extraordinário impacto que os Fulbe poderiam ter para o evangelho em todo o Sahel se houvesse entre eles um grande movimento para Cristo.

Durante séculos, houve uma relação simbiótica entre os pastores nômades e os agricultores não Fulbe: os pastores se moviam para o norte nas temporadas de chuvas de verão e, durante os secos invernos, dirigiam-se para o sul, trazendo seus rebanhos para pastar nos campos pós-colheita. Nesse processo, o esterco produzido pelo gado contribuía para fertilizar esses campos. Nos últimos anos, o crescimento populacional e o avanço do deserto do Saara para o sul interromperam esse movimento. Essa mudança contribui significativamente para o aumento de tensões e conflitos entre pastores e agricultores do Sahel. Também tem contribuído com muitos novos recrutas para as guerras jihadistas do ISIS, Al Qaeda e Boko Haram.

Em todo o continente africano, prossegue o trabalho entre os Fulbe:

  1. Em meados da década de 1930, a WEC iniciou um ministério entre os Fulacunda de Casamance, no sul do Senegal. Alguns deles aceitaram a Cristo desde então, mas noventa anos depois, ainda não há avanços.
  2. A população dos Wodaabe Fulbe, no Níger, chega hoje a 800 mil. Eles preservam alguns de seus costumes pré-islâmicos e praticam uma versão menos radical do islamismo. Nos últimos anos, por meio do ministério da SIM e de outras organizações, eles começaram a ser mais receptivos ao evangelho. Em 1991, havia ali cerca de 60 crentes, mas em 2011, esse número chegou a 1.000, com várias igrejas entre eles.
  3. Os Fulbe nigerianos são predominantes no nordeste da Nigéria. Os muçulmanos impuseram a lei Sharia nos estados do norte controlados por eles. Isso resultou em muita perseguição aos cristãos, tanto os locais quanto os que haviam imigrado do sul. Mesmo assim, nos últimos anos, um número crescente de indivíduos do grupo Fulani tem vindo a Cristo, seja individualmente ou, muitas vezes, por meio de movimentos de discipulado com grupos de crentes da “igreja perseguida”.

Essas informações sobre um dos povos mais proeminentes e não alcançados do Sahel nos ajudam a entender um pouco a dinâmica dos esforços evangelísticos nessa região hoje.

Cada vez mais, os obreiros virão da própria África, mas isso não isenta a igreja global de sua responsabilidade de participar de equipes multiculturais.

Desafios para o futuro do Sahel

Embora vejamos frutos em algumas áreas, os desafios ainda são muitos. Aqui estão alguns deles a considerar:

  1. Obreiros: Cerca de 250 povos em 25 conjuntos na África ao sul do Saara[6] ainda pertencem à categoria de povos menos evangelizados, com menos de 0,5% de cristãos. Outros 250 povos têm menos de 5% de cristãos. Eles precisam de nossa oração e da mobilização de obreiros cristãos entre eles para o trabalho pioneiro de implantação de igrejas. Cada vez mais, os obreiros virão da própria África, mas isso não isenta a igreja global de sua responsabilidade de participar de equipes multiculturais.
  2. Tecnologia: Precisamos desenvolver estratégias globais modernas para os 30 conjuntos de povos do Sahel, como os Fulbe, Mande, Hausa, Árabes Nômades, Somalis etc. A universalização de celulares na África torna essa ferramenta um componente vital do ministério.
  3. Urbanização: A África está se tornando muito mais urbana. Em 2006,[7] a ONU calculou que 850 milhões de africanos estariam vivendo em cidades em 2050, porém 40% deles em condições miseráveis. Como discipular essas cidades? Muitos milhões de pessoas do Sahel continuarão a migrar para as cidades costeiras, onde passarão por grandes mudanças na cultura, no idioma e no estilo de vida.
  4. Crises humanitárias: Crises contínuas e crescentes resultarão em fracassos governamentais, morte, destruição, trauma e fome. Muitas organizações assistenciais não conseguem atuar facilmente no Sahel, mas o serviço que prestam é e será desesperadamente necessário. Precisaremos conceber nas próximas décadas novas formas de suprir as profundas necessidades dos que empobreceram ou se deslocaram em consequência das grandes convulsões.
  5. Migração forçada: Como consequência das convulsões políticas e sociais e do crescimento populacional contínuo, a crise dos refugiados deverá agravar-se consideravelmente nas próximas décadas, com enormes deslocamentos internos, refugiados transfronteiriços e um aumento da migração para a Europa através do Saara. Será muito difícil analisar esse fluxo.
  6. Pobreza bíblica: A tradução da Bíblia é uma necessidade constante. A África tem 2.110 idiomas, mas apenas 508 destes têm uma Bíblia ou um Novo Testamento traduzidos.[8] A África continua sendo um dos maiores desafios para a tradução da Bíblia e para os programas de alfabetização e de vídeo/som associados. Esse é, em grande parte, um trabalho colaborativo entre pessoas locais e voluntários de outros países que contribuem em áreas relevantes de conhecimento. A maioria das línguas que não têm a Bíblia traduzida provavelmente estará extinta em 2100, visto que a maior parte de toda a educação em todo o Sahel é em inglês, francês e português, mesmo no nível primário. Apenas um idioma do Sahel – o hauçá – é detectado e processado pelo Tradutor do Google. A disponibilidade e o amplo uso da Bíblia em um idioma local é um dos impeditivos mais eficazes da extinção do idioma.
  7. Corrupção: Para que a África reverta o declínio rumo a crises ainda piores, a igreja africana deve desafiar a corrupção e o nepotismo generalizados que prejudicam qualquer esforço de melhoria. Os cristãos na África devem ser um exemplo de vida temente a Deus e uma alternativa para a vida social, política e econômica de sua terra natal e, no processo, fornecer os meios para sustentar a obra missionária da igreja.
  8. Oração: Em tudo isso, devemos lembrar que a intercessão é o ministério-chave para promover as mudanças e os avanços do Reino de Deus.
Endnotes
  1. As estatísticas a seguir foram extraídas do Joshua Project List, de 2010.
  2. Em meu livro The Future of the Global Church, publicado em 2011, eu classifico os 13-17 mil povos etnolinguísticos em 12 blocos de afinidade (blocos culturais) e em 260 conjuntos de povos.
  3. Este mapa exclui o grande conjunto de povos Bantu, que tem 20 subconjuntos e 662 povos etnolinguísticos na África Central e Austral. As fronteiras que delimitam a concentração de cada povo etnolinguístico devem-se predominantemente ao idioma e derivam-se do trabalho do Global Mapping International, usados pelo SIL no Ethnologue.
  4. Classificadas como católica, ortodoxa, protestante, anglicana, autóctone e secundária.
  5. Ted Collins. The Other Islam: Christian Witness to Mystical Muslims (Manchester, UK: The Higher Path, 2021).
  6. Exceto pelo Chifre da África, que é lar de outros 33 povos etnolinguísticos.
  7. Veja UN-HABITAT’s State of the World’s Cities 2006/7.
  8. Jason Mandryk, Operation World (Downers Grove, IL: IVP, 2010).