Contents
  • Loading Contents
Back
Article

Apresentando a Declaração de Seul

Michael Oh, David Bennett & Ivor Poobalan

Please note that translations of the Seoul Statement may be updated following an additional review of the text provided.

Preâmbulo

O Quarto Congresso de Lausanne, realizado em Incheon, Coreia do Sul, marca o 50º aniversário do nascimento de um notório movimento comprometido com a missão global. O Primeiro Congresso de Lausanne, em 1974, reuniu 2.700 líderes da igreja vindos de mais de 150 países, que afirmaram sua convicção partilhada de que toda a igreja deve levar todo o evangelho para o mundo todo.

Após o primeiro congresso, a igreja global fez mais para acelerar a evangelização mundial de forma colaborativa do que em qualquer outro período da história, o que resultou em um crescimento sem precedentes da igreja, visto que milhões de pessoas em regiões antes não alcançadas abraçaram o evangelho e experimentaram seu poder transformador.

Nós nos alegramos com o que Deus fez por meio do compromisso da igreja com a elevada prioridade apostólica de proclamar as boas novas de Jesus Cristo a fim de levar a salvação aos que estão perdidos no pecado. Mesmo assim, a tarefa da evangelização continua urgente, pois bilhões permanecem fora do alcance da mensagem do amor e da graça de Deus em Cristo. Além disso, em face desse crescimento expansivo, a igreja, em muitas partes do mundo, tem lutado para promover com eficácia a fé e o discipulado de milhões de cristãos de primeira geração.

O Senhor Jesus, ao comissionar os apóstolos em Mateus 28.18-20, deixou claro que o mandato dado à igreja – de “fazer discípulos de todas as nações” – envolvia duas prioridades igualmente importantes: a tarefa evangelística de “batizá-los em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo” e a tarefa pastoral de “ensiná-los a obedecer a tudo o que [Cristo] lhes havia ordenado”.

Ambas as prioridades são evidentes na estratégia missionária do apóstolo Paulo no livro de Atos e em suas muitas epístolas. Sua paixão era tanto alcançar os perdidos com a mensagem da salvação quanto fortalecer a fé dos crentes para que vivessem de forma digna do evangelho e pudessem combater os falsos ensinamentos que ameaçavam enfraquecer a verdade do evangelho. Como ele resume: “Nós o proclamamos, advertindo e ensinando a cada um com toda a sabedoria, a fim de que apresentemos todo homem perfeito em Cristo” (Cl 1.28).

Lamentamos que durante os últimos cinquenta anos de colheita evangelística, a igreja global não tenha proporcionado de forma adequada o ensino necessário para ajudar os novos crentes a desenvolver uma cosmovisão verdadeiramente bíblica. A igreja muitas vezes falhou em estimular os novos crentes a obedecer ao chamado de Cristo para o discipulado integral no lar, na escola, na igreja, em nossas comunidades e nos mais variados locais e ambientes de trabalho. Ela também tem dificuldades para capacitar seus líderes para que respondam aos valores sociais atuais e às distorções do evangelho, que ameaçam corromper a fé sincera dos cristãos e destruir a unidade e a comunhão da igreja do Senhor Jesus. Consequentemente, ficamos alarmados com o surgimento de falsos ensinamentos e estilos de vida pseudocristãos, que distanciam muitos crentes dos valores essenciais do evangelho.

Ao longo de cinquenta anos, o Movimento de Lausanne tem se norteado pelo Pacto de Lausanne (1974), pelo Manifesto de Manila (1989) e pelo Compromisso da Cidade do Cabo (2010). A Declaração de Seul, do Quarto Congresso de Lausanne, ratifica plenamente esses documentos de Congressos anteriores e firma-se em seu sólido alicerce, renovando nosso compromisso com a centralidade do evangelho (Seção I) e com a leitura fiel das Escrituras (Seção II). Somente dessa forma podemos lidar com os desafios específicos que a igreja global enfrenta hoje (Seções III-VII) enquanto buscamos testemunhar fielmente sobre o nosso Senhor crucificado e ressurreto – o evangelho partindo de todos os lugares, para todos os lugares – em favor das futuras gerações.

Que a igreja anuncie e demonstre Cristo, unida!

I. O Evangelho: a história que vivenciamos e contamos

No início de seu ministério, Jesus afirmou: “O tempo é chegado. O Reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas novas!” (Mc 1.15). O apóstolo Paulo escreveu: “Não me envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele que crê: primeiro do judeu, depois do grego.” (Rm 1.16). Esse evangelho não é uma fórmula ou um conjunto de ideias religiosas, mas sim uma história que transmite boas novas e o poder de transformar vidas. No livro de Atos, os apóstolos pregavam o evangelho para públicos diversos, e nós os ouvimos contar uma história. Essa é a razão pela qual os apóstolos e incontáveis cristãos ao longo dos séculos abraçaram o evangelho como a história que vivenciamos e contamos.

“É esta história, (no Antigo e no Novo Testamento) que nos conta quem somos, para que estamos aqui e para onde vamos. Esta história da missão de Deus define nossa identidade, dirige nossa missão e nos assegura de que o fim está nas mãos de Deus” [Compromisso da Cidade do Cabo, 2010]

  1. No princípio, Deus criou o universo como uma maravilhosa interdependência da realidade espiritual e material, carregada de significado e mistério. Tudo o que Deus fez foi ordenado, belo e bom. Deus abençoou tudo o que fez, para que cada parte existisse em função da expansão do todo. Para cada esfera – terra, céu e mar – Deus criou seres, dando-lhes o sopro da vida e a capacidade de se reproduzir. Como auge da criação, Deus criou os seres humanos, tanto homens quanto mulheres, à sua imagem, capacitando-os a se relacionar com ele mesmo e uns com os outros e dando-lhes autoridade para cuidar deste mundo em seu nome.
  2. O trabalho e o descanso das criaturas humanas de Deus, seu casamento e criação de filhos, sua arte e diligência e seus padrões de vida coletiva deveriam ser para o benefício de todos e para a glória de Deus. A bênção recebida deveria tornar-se uma bênção compartilhada entre os povos, e bênção que resulta em adoração.

Deus realizou esse ato maravilhoso de criação pela sua Palavra, por meio do seu Espírito.

  1. Quando Deus abençoou os seres humanos, ele os alertou de que o curso da vida seria interrompido se eles buscassem independência dele. Como somente Deus é vida, essa escolha representaria a morte.
  2. Adão e sua mulher, Eva, uniram-se à rebelião liderada por Satanás e dessa forma o pecado e a morte entraram no mundo. Embora sendo comissionada para encher a terra com a diversidade cultural de povos unidos em adoração a Deus, a humanidade encheu a terra com violência, corrompendo a unidade para a qual foi criada. Exilados da santa presença de Deus e sem acesso à fonte da vida, os seres humanos se viram no cativeiro da obstinação e escravizados a uma existência sem sentido.
  3. Mas Deus, que é rico em misericórdia e amor, não abandonaria suas criaturas humanas pecadoras à escravidão que escolheram. Tampouco, sendo um Deus justo, ele poderia deixar impune tal rebelião. Colocou em ação seu plano para resgatar a humanidade de seu estado de perdição por meio de um Salvador que viria para restaurá-la como um povo santo, formado de todos os povos unidos em adoração.

Deus transformaria a sua criação pela sua Palavra por meio do seu Espírito.

  1. Para abençoar todas as nações da terra, Deus firmou uma aliança com Abraão, prometendo restaurar a bênção de sua presença vivificante a um povo por meio do qual ele uniria novamente todos os povos em um relacionamento de bênção mútua. Esse povo se tornaria o lar de Deus, a nova humanidade para a nova criação de Deus.
  2. De forma preliminar, Deus escolheu os descendentes de Abraão – uma nação de doze tribos, os doze filhos de Jacó. Criados para ser um povo santo, eles foram escravizados e oprimidos sob o domínio de Faraó. Deus, contudo, não se esqueceu de sua aliança. Libertou seu povo da escravidão para que declarassem seus atos poderosos a todos os povos. Levou-os ao monte Sinai e proferiu palavras com poder que trariam vida àqueles que guardassem seus mandamentos no coração, capacitando-os a se tornar um povo consagrado cujo coração fosse inteiramente fiel, capaz de amar a Deus e uns aos outros e sendo vivificados com a vida do próprio Deus.
  3. O povo de Deus, contudo, se rebelou contra ele. Eles escolheram a morte, em lugar da vida. Se Deus não tivesse se mostrado ser um Deus gracioso, o povo teria perecido. Em sua misericórdia, Deus ordenou a Israel um reino – para que vivesse sob o governo de Deus. Enviou profetas para interpretar as palavras ditas no Sinai e corrigir seu povo quando se desviassem. Enviou sábios e compositores de hinos para encorajar Israel no caminho da vida. Ainda assim, o povo de Deus se rebelou. Seus reis e sacerdotes se afastaram de Deus e o povo rejeitou os profetas. Então, Deus os enviou para longe de sua terra, condenando a nação ao exílio.
  4. Deus, no entanto, não se esqueceu de sua aliança. Mesmo quando os profetas alertaram sobre a morte nacional, eles também predisseram que Deus ressuscitaria a nação para uma nova vida, como de fato fez quando Israel retornou do exílio. Mas essa morte e ressurreição da nação era apenas um vislumbre de uma escalada dramática ainda por vir nas relações de Deus com uma humanidade rebelde – a restauração do justo governo de Deus.

Ainda não chegara o tempo de Deus restaurar a criação pela sua Palavra por meio do seu Espírito.

  1. E então aconteceu. Deus enviou o profeta João para preparar a chegada iminente do rei prometido e para convocar o povo a abandonar seus pecados para viver sob o governo de Deus. João batizou aqueles que abandonaram seus pecados, mas também falou de um batismo ainda por vir: “Mas depois de mim vem alguém […] que os batizará com o Espírito Santo e com fogo”. Esse batismo do Espírito por meio do Senhor Jesus Cristo constituiria o povo dos povos prometido. Assim como João havia dito, Aquele que haveria de vir realmente veio, porém da maneira mais inesperada.

Por meio do Espírito de Deus, o Filho de Deus, que é a Palavra eterna, tornou-se um ser humano no ventre de uma virgem, Maria, sendo esse o início da nova criação de Deus.

  1. O governo restaurado de Deus, anunciado pelos profetas, começou quando João batizou Jesus. Quando Jesus saiu da água, uma voz do céu declarou: “Este é meu Filho amado”. Como Israel, Jesus foi testado no deserto, mas provou ser fiel e ensinou seus seguidores a obedecer fielmente às palavras ditas a Israel no monte Sinai. Ele curou os doentes e purificou os impuros; ressuscitou os mortos e resgatou os que pereciam; expulsou demônios. De todas essas maneiras, ele mostrou seu poder de restaurar a bênção às pessoas – um povo purificado do pecado, salvo da morte e liberto do domínio de Satanás. Jesus declarou que havia chegado o momento de restaurar a bênção de Deus aos pobres e humildes de coração. A bênção que ele pronunciou não foi riqueza ou saúde, mas a própria vida de Deus como o poder transformador da nova criação. Chegou o momento de Jesus, o Messias, edificar sua igreja. Mas isso exigiria sua morte voluntária e sacrificial. Isso porque a ofensa do pecado que se interpôs entre a humanidade e Deus havia trazido a morte a todos.
  2. Jesus, quando foi crucificado sob Pôncio Pilatos, morreu como nosso representante substituto, o Adão da nova criação, enviado por Deus. Em Cristo, Deus estava tomando sobre si o castigo pelos nossos pecados. Aquele que tem vida em si mesmo deu a sua vida pela vida do mundo. Ele foi condenado, enquanto seu povo resgatado foi liberto – liberto da escravidão do pecado para amar e servir ao Senhor.
  3. Embora tenha derramado sua vida na morte, Cristo não poderia ser derrotado pela morte. Deus o ressuscitou e assim provou que ele era inocente e justo. Depois de ter ressuscitado, Jesus apareceu a seus discípulos com um corpo transformado. Esse corpo podia ser tocado por seus discípulos, mas não pela morte. O Pai exaltou o Filho para que reinasse com ele até que ele sujeitasse tudo e todos ao governo de Cristo. Assim, o Espírito Santo foi enviado a todos que, por meio do arrependimento e da fé, participaram da restauração e reconciliação de todos os povos no único povo de Deus. Eles receberam nova vida e poder para testemunhar as boas novas da salvação de Deus entre todos os povos.

Portanto, qualquer um que esteja em Cristo pertence à nova criação de Deus formada pela Palavra por meio do seu Espírito.

  1. Deus completará sua obra da nova criação quando Cristo retornar para julgar os vivos e os mortos. Então todos os que estão em Cristo compartilharão de sua ressurreição corporal, e toda a criação de Deus será transformada. Seu povo viverá sob o governo do Messias como uma unidade de povos cujas maneiras distintas de viver o dom da vida eterna de Deus são ofertadas a Deus como adoração. Dessa forma, o povo de Deus cuidará do mundo de Deus em uma comunidade de bênçãos que tem Deus no centro como a fonte de tudo o que é bom.
  2. Pela fé, nos posicionamos como igreja de Cristo, o povo único do único Deus, o povo dos povos do Deus trino. Pela fé, somos batizados na morte de Cristo para o perdão dos pecados, ressuscitados para uma nova vida e unidos no único corpo de Cristo. Pela fé, somos declarados justos pela justiça daquele que ressuscitou. Pela fé, a igreja se torna a morada de Deus em Cristo por meio do seu Espírito, e ele, nossa fonte inesgotável de vida. Pela fé, vivemos e nos submetemos ao seu domínio, o reino de Deus. Pela fé, administramos e cuidamos da criação de Deus e uns dos outros; trabalhamos pela justiça de Deus em nossas sociedades; e buscamos viver vidas pacíficas de serviço fiel. Pela fé, vivemos como aqueles a quem a morte não pode destruir porque estamos em Cristo e encontramos vida na vida do próprio Deus.
  3. Ao nos reunirmos em igrejas locais, vivemos, praticamos e nos lembramos do evangelho, a verdadeira história de tudo; em nossa adoração, celebramos seu gracioso Autor e suas obras; esclarecemos e detalhamos seus momentos-chave em nossa doutrina; ensinamos o povo de Deus a obedecer seus mandamentos, conformando suas vidas ao padrão de Deus; expressamos seus efeitos em nossa prática de amor, justiça, perdão e reconciliação; oramos por seus efeitos; refletimos seus valores em nossa vida individual e coletiva. Por meio de nossa presença, nossa prática e nossa proclamação, contamos a história do evangelho até os confins da terra. Enquanto isso, com toda a criação, gememos pela consumação da nova criação e clamamos: “Vem, Senhor Jesus, vem!”

“Ó Deus, nosso Pai, por teu Filho e por meio do teu Espírito, traz a plenitude da nova criação!”

II. A Bíblia: as Escrituras Sagradas que lemos e obedecemos

Um dos pilares do Movimento de Lausanne desde o início tem sido seu compromisso inabalável com a Bíblia como a palavra autoritativa de Deus, a única regra de fé e prática para a igreja, sua missão e a vida cristã. No entanto, essa visão elevada das Escrituras nem sempre produziu o tipo de interpretação bíblica fiel que sustém o evangelho e fortalece a missão da igreja de fazer discípulos como Cristo. Pior, as interpretações frequentemente conflitantes ameaçam a eficácia da igreja em seu testemunho da glória de Deus e da verdade do evangelho. As afirmações de uma visão elevada das Escrituras, portanto, exigem uma forma de leitura da Bíblia que esteja atenta a seus contextos histórico, literário e canônico, iluminada pelo Espírito Santo e guiada pela tradição interpretativa da igreja. As afirmações cruciais sobre a Bíblia de que a igreja mais precisa hoje dizem respeito não apenas à natureza da Bíblia, mas à sua interpretação: como ler a Bíblia fielmente na comunhão dos santos de todos os tempos e lugares.

A Bíblia é a palavra de Deus em palavras humanas.

  1. Afirmamos que a Bíblia é a palavra escrita de Deus, uma coleção de escritos divinamente inspirados e direcionados por Deus, consistindo nos sessenta e seis livros do Antigo e Novo Testamentos. Por meio de uma diversidade de autores humanos e gêneros literários, a Bíblia constitui um testemunho unificado e coerente da história de como Deus escolheu um povo para si mesmo em Jesus Cristo. A Bíblia é a autorrevelação de Deus e, portanto, a Escritura da igreja: seu texto autoritativo, infalível e singular que reúne e governa o povo escolhido de Deus. É totalmente verdadeira e confiável, e a norma suprema para a vida da igreja. O mesmo Espírito que inspirou a Bíblia continua a iluminá-la, transmitindo a luz e a vida, a verdade e a graça de Deus.

A mensagem central da Bíblia é a boa nova do reino de Deus.

  1. Afirmamos que a mensagem central das Escrituras é o evangelho do reino de Deus, a proclamação da encarnação, morte, ressurreição, ascensão e retorno de Jesus, que é o cumprimento da promessa de Deus de abençoar todos os povos por meio da semente de Abraão. Portanto, lemos toda a Escritura de acordo com esse evangelho e guiados por ele. No evangelho, Deus oferece o perdão dos pecados, o dom do Espírito e a vida eterna a todos os que se arrependem e creem em Jesus Cristo. São as boas novas de que Jesus está edificando sua igreja para servir a Deus que estão reconciliando e restaurando sua criação, livrando-a do pecado e de seus efeitos, e assim exibindo a glória de Deus. Este mesmo evangelho exige que nos submetamos à autoridade de Cristo, para que, pela fé no evangelho, sejamos transformados pelo Espírito em nossa leitura da Bíblia. (Is 52.7; Mc 1.14-15; Gn 12.1-3; 18.18-19; Gl 3.16, 19)

O propósito da Bíblia é a formação de discípulos e a edificação da igreja.

  1.  Afirmamos que Deus se expressa na Bíblia com o propósito de gerar e governar o povo de Deus, a igreja. A Bíblia convoca os fiéis a serem conforme Cristo, que é a imagem de Deus, e os exorta a viver de modo digno do evangelho. O Espírito trabalha por meio da Bíblia para formar os membros do corpo de Cristo e a mente de Cristo no corpo de Cristo. Deus usa as Escrituras para formar o povo de Deus, um povo de povos, que participa de sua missão como comunidades que fazem sua vontade assim na terra como no céu. (Cl 1.15; 3.10; Ef 4.24; Mt 6.10)

Lemos a Bíblia fielmente, nos atentando aos contextos bíblicos.

  1. Afirmamos que para a leitura e interpretação fiel das Escrituras, a igreja deve lê-las considerando seus contextos histórico, literário e canônico. Ler a Bíblia em seu contexto histórico significa observar o mundo por trás do texto e o momento de sua elaboração. Ler em um contexto literário significa prestar muita atenção ao tipo de literatura e ao fluxo de palavras e ideias no texto mais amplo. Ler em contexto canônico significa ler cada parte à luz de toda a Escritura, Antigo e Novo Testamentos. Situar todo texto bíblico em seu contexto histórico e literário adequado é um passo necessário para descobrir o significado original pretendido por seus autores. Situá-lo no contexto canônico permite que a igreja o leia como a palavra de Deus e a narrativa unificada de Deus ao seu povo ao longo da história, culminando com a vinda de Cristo.

Lemos a Bíblia fielmente mediante a iluminação do Espírito Santo.

  1. Afirmamos que o Espírito Santo, que supervisionou a composição das Escrituras, continua a direcionar a igreja em sua interpretação das Escrituras, à medida que a igreja, em dependência pela oração, busca a ajuda do Espírito. A direção do Espírito é parte de sua presença ativa e contínua na igreja – a comunidade de ouvintes, leitores, intérpretes e praticantes da Bíblia – para capacitar e comunicar seu compromisso de anunciar e demonstrar Cristo no mundo. O Espírito testifica ao nosso espírito a autenticidade, confiabilidade, suficiência e credibilidade das Escrituras. O Espírito capacita o crente a entender e a se submeter à palavra e à vontade de Deus. (2Pe 1.21)

Lemos a Bíblia fielmente, permanecendo conectados à tradição.

  1. Afirmamos que a interpretação evangélica (centrada no evangelho) da Bíblia não é um avanço recente. Ela dá continuidade à longa tradição interpretativa que remonta à igreja apostólica. A interpretação fiel das Escrituras pertence à igreja universal e exige o diálogo de cristãos de diferentes contextos – regionais, históricos e denominacionais – em busca da unidade do evangelho em meio à diversidade. Afirmamos o papel necessário e positivo da tradição, que transmite uma continuidade de leitura fiel de gerações passadas que foram direcionadas pelo mesmo Espírito e creram no mesmo evangelho de Jesus Cristo por meio das mesmas Escrituras. Para que uma abordagem evangélica à interpretação seja fiel, ela deve honrar essa tradição, permitindo que seja um guia habilitado pelo Espírito em nossa leitura da Bíblia.

Lemos a Bíblia fielmente sendo sensíveis aos contextos locais.

  1. Afirmamos a importância dos contextos culturais para a leitura fiel da Bíblia. A interpretação bíblica nunca acontece no vácuo. A cultura e a linguagem desempenham um papel importante. Interpretar as Escrituras é desafiador, pois nossas pressuposições, experiências pessoais e cultura exercem uma influência poderosa e com potencial de distorcer a leitura. No entanto, as comunidades locais proporcionam recursos positivos de seus respectivos contextos para o aprofundamento da compreensão geral das Escrituras. Além de representar toda a igreja na leitura fiel das Escrituras em seu próprio contexto e para seu próprio contexto, cada igreja local contribui a partir de sua cultura local com percepções distintas que beneficiam toda a igreja.

Lemos a Bíblia fielmente quando tornamos igrejas locais em culturas de leitura e de escuta.

  1. Chamamos as igrejas locais a se dedicar à leitura pública das Escrituras e a formar leitores e ouvintes fiéis da Bíblia, como indivíduos, grupos e comunidades de adoração. Ao formar tais culturas, devemos permitir que a palavra de Deus e o evangelho que ela proclama moldem nossa visão de mundo e nossas vidas. Afirmamos, portanto, a necessidade da colaboração global de todos os membros do corpo de Cristo e da atenção aos antigos credos, confissões e tradições eclesiais. Ler e ouvir na comunhão dos santos, guiados pelo Espírito, através do espaço e do tempo, serve para manter as comunidades locais ancoradas na fé que foi uma vez por todas confiada aos santos. Para que a igreja avance nas próximas décadas, devemos nos tornar comunidades fiéis de leitura e escuta da Bíblia que fielmente anunciem e demonstrem o único senhorio de Cristo de muitas maneiras e em muitos lugares.[1] (Jd v.3)

III. A Igreja: o povo de Deus a quem amamos e edificamos

O Pacto de Lausanne (1974) declara: “A evangelização mundial requer que a igreja inteira leve o evangelho integral ao mundo todo”. O tema do Quarto Congresso de Lausanne (2024) é: “Que a igreja anuncie e demonstre Cristo, unida”. Portanto, nossa concepção de “igreja” é muito importante. Reconhecemos que a doutrina da igreja recebeu pouca atenção durante essas décadas de extraordinária expansão cristã no mundo, e há pouco consenso sobre o que é a igreja, sua importância na vida do cristão e sua relevância para o nosso mundo. A confusão resultante abriu caminho para formas aberrantes de igreja que distorcem os valores de Cristo e seu evangelho. Também aumentou a desilusão entre os crentes batizados, levando-os a se afastarem da igreja formal ou tradicional. Os cristãos de hoje, especialmente os crentes de primeira geração, precisam de uma compreensão bíblica mais abrangente da igreja, de modo que os leve a demonstrar profunda apreciação e lealdade em sua conduta “na casa de Deus, que é a igreja do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade” (1Tm 3.15).

A igreja é a comunhão do povo de Deus.

  1. O antigo Credo dos Apóstolos professa nossa fé compartilhada na “comunhão dos santos”. Por meio da obra salvadora de Jesus Cristo, o Deus trino está reunindo e unindo seu povo como uma comunhão dos santos pelo Espírito Santo. Essa comunhão com Deus e com nossos irmãos e irmãs na igreja não é obra nossa; é uma dádiva de Deus. No Dia de Pentecoste, Deus revelou essa unidade quando Jesus derramou o Espírito Santo prometido sobre seu povo. Ele os comissionou para anunciar as boas novas e atrair outros para a sua nova comunidade, para que fossem batizados como membros do Corpo de Cristo e como habitação do Espírito, constituindo agora o templo de Deus. Ainda hoje, o Senhor Jesus continua a derramar o Espírito Santo sobre a igreja, e o Espírito Santo continua a glorificar o Senhor Jesus na igreja e por meio dela. (1Co 12.27; 2Co 6.16)
  2. Todos aqueles que estão unidos a Cristo – por meio do arrependimento pessoal, da fé e da graça de Deus – reconhecem que ele é a cabeça e juntos formam seu corpo. Portanto, embora sejamos salvos como indivíduos, não somos salvos sozinhos, mas juntos, uns com os outros. Como discípulos de Jesus, o Espírito nos une a Cristo como membros de seu corpo, por meio da fé em seu sangue derramado. O batismo cristão é um sinal e selo da graça de Deus, uma declaração pública de nossa nova fidelidade a Cristo e nossa nova identificação com sua igreja. (1Co 12.13)

A igreja é una, santa, católica e apostólica.

  1. Com o povo de Cristo ao longo dos séculos e ao redor do mundo, confessamos, nas palavras do Credo Niceno, que a igreja é “una, santa, católica e apostólica”.
  2. Em todo o mundo e ao longo da história, a igreja é um único povo de Deus, um único corpo de Cristo e um único templo do Espírito Santo por meio de um único batismo pelo Espírito, e uma única noiva de Cristo. Através do tempo, espaço, cultura e linguagem, somos uma única igreja, unida em Cristo e sua obra consumada, morada do Espírito Santo e unida no amor de Deus. (Ef 4.4-6; 2Co 11.2)
  3. Como a expressão visível de Cristo no mundo, a igreja é chamada à santidade como a de Cristo, demonstrada pelo nosso empenho em viver como aqueles que foram separados para Deus e evidenciada no caráter e comportamento como os de Cristo. (2Tm 2.21; 1Pe 1.14-16)
  4. A igreja de Jesus Cristo é católica (universal e abrangente), pois todos os que pertencem a Cristo – independentemente de etnia, gênero, região, status ou capacidade – pertencem igualmente à sua nova comunidade, a igreja. Portanto, há um lugar para cada membro, pois cada parte é necessária para compor a totalidade da igreja. Há lugar para meninos e meninas, mulheres e homens, ministros e missionários, donas de casa, educadores, trabalhadores, profissionais e líderes no mercado de trabalho.
  5. Na igreja universal, nenhuma cultura humana pode reivindicar preeminência. Todas as culturas humanas devem se prostrar em submissão diante do Deus de toda a sabedoria e, ao fazê-lo, cada uma delas dá sua contribuição para nossa compreensão das Escrituras e proclamação do evangelho. Dessa forma, Deus nos une para anunciar e demonstrar sua glória em toda a nossa diversidade. A igreja local é a única manifestação visível da igreja universal. Ela revela a glória do templo de Deus, no qual todos aqueles que pertencem a Jesus Cristo, como pedras vivas, têm seu lugar de direito. (1Co 3.16-17; 12.12-27; Ef 2.20-21; 1Pe 2.4-10)
  6. Essa igreja una, santa e católica também é apostólica. Ela começou seu testemunho público das boas novas de Jesus Cristo com o derramamento do Espírito no Dia de Pentecoste e, desde então, tem proclamado a mesma mensagem ao mundo todo. Ao longo da história e em todos os lugares, a igreja é apostólica, dando continuidade à base que os doze apóstolos de Cristo lançaram, mantendo-se firme em seus ensinamentos, uma vez por todas confiados ao povo de Deus e transmitidos de geração em geração. Por meio do dom dessa palavra viva e ativa, Deus edifica sua igreja concedendo-nos fé e nova vida, e assim ele edifica a sua igreja com pessoas semelhantes a Cristo. (Rm 10.17; 1Pe 1.23; Jd v.3)

A igreja peregrina enfrenta desafios de fora e ameaças de dentro.

  1. A igreja sempre enfrentou crises. O próprio Senhor nos disse que neste mundo teríamos aflições. Como evidenciado ao longo da história, os santos fiéis de Deus enfrentaram e continuam a enfrentar perseguições e severa oposição, muitas vezes arriscando suas vidas por causa do seu amor ao Senhor. A igreja é edificada sobre o sangue dos mártires. Mesmo assim, a luta da igreja não é contra a carne e o sangue, mas contra os poderes das trevas. Embora o maligno conspire contra a igreja de Cristo, Jesus prometeu que edificaria a sua igreja e as portas do Hades não poderiam prevalecer contra ela. (Jo 16.33; Ef 6.12; Mt 16.18; Ap 1.18)
  2. A igreja carrega o tesouro do evangelho em “vasos de barro”, em vulnerabilidade e humildade, não apontando para si mesma, mas para o incomparável poder de Deus. Portanto, ela não resiste aos seus opositores usando as armas deste mundo, mas persevera na adversidade e no sofrimento pelo poder de Deus, plenamente preparada com armas espirituais da justiça. Impérios se levantam e caem, mas a igreja, sustentada por seu Senhor, é chamada a permanecer firme e se conduzir como a casa do Deus vivo, coluna e fundamento da verdade. (2Co 4.7; Jo 18.36; 2Co 6.7; 1Tm 3.14-16)
  3. No entanto, lamentamos que a igreja nem sempre tenha permanecido fiel a esse chamado. As Escrituras deixam claro que o maior risco à sua vitalidade e à integridade de sua mensagem vem de dentro. Ela sucumbiu, muitas vezes, ao fascínio do poder político, da aprovação cultural e dos prazeres do mundo, abandonando seu mandato de ser testemunha profética de Deus no mundo. Em tais casos, a igreja se torna um instrumento de opressão, cúmplice de atos de injustiça, e perde sua credibilidade no mundo. Esse tipo de complacência é consequência ou causa do afastamento da igreja da autoridade bíblica ao distorcer as Escrituras para satisfazer meros desejos mundanos. Os dois pilares da fé e conduta fiéis (ortodoxia e ortopraxia) são abalados quando a igreja deixa de olhar para Cristo e para a cruz. Lamentamos essas falhas e pecados do nosso passado e nos arrependemos das maneiras pelas quais continuamos a ignorar a convicção gerada pelo Espírito e as instruções de nosso Senhor. (1Tm 4.16)

A igreja cresce quando se reúne para a adoração.

  1. O Senhor Jesus convoca a sua igreja a se reunir regularmente para adorar a Deus Pai por meio do Filho no Espírito Santo. Nessas reuniões, ele nos convida a uma maior intimidade e conhecimento dele por meio da leitura e proclamação das Escrituras e nos chama a ver, sentir e desfrutar da sua graça, por meio do Batismo e da Ceia do Senhor (At 2.42).
  2. Como o único corpo de Cristo e o templo do Espírito, a igreja manifesta a sua identidade coletiva principalmente por meio da adoração. Na adoração coletiva, estamos praticando a igreja e demonstrando o que significa ser igreja. A adoração, portanto, é essencialmente uma ação coletiva; ela não é em essência uma forma de desenvolver um relacionamento pessoal com Deus; é quando o “sacerdócio real” e a “nação santa” proclamam “as grandezas (louvores) daquele que os chamou das trevas para a sua maravilhosa luz. (1Pe 2.5,9).
  3. A igreja se distingue como igreja por meio de sua adoração ao Deus trino em palavra e sacramento. Esses dois componentes básicos da adoração são marcas que definem a igreja. A adoração, portanto, não é apenas uma entre muitas outras práticas da igreja, mas a prática fundamental da igreja. A adoração é o propósito final para o qual todos os nossos esforços missionários são direcionados. A obra missionária terminará quando Jesus retornar, mas a adoração continuará para sempre. Portanto, convocamos todas as igrejas a dar mais atenção à adoração como uma prática fundamental e a tornar a adoração uma experiência mais coletiva por meio de suas pregações, orações e cânticos.
  4. A adoração devidamente ordenada ocorre sob a autoridade e disciplina da igreja local. Isso é vital para o bem-estar não apenas do crente individual, mas da igreja como um todo. Portanto, convocamos todos os cristãos a se submeter à autoridade de uma igreja local. Assim como os indivíduos crescem porque as igrejas locais crescem em integridade e maturidade, também as igrejas locais crescem porque os indivíduos crescem em conhecimento, profundidade e prestação de contas. (1Co 5.1–6.11; Hb 10.25)
  5. Cristo, que é a cabeça, concedeu dons de ministério e serviço à sua igreja, para aperfeiçoamento e edificação do seu povo. Uma grande variedade de dons concedidos pelo Espírito é distribuída entre os membros da igreja para o bem comum. O corpo de Cristo cresce à medida que os crentes, individualmente, assumem a responsabilidade de fazer a obra do ministério e exercem seus dons concedidos por Deus para servir e amar seus irmãos e irmãs da forma como Cristo amou e serviu. Esse ministério capacita todo o povo de Deus a honrar Jesus Cristo nos mais variados locais e ambientes de trabalho, no lar, na escola e na comunidade local – onde quer que sejam chamados a servir. Eles cumprem seus vários chamados com a certeza de que o Senhor Jesus cuida da sua igreja e constantemente intercede por sua proteção e bem-estar. (Rm 12.6-6; 1Co 12.4-11; Ef 4.7-16)

A igreja demonstra Cristo de formas variadas, porém constantes.

  1.  A igreja foi chamada para expressar sua vida em comum formando comunidades locais e contraculturais em todas as sociedades. O formato das igrejas locais varia: de pequenos grupos de crentes reunidos secretamente a igrejas nos lares e congregações muito maiores que se reúnem em público. Os espaços digitais surgiram como outro meio de os crentes cristãos se reunirem, levando à reflexão teológica contínua sobre a natureza e o formato da igreja local.
  2. As igrejas locais ao longo da história e em todo o mundo exibem uma diversidade espetacular de tradições e formatos que são moldados pela influência de suas culturas distintas e pelos desafios contextuais específicos que enfrentam. No entanto, o que essas comunidades cristãs têm em comum, e o que as torna manifestações genuínas do corpo de Cristo, é sua adoração ao Deus trino em resposta à sua fé compartilhada no evangelho de Jesus Cristo – a fé que Cristo os chama a compartilhar com o mundo.

A missão da igreja é fazer discípulos de Cristo.

  1. A igreja, portanto, é chamada a anunciar e demonstrar Cristo, unida. A Grande Comissão convoca todos os crentes em todos os lugares a cumprir a ordem de nosso Senhor de fazer discípulos de todos os povos, batizando aqueles que creem na mensagem do evangelho e ensinando-lhes a verdadeira obediência a Jesus Cristo. No poder de sua Palavra e Espírito, Deus nos envia ao mundo como um povo santo para dar testemunho do evangelho a um mundo que nos observa atentamente. Fazemos isso por meio de nossa presença que manifesta Cristo, nossa proclamação centrada em Cristo e nossa conduta semelhante à de Cristo. (Mt 28.18-20)
  2. Jesus exortou seus discípulos a ver a poderosa influência da presença deles no mundo, descrevendo-os como “o sal da terra”, que deve manter sua integridade e, portanto, nunca perder sua potência. O apóstolo Paulo explicou como o cristão inspirado pelo evangelho é o próprio “aroma de Cristo entre os que estão sendo salvos e entre os que estão perecendo”. Isso torna a presença de um indivíduo ou comunidade cristã em qualquer sociedade – seja em famílias, bairros, escolas, locais de trabalho ou espaços abertos – um motivo de esperança, pois Deus usa seu povo redimido para demonstrar seu favor e manifestar sua presença a um mundo que há muito tempo alienou-se dele. (Mt 1.23; 5.13; 2Co 2.15-16)
  3. A Bíblia diz: “A fé vem por ouvir a mensagem, e a mensagem é ouvida mediante a palavra de Cristo”. Portanto, a proclamação fiel das boas novas de Jesus Cristo é essencial para o testemunho da igreja, e, para essa tarefa, o Senhor derramou o Espírito Santo para capacitar os membros da igreja para o evangelismo. Por sua Palavra e por meio de seu Espírito, a igreja demonstra o poder salvador do evangelho de Deus e envia arautos para anunciar seu evangelho onde ainda Cristo não é conhecido. Por meio do testemunho diário do seu povo, em casa ou no trabalho, Deus continua a atrair para si pessoas de todas as tribos e línguas, salvando-as por meio do sangue expiatório de Jesus e unindo-as como membros do corpo de Cristo. (Rm 10.17)
  4. A igreja também testemunha por meio de sua conduta semelhante à de Cristo. Assim como o mundo ouve Cristo na proclamação do evangelho, também pode ver Cristo por meio do nosso amor uns pelos outros e do nosso amor pelo próximo, pela forma como cuidamos de sua criação e pela excelência na realização do nosso trabalho diário. Assim como a fé vem por ouvir, a fé é sempre acompanhada de obras. Essas obras promovem o bem comum, priorizam o cuidado com os pobres e os mais vulneráveis ​​e promovem a causa da justiça seguindo o exemplo de nosso Senhor. (Mt 5.16; Jo 13.35; Ef 2.8-10; Lc 4.18-19)
  5. Até aquele dia final em que Cristo voltará, a igreja, como a noiva, se reúne na expectativa do retorno de seu noivo, quando os santos das gerações anteriores também serão ressuscitados. Aguardamos, portanto, desejando a consumação da esperança da igreja, quando o próprio Deus habitará conosco e conheceremos o Senhor Deus Todo-Poderoso – o Pai, o Filho e o Espírito Santo – e lhe renderemos a adoração eterna, dando glória a Deus “na igreja e em Cristo Jesus, por todas as gerações, para todo o sempre! Amém!” (Ap 21.3; Ef 3.21)

IV. A Pessoa Humana: a imagem de Deus criada e restaurada

Hoje, o mundo está atraído pela pergunta: “O que significa ser humano?” Isso torna a doutrina cristã da pessoa humana extremamente importante. Nossa resposta a essa pergunta tem implicações profundas para nosso testemunho no mundo e nossa vida na igreja. Ela vai ao cerne dos grandes conflitos no mundo com relação a questões como identidade, sexualidade humana e as implicações do avanço das tecnologias. Uma doutrina equilibrada da pessoa humana também é essencial para lidar com o fenômeno crescente de líderes que reivindicam ter poderes supra-humanos e autoridade semelhante à de Deus dentro da igreja.

A imagem de Deus é a essência do ser humano.

  1. As Escrituras ensinam que os seres humanos são criados de forma singular, à imagem de Deus. Essa singularidade inclui papéis e responsabilidades de liderança no mundo. A dádiva de ser criado à imagem divina confere a todos os seres humanos dignidade, igualdade e valor inerentes, independentemente de gênero, etnia, raça, casta, idade, capacidades físicas e mentais e contextos socioeconômicos e culturais. O Deus trino criou os seres humanos para serem relacionais, que desfrutam de um relacionamento pessoal com Deus e fazem parte de comunidades. (Gn 1.26-28; 2.15)
  2. Os seres humanos são uma unidade física e espiritual integrada, sendo que a dimensão espiritual complementa a dimensão física. Desse modo, rejeitamos qualquer forma de favorecimento de uma em detrimento da outra.
  3. Reconhecemos que o pecado afeta o grau em que os seres humanos podem refletir plenamente a imagem de Deus. O pecado corrompe nossa natureza e capacidades humanas inerentes, nossos relacionamentos com os outros e nossa vocação humana no mundo. O pecado influencia negativamente as pessoas, levando-as a tratar outros humanos como objetos, não como pessoas que têm valor. Às vezes, até mesmo os cristãos têm pecado ao interpretar erroneamente a imagem de Deus, buscando o interesse próprio, excluindo e desumanizando seus semelhantes.

Em Cristo, a imagem de Deus é restaurada.

  1. Afirmamos que Jesus Cristo, o Filho de Deus, é a imagem de Deus. Em sua encarnação, ele se tornou totalmente humano, como o segundo Adão. Ao contrário do primeiro Adão, ele viveu uma vida sem pecado e, portanto, qualificou-se para redimir a humanidade do pecado e de sua alienação de Deus. Como a imagem preeminente e perfeita de Deus, Jesus Cristo é o ideal humano segundo o qual todo crente está sendo transformado pelo Espírito Santo. Como participantes da natureza divina, estamos sendo conformados à semelhança de Cristo pela graça. Essa semelhança com Cristo manifesta-se na renovação de nosso caráter, conduta, desejos e aspirações e, em sua Segunda Vinda, na transformação de nossos corpos à semelhança do corpo ressuscitado de Cristo. (Cl 1.15; Hb 1.1-3; Jo 1.1, 14; Fp 2.1-11; Ef 1.10; Rm 5.12-14; 1Co 15.45-49, 50-54)
  2. A igreja é a nova humanidade de Deus, criada por Cristo, que reconcilia os crentes com Deus e uns com os outros. Essa nova humanidade está sendo transformada para refletir a imagem de Cristo, aquele que revela a verdadeira e plena humanidade. (Ef 2.14-16; Rm 8.9; 12.1-2; 2Co 3.18)
  3.  Como aqueles que refletem a imagem de Deus, os seres humanos redimidos são dotados de dons e ministérios para servir ao bem comum da igreja e trazer glória a Deus no mundo. A todo cristão foi concedido o privilégio de participar do reino de Deus, como embaixador desse reino por meio dos dons e vocações. No entanto, todas essas manifestações e práticas devem ser julgadas com base no testemunho apostólico do evangelho e das Escrituras para que ninguém seja enganado por um falso evangelho ou se envolva em práticas que roubem a glória de Deus. (1Co 12.4-7; Rm 12.4-8; Ef 4.11-16; 1Co 1.4-8; 1Pe 4.10-11; Mt 7.15-16; Gl 1.6-9 1Jo 2.19; Jd v.3-4)
  4. Lamentamos quaisquer noções falsas da nova humanidade que contradigam o ideal cristão e nos entristecemos com o fato de que a liderança cristã tem se afastado da semelhança com Cristo, como é evidente nos ministérios fundamentados na prosperidade e na fama, alguns dos quais chegam a alegar que são detentores da divindade. O exemplo de liderança de Cristo se contrapõe a tais autoproclamações e à manipulação de outros como um sinal de autoridade espiritual. A vida no reino de Deus é caracterizada por humildade, arrependimento e dependência da graça de Deus. (Lc 9.23; Fp 2.8-11; 3.18-19; 1Co 15.9-10; 1Jo 1.8-10)
  5. Aguardamos a ressurreição do corpo e a consumação da nova criação, quando a imagem e semelhança de Deus nos seres humanos será totalmente renovada. O povo de Deus, então, desfrutará da plenitude da vida e da comunhão com Deus, uns com os outros e com toda a criação (Is 65.17; 66.22; 2Pe 3.13; Ap 21.1-4).

A imagem de Deus e a sexualidade humana

O entendimento cristão sobre identidade sexual

  1. O relato bíblico da criação reconhece que os seres humanos são criados como seres sexuais com características físicas claramente identificáveis como masculino e feminino e características relacionais como homem e mulher. O “sexo” de um indivíduo se refere às características biológicas que distinguem o masculino do feminino, enquanto o “gênero” se refere às associações psicológicas, sociais e culturais próprias do masculino ou feminino. A Bíblia afirma inequivocamente que os seres humanos, tanto homem quanto mulher, refletem a imagem de Deus, representando o Criador no cuidado do planeta Terra criado por ele. (Gn 1.26-28; 2.22-23)
  2. Lamentamos qualquer distorção da sexualidade. Rejeitamos a noção de que os indivíduos podem determinar o seu gênero sem levar em conta o fato de que fomos criados. Embora possa haver distinção entre sexo biológico e gênero, eles são inseparáveis. Masculinidade e feminilidade são um aspecto inerente à criação humana – um fato ao qual as culturas dão expressão ao distinguir entre homens e mulheres. Também rejeitamos a noção de fluidez de gênero (a alegação de identidade de gênero flutuante ou expressão de gênero, dependendo da situação e experiência).
  3. Ao longo da história, no entanto, pessoas cujo sexo não pode ser observável e definido no nascimento (amplamente designadas hoje como indivíduos intersexuais) sempre enfrentaram enormes desafios psicológicos e sociais. Nas Escrituras, Deus expressa sua profunda preocupação pelos eunucos em sua experiência de alienação e dor, prometendo-lhes a restauração da dignidade e de um futuro melhor aos que depositarem nele sua confiança. Da mesma forma, o povo de Deus é chamado a agir com compaixão e respeito para com aqueles que enfrentam circunstâncias semelhantes hoje. (Is 56.4-5)

A compreensão cristã do casamento e da vida de solteiro

  1. A primeira referência ao casamento na Bíblia indica que o casamento é ordenado por Deus e descreve o casamento como o vínculo exclusivo entre um homem e uma mulher. Isso resulta em uma nova entidade à qual a Bíblia se refere como “uma só carne”. Afirmamos, portanto, que, de acordo com o desígnio de Deus, o casamento é um relacionamento de aliança firmado única e exclusivamente entre um homem e uma mulher, que se comprometem em uma união física e emocional que envolve amor mútuo e compartilhamento e que dura por toda a vida. (Gn 2.24; Mt 19.4-6)
  2. Além disso, o ensino bíblico é categórico ao afirmar que o pacto estabelecido no casamento é o único contexto válido para a prática sexual. O sexo fora dos limites do casamento é considerado uma violação pecaminosa do desígnio e propósito do Criador.
  3. Lamentamos todas as tentativas da igreja de aceitar que parcerias entre pessoas do mesmo sexo sejam casamentos biblicamente válidos. Lamentamos que algumas denominações cristãs e congregações locais tenham cedido às demandas da cultura e reivindicado a consagração de tais relacionamentos como casamentos.
  4. Afirmamos que o casamento, conforme o propósito de Deus, deve servir ao aperfeiçoamento humano, propiciando o contexto necessário para o desenvolvimento das gerações futuras. Casamentos fiéis geram fortes laços de vida familiar, delimitando adequadamente a liberdade e criando um ambiente com limites e estímulos que permite que o desenvolvimento dos filhos.
  5. A visão bíblica do casamento inclui o cumprimento do mandato do Criador de procriar e, simultaneamente, ser fonte de companheirismo e prazer para o casal. Entristece-nos ver que a busca pela liberdade sexual, e a consequente percepção de que se trata de um bem pessoal e social, tenha minimizado o aspecto reprodutor do sexo conjugal, o que muitas vezes levou à desvalorização dos filhos e ao aumento dramático de abortos globalmente. (Gn 1.28; 2.18-25)
  6. O casamento cristão se baseia no modelo de relacionamento entre Cristo e a igreja e, portanto, constitui um meio singular de testemunho do cumprimento do evangelho, à medida que o marido e a esposa cumprem suas responsabilidades um para com o outro como discípulos que vivem sob o senhorio de Jesus Cristo. Portanto, os cristãos que escolhem se casar devem dedicar o esforço necessário para cuidar de seu relacionamento conjugal e da criação de filhos que eles podem gerar ou adotar. (Ef 5.22-31)
  7. Embora tenha sido o ideal proposto para adultos em todas as sociedades e o relacionamento no qual marido e mulher se complementam, o casamento não é um elemento essencial para que uma pessoa seja completa. Tanto casados quanto solteiros são totalmente capazes de cumprir a vontade do Criador e dar testemunho de Jesus Cristo. Cada indivíduo, criado à imagem de Deus, é uma pessoa completa, com potencial máximo dentro do contexto de outros relacionamentos humanos. O Senhor Jesus, o ser humano ideal, foi exemplo dessa verdade sobre a vida de solteiro. O apóstolo Paulo argumentou positivamente que a vida de solteiro, seja circunstancial ou vocacional, oferecia ao cristão oportunidades específicas de servir à causa do reino de Deus de formas que não são possíveis a uma pessoa casada. (1Co 7.32-35)
  8. Chamamos todas as igrejas locais para apoiar tanto solteiros quanto casados dentro da comunidade de crentes cristãos por meio de ensino, mentoria e redes de encorajamento mútuo e apoio prático. Tais comunidades testemunham o poder do evangelho ao reproduzir os valores bíblicos das amizades profundas, do amor e da fidelidade no casamento, da honra aos pais, e do cuidado dedicado aos filhos no contexto da fidelidade ao senhorio de Jesus Cristo, para a glória de Deus.

A compreensão cristã das relações sexuais entre pessoas do mesmo sexo

  1. A intimidade sexual entre pessoas do mesmo sexo é um fenômeno tão antigo quanto a civilização humana, e a Bíblia, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento, não ignora tais práticas. Em seis ocasiões, encontramos a menção explícita da prática sexual entre pessoas do mesmo sexo na Bíblia. Em decorrência da extraordinária importância do assunto para a sociedade e a igreja hoje, é vital que os cristãos se familiarizem com todas as referências à intimidade sexual entre pessoas do mesmo sexo na Bíblia e seus significados no respectivo contexto – Gênesis 19.1-3; Levítico 18.20; 20.13; Romanos 1.24-27; 1Coríntios 6.9-11; 1Timóteo 1.9-11:
    • O Antigo Testamento se refere à prática sexual entre pessoas do mesmo sexo no relato de Gênesis 19.1-3, em que Abraão e sua família se deparam com a cultura de Sodoma, que Deus havia declarado ser deploravelmente perversa. Sodoma ganhara notoriedade pelas múltiplas formas de males sociais, incluindo a tentativa de estupro masculino dos convidados de Ló por todos os homens da cidade, sendo destacada na narrativa como evidência da terrível condição moral da cidade. (Ez 16.49-50; Gn 18.20-21; 19.1-13; Jd v.7)
    • No testemunho apostólico do Novo Testamento, a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo é referenciada em Romanos 1.18-27, 1Coríntios 6.9-11 e 1Timóteo 1.9-11, no contexto da cultura grega e romana. O registro histórico deixa claro que a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo era bem conhecida durante esse período, tendo sido normalizada, especialmente nas camadas superiores da sociedade. Nesse contexto, é impressionante que Paulo inclua a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo na mesma categoria dos pecados sexuais de fornicação e adultério, além de adicioná-la a uma lista mais ampla de pecados como: roubo, ganância, embriaguez, calúnia e fraude. Em 1Timóteo 1.9-11, a lista que proíbe a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo inclui parricídio, assassinato, fornicação, tráfico de escravos e perjúrio. Todos os que praticam tais atos são chamados de infratores da lei, rebeldes, ímpios, pecadores, profanos e irreverentes.
    • Em 1Coríntios 6.9, Paulo cunha um termo para descrever o sexo entre homens com base em duas referências em Levítico 18.20 e 20.13. Esses textos afirmam que a prática sexual entre pessoas do mesmo sexo é uma violação dos padrões de Deus para os israelitas, que estavam sob o vínculo de sua aliança com Deus.
    • Quando Paulo se refere à prática sexual entre pessoas do mesmo sexo em Romanos 1.24-27, ele o faz para expressar como a rebelião da humanidade contra Deus levou à rejeição de sua ordem criada. Como indicações da falência moral total da humanidade, ele cita a prática generalizada de adoração a ídolos e imoralidade sexual. Com relação à impureza sexual, Paulo condena especificamente o sexo entre mulheres e o sexo entre homens, que eram práticas claramente bem conhecidas na cultura da época, considerada sofisticada.
  2. Todas as referências bíblicas à prática sexual entre pessoas do mesmo sexo nos levam à conclusão inevitável de que Deus considera tais atos como uma violação de seu propósito para o sexo e uma distorção do bom desígnio do Criador e, portanto, uma prática pecaminosa. No entanto, o evangelho nos assegura que aqueles que, por ignorância ou conscientemente, cederam à tentação e pecaram, encontrarão perdão e restauração da comunhão com Deus por meio da confissão, arrependimento e confiança em Cristo.
  3. Reconhecemos que um número de pessoas, tanto dentro quanto fora da igreja, experimenta atração pelo mesmo sexo, e que, para algumas, essa é a única ou a atração dominante. A ênfase bíblica de que os cristãos devem resistir à tentação e, assim, manter a santidade sexual, tanto no desejo quanto na conduta, aplica-se igualmente a indivíduos atraídos heterossexualmente como a indivíduos atraídos por pessoas do mesmo sexo. Reconhecemos, no entanto, que os cristãos que são atraídos por pessoas do mesmo sexo enfrentam desafios mesmo em comunidades cristãs. Arrependemo-nos de nossa falta de amor para com nossos irmãos e irmãs no corpo de Cristo.
  4. Exortamos os líderes cristãos e as igrejas locais a reconhecer em nossas comunidades a presença de crentes que experimentam a atração pelo mesmo sexo e a apoiá-los em seu discipulado por meio de cuidados pastorais e pelo desenvolvimento de comunidades saudáveis de amor e amizade. [2]

V. Discipulado: nosso chamado à santidade e à missão

Em sua misericórdia, Deus tem agido por meio do Movimento de Lausanne ao longo do último meio século para catalisar a evangelização de comunidades e povos não alcançados ao redor do mundo e para inculcar um senso de consciência social diante da injustiça, da opressão e da discriminação. Essas ênfases duplas muitas vezes estão vinculadas dentro do conceito de “missão integral”, mas a missão integral nem sempre integrou totalmente a ordem de nosso Senhor de sermos discípulos e sua comissão de fazermos discípulos. Como resultado, apesar de nossa alegação de sermos seguidores de nosso Senhor crucificado, frequentemente falhamos tanto em viver de acordo com o padrão santo de vida que ele nos deu como em ensinar outros a fazer o mesmo. As consequências vão desde um fluxo constante de relatos de má administração financeira, de má conduta e abuso sexual, de abuso de poder entre líderes – e esforços para encobrir essas falhas, enquanto se ignora a dor dos que sofreram – até a anemia espiritual e imaturidade em igrejas evangélicas ao redor do mundo. Lamentamos essas falhas; lamentamos nossos pecados; humildemente nos arrependemos e confessamos nossa profunda necessidade da graça contínua do evangelho para produzir em nós a santidade sem a qual ninguém verá o Senhor (Hb 12.14). Portanto, nos comprometemos com as afirmações a seguir.

Um discípulo é um seguidor de Jesus, gerado pelo evangelho para uma vida de amor a Deus e aos outros.

  1. Afirmamos que ser discípulo é conformar-se ao padrão de vida que condiz com as boas novas da encarnação, vida, morte, ressurreição e ascensão de Cristo, pelas quais Deus em seu amor salvou seu povo de seus pecados e, por meio do derramamento do Espírito pelo Cristo que ascendeu aos céus, graciosamente lhes concedeu o poder de viver sob seu governo santo e justo. Como resultado, a missão é adequadamente direcionada à formação de discípulos cujo amor a Deus e amor aos outros estão unidos em um coração inteiramente fiel. Esse resultado é propriamente compreendido como a obra de Deus de escrever sua lei nos corações humanos – uma obra que nos capacita a viver como o único e santo povo da aliança de Deus, formado por todos os povos que continuam a obra de Jesus, o Servo do Senhor, para levar vida e luz ao mundo. Como expressão desse ato divino, a igreja local é tanto o meio quanto o fim da missão que assim buscamos cumprir. (Jr 31.31-34; Mt 22.36-40)

Nosso Senhor Jesus nos ordena que sejamos discípulos e nos comissiona a fazer discípulos.

  1. Afirmamos que a missão do povo de Deus é cumprir a comissão do Senhor Jesus a seus discípulos: fazer discípulos anunciando o que Deus realizou ao enviar seu Filho a um mundo rebelde e corrompido. Os responsáveis pela tarefa de anunciar as boas novas de Deus a todos os povos devem viver como discípulos e entender que o verdadeiro objetivo de nossa missão é a transformação daqueles que ouvem e creem nas boas novas para que vivam como discípulos que obedecem a tudo o que o Senhor ensinou. Por meio dessa transformação de indivíduos, Deus cumpre sua missão de restaurar a humanidade à imagem de Cristo através do evangelho e, com isso, renovar e restaurar toda a criação. O cumprimento do propósito de Deus de restaurar a humanidade é a igreja local, a manifestação da reunião celestial do povo de Deus de todos os tempos e lugares, de todas as nações e povos. Como tal, o poder formador do evangelho tem como objeto tanto os indivíduos quanto a igreja local. A formação de discípulos maduros está inextricavelmente associada ao crescimento e maturidade das igrejas na plenitude da semelhança de Cristo por meio do ministério concedido pelo Espírito aos membros individualmente. (Mt 22.37-40; 28.18-20; Ef 4.11-14)

Não podemos fazer discípulos sem anunciar as boas novas e não podemos ser discípulos sem um profundo envolvimento com um mundo corrompido.

  1. Afirmamos que aqueles formados como discípulos, tanto individual quanto coletivamente, invariavelmente se encontrarão profundamente envolvidos com um mundo corrompido pela injustiça e pelo pecado presente em suas famílias, bairros, escolas, locais de trabalho e sociedades. Nossa tarefa na missão, portanto, não é simplesmente anunciar uma mensagem para garantir profissões de fé cristã. Em vez disso, nossa tarefa evangelística é anunciar a mensagem de um Messias crucificado demonstrando um estilo de vida condizente, a fim de ver outros sendo formados segundo esse mesmo estilo de vida. A busca pela retidão em nossa vida pessoal, nosso lar, nossa igreja e sociedade em que vivemos não pode ser separada da proclamação do evangelho, assim como o ser discípulo não pode ser separado do fazer discípulos.

Como discípulos, vivenciamos a transformação como uma experiência inicial e contínua da graça do evangelho.

  1. Afirmamos que um discípulo é uma pessoa cuja vida foi transformada pelo evangelho. Essa transformação começa quando nos arrependemos de nossos pecados e cremos nas boas novas. No entanto, como sementes plantadas em solo bom, as boas novas não trazem a plenitude da transformação ou produzem seu fruto imediatamente. Em vez disso, essa transformação ocorre gradualmente ao longo de uma vida na qual maior santidade e amor demonstra a realidade do poder transformador do evangelho. Tanto a experiência inicial da transformação quanto seu desenvolvimento contínuo são a obra do Espírito de Deus pela graça por meio da fé que une os crentes à vida de Cristo e uns aos outros dentro do corpo de Cristo.

As igrejas locais desempenham um papel vital em nossa formação como discípulos ao ministrar os meios da graça no evangelho e experimentar seu poder transformador em sua vida coletiva.

  1. Afirmamos que uma igreja local cresce e amadurece à medida que busca assegurar que sua vida coletiva reflita o estilo de vida que se conforma à mensagem do Cristo crucificado. As igrejas o fazem por meio da proclamação do evangelho; por meio da prática regular do evangelho no Batismo e na Ceia do Senhor; e respondendo com gratidão ao evangelho em oração e louvor. No contexto da igreja, os crentes individuais aprendem a se conduzir como cidadãos do céu, cujas vidas são dignas dessa cidadania, mediando a graça transmitida a eles pelo Espírito a seus irmãos na fé. Na igreja, cada casamento é um reflexo da união amorosa entre Cristo e seu povo. Na igreja, cada família é fortalecida no caminho do Senhor pela vida na família da fé. Desse modo, tanto a igreja quanto seus membros são edificados na fé santíssima, conformados à imagem de Cristo pelo Espírito e encorajados a ter uma vida de santidade, fé e esperança purificadora do retorno de nosso Senhor. Preparados pelo ministério do evangelho no contexto da igreja e motivados pelo exemplo compassivo de Cristo, aprendemos a ver toda a vida como adoração, a buscar o bem daqueles que estão fora da igreja e a trabalhar pela restauração da totalidade do mundo em tudo o que fazemos. (Ef 2.19; Fp 3.20; 1Ts 2.12; Jd 20; 1Jo 3.3)

As igrejas locais também desempenham o papel vital de possibilitar a prestação de contas e modelar padrões saudáveis de liderança e governança para líderes, missionários e parceiros de ministério.

  1. Chamamos os líderes de ministério e missionários a manter um relacionamento de comunhão vital e prestação de contas com as igrejas locais. Embora isso seja aplicável a todos os discípulos, aqueles chamados para formas de ministério fora de suas igrejas locais devem permanecer imprescindivelmente conectados à vida de Cristo na igreja e refletir a obra contínua do Espírito de Deus no contexto de uma igreja local. Em sua providência, o Senhor levantou ministérios e parcerias missionárias para colaborar com a igreja local a fim de aperfeiçoar e capacitar seu povo para ser e fazer discípulos. Afirmamos a importância desses ministérios, mas também a importância de manter um foco claro e uma conexão com a igreja local como a expressão da nova humanidade que Deus está formando em Cristo. Tais ministérios honram a Cristo quando se baseiam nas instruções encontradas nas Escrituras às igrejas locais como referência para seus padrões e princípios de prestação de contas, transparência e supervisão. Ao fazer isso, eles adotarão estruturas de liderança e governança plurais que mantêm a posição da autoridade espiritual no evangelho, e não no indivíduo, seja quem for.[3] (Atos 6.1-6; 15.1-35; 20.17-38)

VI. A Família das Nações: os povos em regiões de conflito a quem vemos e servimos em nome da paz

O povo de Cristo deve ser conhecido como um povo de paz, porque o evangelho que proclamamos traz paz entre Deus e os indivíduos, entre os próprios indivíduos e entre os povos. O propósito de Deus é ver povos diversos florescerem ao compartilharem seus dons e os recursos da Terra de modo justo e generoso. Agradecemos a Deus por muitos exemplos de comunidades e indivíduos cristãos que incorporaram o chamado consistente da Bíblia para estar em paz e promover a paz em um mundo cheio de conflitos. Nós os honramos como aqueles que defendem a paz de Cristo, mesmo arriscando a própria vida e reputação. No entanto, a igreja nem sempre honrou a paz de Cristo como uma qualidade determinante de sua presença no mundo. Há exemplos históricos do envolvimento da igreja, de forma explícita ou tácita, em atividades e empreendimentos que defendem a violência e promovem a guerra. Isso acaba prejudicando o testemunho do evangelho que ela proclama. O que Cristo deseja de sua igreja, um povo formado de todos os povos, chamado a anunciar e demonstrar Cristo em um mundo dilacerado por conflitos?

Afirmamos o propósito de Deus em Cristo de reconciliar todos os povos por meio do evangelho em um mundo cheio de conflitos.

  1. O Movimento de Lausanne desempenhou um papel fundamental no incentivo à missão para os “povos não alcançados” em reconhecimento à necessidade de que indivíduos de todos os povos culturalmente distintos ouvissem as boas novas da salvação e do governo de Deus sobre todos os povos e, portanto, sobre todas as pessoas. Oramos pelo dia em que os Estados (as “nações” no sentido moderno) não mais impeçam ativamente que sua população ouça as boas novas e não mais persigam os que ouvem e creem nela. Oramos dessa forma não apenas para o bem dos indivíduos, mas dos povos aos quais eles pertencem. Um aspecto central aos propósitos de Deus por meio do evangelho é a reconciliação de todos os povos em Cristo em um relacionamento marcado por bênçãos mútuas. Afirmamos que esse propósito de Deus só pode ser alcançado à medida que os corações dos indivíduos forem transformados e cheios de amor por aqueles cuja identidade cultural se difere da sua.
  2. Nós nos alegramos juntos pelas muitas situações no mundo nas quais os intensos conflitos diminuíram e comunidades afastadas receberam a oportunidade para a reconciliação e a restauração da harmonia. Alguns exemplos são o conflito na Irlanda do Norte, o apartheid na África do Sul, o genocídio em Ruanda e a guerra civil no Sri Lanka, entre outros conflitos ao redor do mundo. Celebramos o fato de que, em alguns desses cenários, Deus tenha usado igrejas, organizações e indivíduos cristãos para defender a causa da paz, seja na linha de frente como pacificadores entre as partes seja por meio de negociação, influência e intercessão nos bastidores.
  3.  Ficamos profundamente tristes ao observar o surgimento de várias guerras e novos conflitos armados – interétnicos, inter-religiosos e internacionais – em todas as regiões do mundo. Entre mais de uma centena de conflitos armados atuais no mundo, as regiões do Oriente Médio e da África têm a maior concentração. Neste momento, a guerra Rússia-Ucrânia e a guerra em Gaza receberam a maior atenção da mídia, mas conflitos graves, como os que acontecem na Síria, Mianmar, Sudão e Etiópia, são raramente mencionados. Também reconhecemos as “guerras esquecidas” que acontecem ao redor do mundo, especialmente a da península coreana. Embora estejam longe dos olhos do público, são vistas por Deus. Lamentamos a trágica perda de vidas que essas guerras causam e a destruição massiva de sociedades, que negam às gerações futuras sua oportunidade de progredir.

Nós nos arrependemos por não condenar e restringir a violência e por permanecer em silêncio, promovendo o nacionalismo ou apoiando injustamente conflitos por meio de uma falsa justificativa teológica.

  1. Condenamos aqueles que usam sua influência nos assuntos mundiais para promover conflitos e guerras evitáveis, visando apenas seus interesses econômicos e políticos. Nós nos entristecemos pelo imenso sofrimento que suas ações causaram. Acreditamos que eles prestarão contas a Deus no dia do juízo.
  2. Convocamos todos os cristãos a servir aos vulneráveis em contextos de guerra, reunindo nossos recursos e apoiando as iniciativas de socorro de igrejas e organizações humanitárias que estão próximas às zonas de conflito. Também nos comprometemos a servir como pacificadores, apoiando negociações que visam encerrar conflitos e pedindo justiça e reparação para as vítimas inocentes da violência.
  3. Os cristãos, em vários momentos da história, não só promoveram a violência e a guerra, como também permaneceram em silêncio diante de tais atrocidades, em vez de falar com integridade profética e coragem. Isso está registrado no Compromisso da Cidade do Cabo de 2010:

“Reconhecemos com tristeza e vergonha a cumplicidade de cristãos em alguns dos acontecimentos mais devastadores de violência étnica e opressão, e o lamentável silêncio de grande parte da Igreja no decorrer dos conflitos. Tais conflitos incluem o legado do racismo e da escravidão negra; o holocausto contra os judeus; o apartheid; a “limpeza étnica”; a violência sectária entre cristãos; a dizimação de populações indígenas; a violência inter-religiosa, política e étnica; o sofrimento palestino; as castas oprimidas e o genocídio tribal.”

  1. Ecoamos o Compromisso da Cidade do Cabo ao chamar ao arrependimento “os cristãos que muitas vezes foram cúmplices de tais males, seja pela omissão, apatia ou suposta neutralidade seja apresentando uma falsa justificativa teológica para tais atos”. Grande parte dessa falsa justificativa teológica resulta da falha em distinguir entre as “nações” das Escrituras e os modernos “estados-nação” e do entendimento sobre nacionalidade que não se baseia na Bíblia. Nas Escrituras, nações eram povos culturalmente distintos cujas identidades eram moldadas pelo apego histórico a um território vagamente definido, a adoração de um deus (ou deuses) cujo governo sobre um povo era exercido por meio de um rei. Em contraste, “estados-nação” (ou “nações” no sentido moderno) são governos que administram a soberania política, reconhecida internacionalmente por meio de instituições e leis constitucionalmente ordenadas, sobre territórios com fronteiras claramente demarcadas e indivíduos e povos que vivem entre esses limites. A maioria dos estados-nação modernos governam vários povos, isto é, grupos em suas fronteiras cuja identidade coletiva não deriva apenas da nacionalidade, mas da etnia, da raça, do país de origem e muitas outras formas de identidade coletiva que enriquecem o mundo moderno. Em termos de identidade, esses grupos culturalmente distintos são frequentemente mais próximos dos povos que formaram as “nações” das Escrituras do que dos estados modernos. Afirmamos que todo estado moderno tem a responsabilidade diante de Deus de proporcionar tratamento justo e misericordioso tanto aos indivíduos e povos sobre os quais exerce soberania quanto aos povos vizinhos.
  2. É extremamente importante que os cristãos pensem de forma clara sobre os povos bíblicos (por exemplo, israelitas, egípcios, sírios) quando eles forem associados seja por nome, história, geografia ou ancestralidade a estados-nação modernos (por exemplo, Israel, Egito, Síria) e a os povos que vivem sob a soberania política desses estados (judeus, palestinos, árabes, coptas, drusos, armênios, curdos e muitos mais). Deus está cumprindo suas promessas a todos esses povos – tanto judeus quanto gentios – por meio das boas novas de Jesus, o Messias. No Oriente Médio e em outros lugares, os líderes cristãos devem se esforçar para corrigir erros teológicos que servem de justificativa ideológica para a injustificável violência contra civis inocentes ou que buscam legitimar violações do direito internacional humanitário.
  3. Lamentamos que, para alguns cristãos, o estado, e não o evangelho, seja o principal meio para concretizar os propósitos de Deus para o mundo. Isso assume uma forma especialmente lamentável quando vinculado ao nacionalismo – aqui definido como a crença de que cada estado deve ter uma única cultura nacional e nenhuma outra – ou etnonacionalismo – que é a crença de que cada grupo étnico deve ter seu próprio estado. Esse é um grande mal em nosso mundo. Lamentamos que muitos cristãos, infelizmente, tenham sido cúmplices desse mal, bem como das alegações de supremacia étnica e racial que ele promove. Contra isso, afirmamos que nenhum estado moderno pode, e jamais poderá, reivindicar ser o agente especial do governo salvador de Deus.

Nós nos comprometemos a orar e servir aos povos em conflito no mundo para que o evangelho de Jesus Cristo leve a verdadeira paz a todos os povos.

  1. Ao nos reunirmos para este congresso histórico em Seul, nos comprometemos a orar para que a paz e a luz de Cristo reinem sobre a península coreana e sobre seu povo, que foi dividido à força nos países politicamente separados da Coreia do Norte e da Coreia do Sul. Essa separação injusta, bem como a morte e o trauma de milhões de civis são conhecidos como a Guerra Esquecida. Apesar do cessar-fogo de 1953, o conflito continua sem solução e a instabilidade persiste até hoje em um ciclo vicioso de reaproximação seguido pela escalada das tensões. No entanto, continuamos a orar para que um dia a Coreia e o povo coreano sejam um. Lembramos do grande avivamento de Pyongyang de 1907, que ocorreu entre os coreanos no Norte, e pedimos o fim da perseguição de nossos irmãos e irmãs cristãos pelo governo da Coreia do Norte. Convocamos a igreja global a orar para que Deus abra uma porta para a restauração de famílias, comunidades e igrejas há muito separadas e para que o evangelho de Jesus Cristo seja anunciado e demonstrado com ousadia na Coreia do Norte mais uma vez, sem impedimento ou medo, para que toda a península possa conhecer o Senhor.
  2. Convocamos todos os cristãos em todos os lugares a interceder em favor daqueles que enfrentam os horrores da guerra e do conflito, a orar pela igreja perseguida e a trabalhar pela paz entre os povos e nações do mundo. Como pacificadores de Cristo, devemos construir comunidades cristãs que sejam exemplo da paz de Cristo e promovam uma cultura de paz como uma manifestação crucial de nossa fé e proclamação do evangelho. Assim, anunciamos e demonstramos Cristo, juntos, em um mundo profundamente marcado por conflitos.

VII. Tecnologia: a rápida inovação que discernimos e administramos

A tecnologia sempre esteve conosco. No entanto, a velocidade com que todas as tecnologias avançam hoje não tem precedentes. Como sempre, essas mudanças rápidas no potencial e no comportamento humano geram questões morais e éticas em relação ao seu impacto na sociedade e no planeta. Várias inovações modernas são voltadas à fusão de seres humanos com a tecnologia ou à criação de ambientes imersivos nos quais os seres humanos podem se tornar sujeitos à dominação da tecnologia. Essas potencialidades surgem de áreas como engenharia genética, clonagem, biotecnologia, upload mental, mídia digital, realidade virtual e inteligência artificial. A cosmovisão cristã influencia a forma como respondemos e administramos esses avanços tecnológicos. A sabedoria bíblica é vital para capacitar a igreja a ser criteriosa e resoluta a respeito das implicações morais e éticas das tecnologias emergentes, mesmo enquanto acolhe e administra o fruto da criatividade e inovação humanas concedidas por Deus, inclusive de maneiras que acelerem o evangelismo e o discipulado.

A capacidade tecnológica reflete a criatividade dos seres humanos criados à imagem de Deus.

  1. “Tecnologia” se refere não apenas às ferramentas que ajudam a aprimorar a capacidade e a produtividade humana, mas também ao conhecimento e aos processos de invenção e inovação, e até mesmo às culturas moldadas pelo desenvolvimento e uso tecnológico. Afirmamos que a inovação tecnológica é uma expressão da imagem de Deus, pois a criatividade humana reflete a criatividade de Deus. Deus criou os seres humanos para que fossem tecnológicos, isto é, que remodelassem o mundo a fim de promover o aperfeiçoamento humano e o cuidado de sua criação. Como um reflexo da imagem de Deus, a tecnologia é parte integrante do trabalho e das vocações com as quais todos os seres humanos são chamados pelo Criador a envolver-se. Nesse sentido, a atividade tecnológica não se refere apenas à solução de problemas específicos ou à superação de limitações humanas, mas especialmente à obediência ao mandato de Deus de cuidar dos outros e do mundo, e glorificar o Criador por meio de nossas habilidades criativas.

O pecado influencia negativamente o uso e o desenvolvimento da tecnologia.

  1. Afirmamos que o pecado influencia todos os aspectos da atividade humana e, portanto, a influência do pecado corrompe não apenas o uso da tecnologia, mas, em alguns casos, a própria inovação. Portanto, reconhecemos que o avanço da tecnologia e seu uso podem dificultar o desenvolvimento humano e o cuidado com o mundo natural de maneiras que não são imediatamente óbvias. Por essa razão, a inovação tecnológica frequentemente gera profundas ansiedades e inquietações, dependência e foco inapropriados, manipulação nociva dos temores humanos, falsa sensação de segurança ou manifestações desumanizantes. Por causa da influência do pecado, a tecnologia muitas vezes se torna uma forma de idolatria: a adoração da coisa criada em lugar do Criador. (Rm 1.25)
  2. Muitas inovações recentes tornaram a tecnologia muito mais evidente em nossas vidas, na sociedade e na igreja. Por ter a capacidade de se tornar nosso ambiente imersivo, a tecnologia facilmente nos distrai do fato de que “vivemos, nos movemos e existimos” em Deus. O desenvolvimento e a aplicação de todas as tecnologias são motivados e moldados por valores, muitos dos quais contrariam a exortação bíblica de focar ativamente o que é verdadeiro, nobre e louvável. (Atos 17.28; Fp 4.8)

Os cristãos são chamados a avaliar e se envolver com a tecnologia de forma profética.

  1. Reconhecemos que as tecnologias de mídia aumentaram a facilidade com que as pessoas podem ser enganadas. Lamentamos o fato de que, no uso dessas tecnologias, os cristãos nem sempre “renunciaram a procedimentos secretos e vergonhosos” ou resistiram à tentação de enganar seu público ou distorcer a mensagem do evangelho para ganho pessoal. Em vez disso, os cristãos devem colocar as pessoas em primeiro lugar e compartilhar suas histórias com sinceridade, testemunhando o poder do evangelho em suas vidas. É essencial que esse uso de mídia e tecnologias de comunicação seja sustentado pela veracidade encontrada no próprio evangelho que está sendo compartilhado. (2Co 4.2)
  2. Reconhecemos que muitos cristãos, especialmente os jovens, são viciados em mídias sociais e digitais e estão, na verdade, sendo “discipulados” por elas em virtude da quantidade desproporcional de tempo gasto usando tais tecnologias. Também reconhecemos que, embora as tecnologias digitais tenham sido muitas vezes adaptadas para o crescimento da igreja e os propósitos evangelísticos, os esforços para fazer o mesmo com relação ao discipulado não seguiram o mesmo ritmo. Portanto, convocamos todas as igrejas e líderes a se engajar no uso de tecnologias da era digital para fazer discípulos. Convocamos a igreja a ter uma presença fiel em espaços digitais, fazer a contextualização fiel por meio de dispositivos conectados, promover o ensino fiel de alfabetização digital e a prática fiel de acolhimento para formar hábitos de uso saudáveis.

Os cristãos devem discernir tecnologias que são motivadas pela ideia de que nem a natureza nem a natureza humana devem limitar a liberdade humana.

  1. Convocamos os cristãos a discernir cuidadosamente as tecnologias genéticas, que são baseadas no aumento do poder humano para remodelar os próprios componentes essenciais da vida física da pessoa humana e que dão origem a questões muito reais sobre seu uso ético e suas implicações de longo prazo. O potencial das terapias genéticas para tratar de condições de saúde complexas é imenso, mas com essa aplicação tecnológica surgem questões significativas: estamos fadados a ser o produto de nossos genes? Quais são as implicações das modificações genéticas hereditárias? Quanto de nossa humanidade está associado a combinações genéticas e quais são as implicações se remodelarmos a nós mesmos nos distanciando dessa herança? Surgem ainda questões éticas adicionais sobre nossa rendição à soberania de Deus e sobre o acesso a tais tecnologias e seu potencial para exacerbar as formas existentes de discriminação.
  2. Também convocamos os cristãos a discernir as tecnologias de inteligência artificial, que nos confrontam de maneiras diferentes, mas não menos significativas. O desenvolvimento de sistemas digitais que parecem raciocinar, se comportar e agir de maneiras que consideraríamos distintamente humanas levanta questões sobre a singularidade da criatividade e da racionalidade humana. A inteligência artificial levanta outras questões: ela se tornará uma ameaça existencial para a humanidade e o mundo em geral? Quais serão seus efeitos no local de trabalho e para o trabalho humano? E como os governos e outros atores a usarão em contextos de vigilância e segurança? À medida que a inovação em inteligência artificial acelera, convocamos os cristãos, especialmente aqueles que trabalham nesse segmento, a se envolver tanto no desenvolvimento quanto no uso desta tecnologia que honra o Criador e a condição de criatura humana, promovendo aplicações seguras, imparciais e dignas.

Os cristãos são chamados a ser administradores fiéis da tecnologia.

  1. Convocamos todos os cristãos a buscar a inovação tecnológica e usá-la com amor, justiça e fidelidade, tanto diante de Deus quanto para com os outros. Reconhecemos que a tecnologia molda os ambientes em que os humanos vivem, se divertem, se relacionam e trabalham, bem como a forma como os cristãos têm comunhão uns com os outros, oram, leem as Escrituras, crescem na fé e no caráter, adoram a Deus e compartilham o evangelho. Portanto, o amadurecimento cristão e o uso da tecnologia devem buscar o bem-estar do nosso próximo e de nossos inimigos, promover o desenvolvimento e a dignidade humana, mas sempre mantendo nossos olhos fixos no futuro que nos aguarda no novo céu e na nova terra. (Mq 6.8; Lc 10.25-37; Gn 9.6; Tg 3.9; Gn 1.31; Ap 21.1-8)
  2. À medida que a tecnologia digital é discutida e adaptada nas comunidades eclesiais hoje, observamos práticas da vida da igreja que são moldadas por ela, além de novas práticas que emergem dela. Reconhecendo que a tecnologia digital não é monolítica, a igreja deve usar seu discernimento para julgar quando, como e onde as diferentes tecnologias devem ser adotadas, mantendo o foco na forma como o evangelho de Jesus Cristo é proclamado e honrado por meio delas. Portanto, convocamos os cristãos e as igrejas a explorar as tecnologias digitais e adaptá-las à adoração a Deus, à superação de desigualdades, à formação de uma cultura que honra a Cristo e ao trabalho do discipulado cristão.
  3. Finalmente, aplaudimos o empenho evangelístico da igreja que levou à crescente adaptação tecnológica e a oportunidades sem precedentes para compartilhar o evangelho. Alegramo-nos que a tecnologia tenha estendido o alcance do evangelho a muitas regiões do mundo que antes eram inacessíveis, acelerado o trabalho de tradução da Bíblia e facilitado a movimentação e o ministério do povo de Deus ao redor do mundo. Oramos para que a administração fiel da tecnologia, motivada pelo evangelho contribua para que uma nova geração siga Cristo e testemunhe de Cristo em nosso mundo cada vez mais tecnológico.[4]

Conclusão

Nós nos reunimos em Incheon, Coreia do Sul, para o Quarto Congresso de Lausanne com um propósito elevado e santo – a missão que nos foi confiada pelo Cristo crucificado e ressurreto, Senhor sobre todos. No evangelho, Deus está chamando todas as pessoas de todos os lugares para abandonarem seus pecados e receberem o dom de uma nova vida pelo perdão dos pecados. Por meio do evangelho, Deus está edificando sua igreja, cumprindo seu propósito de ter um povo santo, formado de todos os povos, reconciliados consigo mesmo e uns com os outros em Cristo. Pelo evangelho, nos tornamos discípulos do Senhor Jesus e nos deleitamos na liberdade de viver sob o seu governo salvador. Pelo evangelho, fazemos discípulos e os ensinamos a obedecer aos mandamentos de Cristo. Esse é nosso chamado e nossa causa. Em nossa busca por isso, devolvemos alegremente a Deus o que ele nos confiou – nossos dons, nossos recursos, nossa energia, nossas vidas. Humildemente professamos que qualquer fruto do nosso trabalho será uma conquista de sua graça.

Ouvimos nosso Senhor falando conosco por meio das Escrituras e nos chamando para segui-lo no caminho da cruz pelo poder do Espírito. Ouvimos seu chamado para viver como parte da história que culmina nas boas novas da morte e ressurreição de Cristo, bem como para dedicar nossas vidas para que todos saibam que ele é o Senhor sobre todos. Com isso em mente, ouvimos que ele nos chama para sermos intérpretes fiéis de sua palavra autoritativa. Ouvimos seu chamado para um compromisso renovado com a igreja local como a única manifestação visível da igreja de Cristo, o povo dos povos, de todos os lugares e tempos, formado pela fé em Cristo. Ouvimos que ele nos chama a permanecer firmes, mesmo diante de desafios novos e antigos, perseverantes na fé dos apóstolos transmitida a nós de uma geração à outra por homens e mulheres cujas vidas deram testemunho de sua verdade. Para seguir Cristo, nós os seguimos.

Retornamos aos pontos mais distantes do mundo, ao lugar onde servimos, com o compromisso renovado de amar como ele nos amou, de deixar de lado a ambição egoísta, de desenvolver parcerias pelo evangelho e de crescer diariamente em dependência de seu Espírito pela oração e no conhecimento de sua vontade, de seus caminhos e de sua palavra. Para que possamos declarar a uma só voz os grandes feitos daquele que é a única esperança e luz do mundo. Para que possamos revelar, num só coração, a santidade e o amor daquele que se entregou pelos pecadores. Para que possamos anunciar e demonstrar Cristo juntos!

“Ajuda-nos, ó Deus, nós oramos em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo.”

Notas finais

  1. Confira o artigo ocasional de Lausanne nº 74, “‘Você entende o que está lendo?’ Rumo a uma hermenêutica evangélica fiel das Escrituras”, https://lausanne.org/occasional-paper/do-you-understand-what-you-are-reading-toward-a-faithful-evangelical-hermeneutic-of-scripture.
  2. Confira o artigo ocasional de Lausanne nº 77, “Uma teologia da pessoa humana”, https://lausanne.org/occasional-paper/a-theology-of-the-human-person.
  3. Confira o artigo ocasional de Lausanne nº 75, “A formação de discípulos para a missão e a formação de discípulos como missão”, https://lausanne.org/occasional-paper/the-formation-of-disciples-for-mission-and-the-formation-of-disciples-as-mission.
  4. Confira o artigo ocasional de Lausanne nº 76, “Fé cristã e tecnologia”, https://lausanne.org/occasional-paper/christian-faith-and-technology.
Navigation