“O cristianismo é alcançar a grandiosidade apesar de enfrentar o ódio do mundo.” [1]
A jovem Leah Sharibu de 15 anos se recusou a negar Cristo e converter-se ao islamismo custando-lhe a liberdade; esse é somente um exemplo da situação que os cristãos na Nigéria estão enfrentando.[2] Uma facção do Boko Haram, Estado Islâmico do Oeste da Áfica (EIOA) ameaçou Leah com uma vida de escravidão e cativeiro. Milhares de pessoas estão sendo mortas por causa de sua fé cristã, revelando que os cristãos estão sob extrema perseguição.[3] No entanto, as autoridades nigerianas sempre minimizam ou negam esta realidade.
A igreja na Nigéria
7.2K
missionários e uma presença missionária em cerca de
196
países
A população nigeriana está dividida pela metade entre muçulmanos e cristãos.[4] A igreja nigeriana se tornou um dos movimentos evangélicos mais dinâmicos e missionários na África e de fato, no mundo, com cerca de 7.200 missionários e uma presença missionária em cerca de 196 países.[5] Inclusive, a Nigéria foi retirada da lista de países de grupos de povos não-alcançados (GPNAs).
Apesar dessa vitalidade, o futuro da igreja nigeriana está em risco por causa da perseguição. Apesar de a Nigéria não estar oficialmente em guerra, o que está se passando é equivalente a uma declaração de guerra contra os cristãos; especialmente na região rural, os cristãos estão sendo mortos e desapropriados de suas terras ancestrais. Seus lares estão sendo queimados e muitos foram deslocados dentro do próprio país ou buscaram refúgio em países vizinhos, como Camarões, Níger e Chade. Além disso, outros cristãos estão no cativeiro e escravidão.
O governo alimenta o público e comunidades internacionais com narrativas enganosas e justificativas para o terrorismo. É imperativo que o governo nigeriano ofereça um relato coerente e factual. A situação possuí implicações preocupantes para o futuro do cristianismo, não somente na Nigéria, mas em todo o continente africano e no mundo.
Perseguição sistêmica
A perseguição acontece de forma sistêmica, institucionalizada e direta. “A perseguição tem diversas formas diferentes. Existe o método óbvio e doloroso dos danos corporais… a perseguição também pode ser [mais sutil].”[6] Isso acontece quando os instrumentos do Estado, especialmente no norte da Nigéria, são usados para fixar o alvo e marginalizar os cristãos.
A forma de como isso acontece é diferente em cada região, mas o padrão é quase previsível:
- Estudantes cristãos são barrados de obterem um espaço para se encontrarem para orar, estudar a bíblia ou louvarem.
- O “certificado de ocupação” (CO) é negado para terrenos onde os prédios das igrejas já se encontram.
- Raptos e casamentos forçados de meninas jovens e menores de idade são comuns e acontecem cada vez mais, isso acontece especialmente entre os grupos de povos não alcançados Maguzawa e Hausas que se convertem ao cristianismo.
Em 2018 o Boko Haram matou mais de
20.000
pessoas e deslocou mais de
2.6 M
Boko Haram e EIOA
Até o ano de 2018, o Boko Haram já havia matado mais de 20 mil pessoas e deslocado mais de 2,6 milhões.[7] O nordeste do país é o que mais sofre ataques contra agentes estatais, cristãos e muçulmanos moderados. EIOA se separou do Boko Haram em 2015 e jurou lealdade ao Estado Islâmico.[8] Eles estão mantendo Leah Sharibu e outros no cativeiro e acreditam que os cristãos ser seu principal alvo.
Ataques contra pastores fulânis
Os ataques violentos somente aumentam desde 2015, especialmente contra comunidades agropecuárias de maioria cristã. Os pastores fulânis são predominantemente nômades, os muçulmanos migraram e viveram em paz com as diferentes etnias do cinturão central durante décadas.
Pastorear gado era uma atividade relativamente pacífica, mas hoje dá início ao crime e violência, levando ao assassinato e deslocamento de milhares de cristãos. O Índice Mundial do Terrorismo em 2018 classificou os ataques contra os pastores fulânis como a segunda maior ameaça na Nigéria após a insurgência do Boko Haram. O EIOA é classificado como o grupo terrorista mais letal do mundo, depois do Al-Quaeda e Boko Haram, enquanto a Nigéria é considerada o terceiro país com mais terrorismo no mundo após o Afeganistão e Síria.[9]
Implicações em um contexto mais amplo
Esses ataques são uma ameaça existencial à igreja nigeriana e impactam a evangelização mundial. Com o passar do tempo a perseguição que está acontecendo agora afetará a expansão do evangelho através da igreja da Nigéria.
Muitos cristãos jovens estão desencorajados pelas injustiças sistêmicas e falta de ação do governo. Alguns vêm a igreja como indefesa. Concluem que a liderança da igreja é irrelevante para sua sobrevivência e proteção, já que ela falhou em suas negociações com o governo. Consequentemente, alguns estão retornando à idolatria, sincretismo, religiões tradicionais africanas, drogas e ocultismo. Se esta situação continuar, o declínio e possivelmente o falecimento da igreja está no futuro próximo.
No entretempo, os cristãos do norte do país que sofrem perseguição há décadas e que estão dispostos a morrerem por sua fé, estão se desencorajando e sua fé está cansada. Os ataques persistentes contra os cristãos estão levando alguns a optarem por uma resposta militante.
As implicações do terror alcançam além da Nigéria. Os desafios étnico-religiosos se tornaram uma questão de segurança de demasiada importância na sub-região do oeste africano, e já afetam Camarões, Níger e Chade. O veneno do Boko Haram está se espalhando través da região e continente. A África está sob ameaça de islamização por grupos inspirados no Estado Islâmico. No entanto, Deus tem a cartada final!
Numero de ataques terroristas e de vítimas em 2016 e 2017 respectivamente: | |||
País | Ataques | Mortos | Feridos |
Burkina Faso | 35 | 77 | 40 |
77 | 118 | 45 | |
Mali | 122 | 285 | 215 |
196 | 602 | 347 | |
Niger | 60 | 367 | 143 |
20 | 190 | 72 | |
Nigeria | 331 | 3122 | 1159 |
312 | 2180 | 1018 | |
TOTAL | 548 | 3851 | 1557 |
605 | 3090 | 1482 | |
Fonte: ECOWARN and Global Terrorism Database |
Como os cristãos estão respondendo
Como a igreja pode ser testemunha quando está sendo perseguida? De forma paradoxal, os ataques não conseguiram parar os cristãos de frequentarem suas igrejas. A região de Maiduguri, o epicentro de atividades do Boko Haram no nordeste do país, tem registrado um aumento de frequência de membros em suas igrejas.
Muitas pessoas escolhem morrer em vez de negar sua fé em Cristo, mostrando com isso a fé verdadeira. É muito reconfortante e nos traz segurança. Isso também oferece o tipo de esperança que só pode ser atribuída ao trabalho do Espírito Santo e de sua presença divina. Nas palavras de um cristão nigeriano anônimo:
Podem levar nossos lares, nossos bens, nossas famílias, nossas vidas. Podem nos expulsar, como nos expulsaram antes. Podem nos humilhar e desumanizar. Mas não podem tirar nossos pensamentos. Não podem tirar nossos talentos. Não podem tirar nosso conhecimento, nossas memórias ou nossas mentes. De fato, não podem tirar nossa fé ou nosso amor por Deus e pelo reino dele na Nigéria.[10]
Os cristãos do mundo todo precisam demonstrar o ministério da presença: apoiar em orações e visitar fisicamente a igreja perseguida, inclusive na Nigéria.[11]
Seguindo em frente: sobrevivendo e prosperando
A tribo de Issacar em 1ª Crônicas 12:31 compreendia os tempos e ajudou Israel a agir com sabedoria. Eu gostaria de propor alguns passos concretos, inspirados no modelo de Neemias, que irá guiar a igreja para dar uma resposta apropriada aos ataques terroristas e prosperar:
1. O chamado e prática da oração: Ne 2:4-6; Mt 26:41, Lc 18:1
Há vozes dentro da igreja que dizem: “já oramos o suficiente” ou “oração sem ação é inútil.” Eu acredito que a oração e ação não são mutuamente exclusivas. Podemos orar e agir, mas a ação nunca deve substituir a oração. Jesus nos ordenou a vigiar e orar – mas não para vigiar sem orar nem orar sem vigiar. A combinação dos dois elementos reforça a sobrevivência da igreja. De certa forma, a perseguição purifica e fortalece a igreja. A igreja nunca está fraca quando está sob ataque; ela se torna mais forte. Orar em tempos de perseguição reaviva a igreja e o reavivamento promove a sobrevivência e transformação.
2. União incomum: Ne 2:18; Jo 17: 20-21
A união incomum, local e globalmente, é necessária para a sobrevivência da igreja na Nigéria. A desunião que podemos ver entre os cristãos por causa de divisões denominacionais e étnicas às vezes cria um ambiente onde a perseguição obtem sucesso. A solidariedade cristã pode alcançar mais alto. A igreja precisa definir sua missão e se unir ao redor de uma visão compartilhada. A igreja mundial precisa demonstrar seu amor pela igreja perseguida através da solidariedade, defesa e publicidade.
3. Defesa e ativismo: Ne 2:16-20
O ativismo consistente na proteção dos perseguidos é vital, especialmente por causa das violações fundamentais que ocorrem durante a perseguição do direito de vida que é dado por Deus. Qualquer forma de perseguição com tendências genocidas violam a visão de Deus sobre a criação da diversidade humana e devem ser expostos energicamente.[12] “No fim, não nos lembraremos das palavras de nossos inimigos, mas sim do silêncio de nossos amigos.”[13]
4. Avaliação da situação e análise de conflito: Ne 2:12-17
Precisamos de uma pesquisa empírica bem documentada sobre o que está acontecendo com os cristãos na Nigéria e ao redor do mundo, avaliando especialmente o impacto destes ataques sob a demografia missional da igreja. A igreja mundial poderia ajudar de forma prática com um estudo desse tipo.
5. Sobrevivência através da defesa própria: Neemias 4 e 6: 15-16
Neemias efetivamente mobilizou seu povo a se defender contra os ataques. Ele nunca pediu que seu povo atacasse, mas deu a ordem que defendessem seu trabalho e de forma implícita suas terras. Defender nossas terras ancestrais não deve ser confundido com defender a igreja. Somente Deus pode defender sua igreja (Mt 16:18). Defender nossas terras ancestrais é imperativo; não devemos ser expulsos da terra que Deus nos deu sob nenhum pretexto. Não existe ordem bíblica sobre ataques de retaliação ou represália. No entanto são necessários movimentos de raiz para defender e policiar nossas comunidades através da vigilância.
6. Medidas proativas de segurança interna
Um senso mais aguçado sobre a segurança força as igrejas em diversas regiões da Nigéria a adotarem medidas pragmáticas para se protegerem. Os membros das igrejas se revezam juntamente com seguranças contratados para identificar estranhos que chegam às igrejas. Eles também estão se protegendo de ataques com veículos com a construção de barricadas de concreto ou barras de ferro, ou ainda colocando pregos em pedaços de madeira para furar os pneus de invasores, especialmente de carros-bomba. Isso está ajudando muito.
7. Diálogo e envolvimento efetivo: Ne 6
Neemias era um “cristão” envolvido na política. Ele permitiu que a Bíblia direcionasse suas crenças políticas, convicções e ações, ao contrário dos políticos de hoje que são cristãos nominais e usam a religião apenas para o avanço de seus interesses políticos sem valores que vem de Deus.
Neemias efetivamente enfrentou seus oponentes através do diálogo, mas isso não significa que ele fosse tolo ou estivesse se comprometendo. Existe a necessidade do diálogo interfé entre cristãos e muçulmanos para trabalharmos juntos rumo a paz e reconciliação. O clero cristão precisa prevenir a potencial militância de seus fiéis e agir de forma unida contra os ataques de represália efetuados por cristãos jovens. Manter os canais de comunicação abertos sempre será positivo e promoverá esforços sustentáveis na pacificação. Entretanto, a pacificação deve estar baseada na justiça pelas vítimas de perseguição.
Conclusão e recomendações
O terrorismo que conhecemos hoje no leste da África prospera através da religião, ignorância e descontentamento social. Os cristãos na Nigéria estão sendo assassinados com precisão, e isto é uma ameaça à existência da igreja. O prático abandono das missões e evangelismo em algumas das áreas afetadas representa um perigo claro. Para termos sucesso na luta contra o terrorismo, os jovens ao longo da divisão religiosa e étnica precisam se unir para trabalharem de forma proativa contra este desafio existencial.
Não podemos esperar que os governos deem um fim ao ciclo de violência em nossas comunidades e nações. Cada um de nós tem uma função para executar. Jesus tem me motivado e inspirado na execução da minha função: “Bem-aventurados os pacificadores, pois serão chamados filhos de Deus” (Mt 5:9). Graças a Deus, a esperança da igreja nigeriana permanece profundamente enraizada no Deus que prometeu: “Nunca o deixarei, nunca o abandonarei” (Hb 13:5)
Notas
- Inácio de Antioquia
- Link para o vídeo de apelo da Leah Sharibu: https://youtu.be/8hwT7ylZ0B4.
- Nota do Editor: Veja o artigo de John Azumah: ‘The Challenge of Radical Islam’, in March 2015 issue of Lausanne Global Analysis https://lausanne.org/content/lga/2015-03/the-challenge-of-radical-islam.
- Em 1963, a porcentagem total de cristãos era 36%. Em 2001 subiu para 40%. Em 2008, 46% já em 2010 o número chegou a 48,3%. Uma pesquisa recente pela Pew Forum sobre a distribuição regional de cristãos na Nigéria estima que a população cristã atualmente está em 50,8% (mais de 80 milhões). O assassinato continuo de cristãos começou em 2009. Precisamos de mais pesquisas para avaliar o impacto desses ataques. http://www.pewforum.org/2011/12/19/global-christianity-regions/.
- Associação Evangélica Missionária da Nigéria (NEMA, em sua sigla em inglês).
- ‘Threats to the Christian Faith in Contemporary Nigeria’, Keynote Address by Mathew Hassan Kukah, Catholic Bishop of Sokoto Diocese, at a conference in Lagos, 16 June 2018.
- Centro de Monitoramento de Deslocamento Interno (IDMC, em sua sigla em inglês): GRID Report.
- https://en.wikipedia.org/wiki/Boko_Haram.
- http://saharareporters.com/2018/12/07/nigeria-ranked-3rd-most-terrorized-global.
- Amy Harmon, Sand and Ash, http://www.goodreads.com/work/quotes/47395935-from-sand-and-ashes.
- Nota do Editor: Veja o artigo de Yousaf Sadiq: “Como devemos responder à perseguição de cristãos” na edição de janeiro de 2019 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/content/lga/2019-01/how-should-we-respond-to-the-persecution-of-christians.
- Nota do Editor: Veja o artigo de Ewelina Ochab: “As atrocidades do Estado Islâmico: inverter a erradicação de minorias religiosas no Iraque e na Síria” na edição de março de 2019 da Análise Global de Lausanne https://lausanne.org/content/lga/2019-03/the-atrocities-of-the-islamic-state.
- Rev Dr Martin Luther King Jr, pastor batista e do movimento dos direitos civis americano.