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Como curar a lepra espiritual?

Fundamentos sobre a Igreja Perseguida

Gavin Wood 29 jan 2024

A terrível doença da lepra talvez pareça algo antigo e irrelevante para nós, mas ainda hoje causa um sofrimento imensurável a muitas pessoas. O que aprendi sobre a lepra é que, na verdade, trata-se de uma doença que danifica o sistema nervoso. Como resultado, o corpo não sente dor quando é ferido. Esses ferimentos vão desde arranhões até úlceras abertas. Quando o indivíduo desconhece a presença dessas feridas, elas são negligenciadas e infeccionam, resultando em graves danos ao organismo.

Neste artigo, considero que grande parte do corpo de Cristo em todo o mundo parece estar sofrendo do que chamo de “lepra espiritual”.

O capítulo 12 de 1Coríntios nos ensina que, como seguidores de Cristo, estamos unidos em um corpo espiritual, tendo Cristo Jesus como nosso Cabeça. Lemos também que se uma parte do corpo sofre, todo o corpo sofre (1Co 12.26).

Cerca de 365 milhões de cristãos em todo o mundo sofrem por causa da fé que não é somente deles, mas nossa também. Como é possível que grande parte do corpo de Cristo não sinta a dor da perseguição sofrida por nossos irmãos e irmãs?

Visto que eles sofrem pela nossa fé e que juntos fazemos parte do corpo de Cristo, eles precisam saber que nunca estão sozinhos. Para que isso aconteça, precisamos ser curados da nossa lepra espiritual. Minha oração é que este artigo seja usado pelo Senhor, de alguma forma, para esse fim.

Foi lançada recentemente a Lista Mundial da Perseguição 2024. Ela é elaborada pela missão Portas Abertas e contém os 50 principais países do mundo onde os cristãos são mais perseguidos por causa da fé em Jesus. Cinco áreas de perseguição são avaliadas em cada país da lista. São elas: vida privada, família, comunidade, nação e igreja.

Por meio de pesquisas realizadas localmente nesses países e com auditoria independente, uma pontuação máxima de 100 pontos é atribuída a cada nação. Nos últimos 10 ou 11 anos, em uma única ocasião a Coreia do Norte não ocupou a primeira posição. A exceção ocorreu em 2022, quando o Afeganistão ficou em primeiro lugar, seguido pela Coreia do Norte.

Testemunhos e histórias da Igreja Perseguida

Egito

Nós, que estamos infectados com a lepra espiritual, não temos ideia do que significa sofrer por nosso Senhor Jesus Cristo.

Minha primeira viagem à Igreja Perseguida (PC) foi por volta de 2006. Minha esposa e eu fomos convidados a viajar com uma equipe da filial sul-africana da missão Portas Abertas. Passamos 12 dias incríveis no Egito visitando cristãos onde e quando era possível. Os crentes que conhecemos e os testemunhos que compartilharam causaram mudanças permanentes em nós.

Considero um privilégio compartilhar com vocês os testemunhos dos crentes da Igreja Perseguida. Algumas histórias vêm de nossa própria experiência e uma delas ouvimos de outras pessoas que servem à Igreja Perseguida.

Lembro-me de ter acordado muito cedo na nossa primeira manhã no Egito – não por escolha própria. Nas primeiras horas, antes do nascer do sol, ouvimos o chamado islâmico à oração ecoando por todo aquele lugar histórico. Lembro-me de ser tomado por uma forte sensação de apreensão naqueles momentos. Estávamos no centro de uma guerra espiritual e a opressão era muito real. De que forma faríamos alguma diferença? Que objetivos acreditávamos ser capazes de alcançar? Tão repentinamente como fui tomado pelo mal, pelo engano e pelas trevas do islamismo, comecei a experimentar uma maravilhosa sensação de paz e da presença do Senhor. Um versículo de Habacuque me veio à mente: “E a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor, como as águas enchem o mar” (Hb 2.14). Este passou a ser meu versículo-tema sempre que oro por nossos irmãos e irmãs em Cristo na Igreja Perseguida. Por mais sombria e difícil que pareça essa tarefa, podemos celebrar a fidelidade de Deus e a nossa vitória em Cristo. Jesus reina!

Nessa mesma viagem, visitamos certo dia um homem muito temente a Deus, um dos líderes em sua denominação. Quando o conhecemos, ele estava se recuperando de um terrível acidente de carro que havia causado a morte de um dos passageiros. Não havia sido um acidente “normal”, se é que isso existe, mas um atentado orquestrado contra a sua vida. O motivo para o atentado havia sido sua ousadia em defender o nome de Cristo e sua participação ativa na preparação de crentes para compartilhar o evangelho com os muçulmanos.

Nosso irmão em Cristo ficou gravemente ferido, a ponto de precisar de múltiplas cirurgias para reconstruir seu corpo quebrado. Lembro que ele teve que enfrentar uma cirurgia reconstrutiva no ombro direito para recuperar alguns movimentos. Um integrante do nosso grupo perguntou se ele estava se sentindo melhor e se ainda sentia dores. Ele sorriu e disse que ainda acorda com dores quando dorme sobre o ombro danificado. Mas, com o mesmo sorriso gentil e caloroso no rosto, concluiu: “Por que eu não deveria sofrer por causa de Jesus?”

Muitos cristãos da Igreja Perseguida parecem partilhar dessa atitude. Eles aceitam a realidade do sofrimento por causa de Cristo. Como Paulo disse a Timóteo: “De fato, todos os que desejam viver piedosamente em Cristo Jesus serão perseguidos” (2Tm 3.12).

Eu me pergunto que efeito isso causa em nós, crentes da chamada “igreja livre”. Nós, que estamos infectados com a lepra espiritual, não temos ideia do que significa sofrer por nosso Senhor Jesus Cristo.

Lembro-me de uma história comovente que ouvi sobre uma jovem, creio que tenha sido no Oriente Médio. Ela havia se tornado cristã, mas, por razões óbvias, ocultou de seus pais muçulmanos sua nova fé. Certo dia, seu pai encontrou sua Bíblia e se encheu de ira. Obrigou-a a sentar-se na esteira que havia em seu quarto e ficar ali, imóvel. Se ela se movesse, seria severamente espancada. Ela só teria permissão para sair daquela esteira se renunciasse sua fé em Cristo. Meses depois, quando essa atrocidade foi descoberta, ela foi resgatada. Essa jovem permaneceu fiel a Jesus, mesmo imóvel naquela esteira. Os danos em seus membros foram tão significativos que ela precisou reaprender a andar.

Sudeste Asiático

Em uma viagem mais recente à Igreja Perseguida no Sudeste Asiático, o grupo com o qual viajei teve o incrível privilégio de passar uma tarde na humilde residência de uma família pobre. Seus moradores são crentes em Cristo e, apesar dos riscos e da intimidação, frequentam regularmente uma igreja local. Certo domingo, após o culto, algumas crianças brincavam do lado de fora da igreja enquanto esperavam pelos pais. Dois agressores em uma motocicleta se aproximaram e atiraram um artefato explosivo onde as crianças estavam.

A cena após a explosão foi horrível. Uma das crianças morreu no local e as outras sofreram graves ferimentos, incluindo queimaduras de terceiro grau em grandes porções de seus frágeis e pequenos corpos. O jovem que visitamos naquela tarde já havia sido submetido a dezenas de cirurgias para reconstruir o rosto e enxertar nas horríveis queimaduras a pele saudável de partes do seu corpo que não haviam sido desfiguradas pela bomba. Embora suportasse muita dor, tanto pelo ataque à igreja, como pelas inúmeras cirurgias (outras serão necessárias), ele estava radiante com o amor de Cristo e ansioso para partilhar conosco.

Jamais esquecerei os momentos que passei naquela casa diminuta, porém acolhedora, ouvindo aquele menino cantar a plenos pulmões Bless the Lord, o my soul, em inglês, embora não fosse sua primeira língua, enquanto seu pai o acompanhava em um velho violão. Esse jovem tornou-se um dos meus heróis da fé. Sua jovem vida me desafiou de maneiras que ainda estou processando. Continuo a orar por ele, por seus pais e pelas outras famílias que foram envolvidas no ataque que mudou as suas vidas para sempre.

Devemos fazer tudo o que pudermos para que eles saibam por meio de sua família em Cristo que, embora sofram pela nossa fé, eles nunca estão sozinhos.

A cura da lepra espiritual

Precisamos viajar aos locais onde a igreja é perseguida e nos encontrar com nossos irmãos e irmãs em Cristo. Devemos aprender a servi-los ouvindo-os, orando com eles e por eles. Precisamos sensibilizar as nossas igrejas e comunidades sobre o que está acontecendo com aqueles que, assim como nós, foram chamados para pertencer a Jesus Cristo (Rm 1.6). Devemos levantar orações e apoio financeiro para a Igreja Perseguida. Devemos fazer tudo o que pudermos para que eles saibam por meio de sua família em Cristo que, embora sofram pela nossa fé, eles nunca estão sozinhos.

Que possamos, juntamente com a Igreja Perseguida, orar e ansiar pelo dia em que “a terra se encherá do conhecimento da glória do Senhor como as águas cobrem o mar”.

Crédito das fotos

Graphic from Open Doors, edited.

Image by etanliam from Flickr, edited.

Image by Imagens Evangélicas from Flickr, edited.

Author's Bio

Gavin Wood

Gavin Wood é pastor há 32 anos. Foi o presidente do Conselho da missão Portas Abertas no Sudeste da África. Gavin e sua esposa, Jocelyn, estão casados há 33 anos e têm três filhos adultos.

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