A perseguição de cristãos é definida como qualquer hostilidade do mundo contra uma pessoa apenas por se identificar como cristã. De assédio verbal aos sentimentos de hostilidade, atitudes e ações, cristãos em áreas com restrições religiosas rigorosas pagam um preço alto pela sua fé. Espancamentos, tortura física, confinamento, isolamento, estupros, punições severas, encarceramento, escravidão, discriminação na educação e na busca de empregos e até morte são algumas formas de perseguição que cristãos vivem diariamente. De acordo com a organização Portas Abertas, um ministério internacional que ajuda cristãos perseguidos ao redor do mundo, somente no último ano:
Mais de 360 milhões de cristãos vivem em lugares com altos níveis de perseguição e discriminação.
5.898 cristãos foram mortos por causa da sua fé.
5.110 igrejas e outros edifícios cristãos foram atacados.
6.175 crentes foram detidos sem julgamento, sentenciados ou encarcerados.
3.829 cristãos foram sequestrados[1].
A Nigéria nos olhos do mundo
A organização Portas Abertas descreve a Nigéria como um dos lugares mais difíceis de ser um cristão no mundo contemporâneo. Em 2015, a Portas Abertas conseguiu registrar no país 4.028 homicídios e 198 ataques contra igrejas. No ano anterior foram identificados 2.484 homicídios e 108 ataques contra igrejas. Estima-se que 30 milhões de cristãos no norte da Nigéria formam o maior grupo minoritário em uma sociedade de maioria islâmica e eles estão em risco de perseguição violenta. De acordo com o relatório, “Durante décadas, os cristãos na região sofreram com marginalização e discriminação, assim como violência específica.”[2] Na missa fúnebre do seminarista Michael Nnamadi no Seminário Good Shepherd em Kaduna, o bispo católico Matthew Hassan Kukah descreveu o norte da Nigéria como “um grande cemitério, um vale de ossos secos, a parte mais sórdida e bruta da Nigéria”.
2,484
homicídios em 2014
108
ataques contra igrejas em 2014
4,028
homicídios em 2015
198
ataques contra igrejas em 2015
Em 1966, as Nações Unidas desenvolveram o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP) além da Declaração Universal dos Direitos Humanos. O artigo 18 do PIDCP foca em quatro elementos da liberdade religiosa. Além de a Nigéria ser signatária do pacto, o espírito desse pacto está enraizado na constituição da nação. Infelizmente a realidade é diferente. De acordo com o THISDAYLive de 4 de fevereiro de 2017, “A Câmera dos Deputados dos Estados Unidos se referiu à Nigéria como o local mais perigoso para cristãos no mundo e que a impunidade dos responsáveis pelos assassinatos de cristãos no país parece ‘disseminada’”. [3] Na Lista Mundial da Perseguição de 2022, a Portas Abertas posiciona a Nigéria em 7º lugar, entre 50 países onde os cristãos estão passando por perseguição extrema ou muito alta. De acordo com a pesquisa, existe mais perseguição contra os cristãos na Nigéria do que na Arábia Saudita – o centro espiritual do islamismo. A Nigéria está em 4º lugar na lista de perseguição no continente africano, logo atrás de estados islâmicos e totalitários como a Somália, Líbia e Eritreia. [4]
A perseguição de cristãos na Nigéria e o papel do governo
O aumento da falta de segurança na Nigéria nos anos recentes atingiu um estado alarmante. Execuções extrajudiciais de cidadãos inocentes e destruição arbitrária de propriedades ocorrem diariamente. O governo nigeriano sempre diz que a situação está sob controle, mas a realidade é bem diferente. Além da violência cometida contra vidas humanas por grupos terroristas como Boko Haram e Estado Islâmico na África Ocidental (EIAO), banditismo, raptos e sequestros, roubos à mão armada, o crescimento de seitas, conflitos comunitários, abigeato, conflitos entre vaqueiros e fazendeiros se tornaram comuns na Nigéria. Infelizmente, o governo do presidente Muhammadu Buhari não está conseguindo controlar essa crise.
A liderança da Associação de Cristãos da Nigéria (ACN) vêm denunciando as táticas dos insurgentes de colocar os cristãos e suas igrejas no centro do seu alvo. A indignação popular atingiu seu ápice após a execução pública do Reverendo Lawan Andimi e do estudante Daciya Dalep, da Universidade de Maiduguri. O Reverendo Lawan Andimi foi martirizado no dia 21 de janeiro de 2020, até então ele era presidente da ACN para o governo local de Michika no Estado de Adamawa. Seu sequestro durou cerca de uma semana e os sequestradores exigiram um resgate de N800.000.000 (aproximadamente 2 milhões de Euros). O grupo insurgente Boko Haram decapitou o membro do clero cruelmente, mesmo após a liderança da ACN oferecer o pagamento de resgate no valor de N50.000.000 (cerca de 128 mil euros). Para piorar ainda mais a situação, um vídeo perturbador do homicídio foi liberado ao público pelos carrascos. Desde que vi aquele vídeo, não consigo parar de pensar no trauma sofrido pela sua família e queridos.
O vídeo terrível desencadeou indignação em massa sobre a perseguição de cristãos na Nigéria. A liderança da ACN declarou três dias de jejum e oração contra o aumento no número ataques contra cristãos. No último dia, cristãos e líderes de igrejas de toda a nação realizaram um protesto pacífico convocando o governo a tomar uma ação. Além da ACN, diversas organizações locais, nacionais e internacionais, como Muslim Rights Concern (em tradução livre: “Questão dos Direitos Islâmicos”) e indivíduos com proeminência como o Pastor E.A. Adeboye e o Sultão de Sokoto, condenaram o assassinato do Rev. Andimi e o aumento da falta de segurança na Nigéria.
O The Northern Elders ForumNorthern Elders Forum (“Fórum de Anciãos do Norte”, em tradução livre) um grupo sociopolítico formado por personalidades eminentes do norte da Nigéria, também condenou o homicídio de cristãos. Isso é interessante porque a maioria desses indivíduos são muçulmanos. O professor Ango Abdullahi, que convocou o Fórum, disse: “O governo atual liderado pelo Presidente Muhammadu Buhari falhou em proteger seus cidadãos contra os ataques incessantes de bandidos e grupos terroristas.”[5] O grupo condenou as táticas dos insurgentes que agem contra cristãos e também a divulgação de vídeos de suas execuções. Eles apelaram também aos líderes religiosos, pedindo que não sucumbissem aos esforços dos insurgentes em tornar um grupo religioso contra o outro.
Infelizmente as tentativas de convencer a administração de Buhari a tomar uma atitude mais robusta contra a violência não obtiveram sucesso. Por exemplo, o assessor especial de mídia e publicidade do Presidente Buhari, o Sr. Femi Adesina, refutou a fala do Fórum de Anciãos do Norte sobre as execuções de cristãos na Nigéria, dizendo que tomaram essa posição por “odiarem o Presidente Muhammadu Buhari.”[6] O Sr. Femi Adesina foi questionado por defender cegamente as ações do Presidente e de sua administração. Um desses questionamentos veio de Aisha Yesufu, um muçulmano devoto e co-convocador do grupo “Bring back our girls” (“Traga nossas garotas de volta”, em tradução livre), que lançou um vídeo[7] questionando a afirmação do Sr. Femi que o número de homicídios havia diminuído durante a administração Buhari quando comparado à presidência de Goodluck Jonathan.[8] Os nigerianos recebem comentários defensivos desse tipo quando falam a verdade, especialmente quando o assunto é sensível como a segurança pública de todos os cidadãos, cristãos ou não.
Os assassinatos arbitrários de cristãos por grupos de rebeldes continuam como antes. Após o escândalo dos assassinatos de Andimi and Dalep, quatro seminaristas do Seminário Good Shepherd Major em Kakau, Kaduna, foram sequestrados por homens armados. Três deles foram libertados após alguns dias e o corpo do quarto membro do grupo, Michael Nnadi, foi encontrado no dia 1o de fevereiro de 2020. No mesmo dia, o corpo do Sr. Bola Ataga foi encontrado em Sabon Tasha após passar 7 dias em cativeiro. Ele e suas duas filhas (de 8 e 3 anos de idade) foram sequestrados no dia 24 de janeiro de 2020. Os sequestradores exigiram que sua família pagasse um resgate de N120.000.000. As crianças foram soltas mais tarde, mas não está claro se foi feito algum pagamento. Estes são somente alguns dos inúmeros assassinatos focados nos cristãos que aconteceram nos últimos anos.[9] Quaisquer que sejam os detalhes de cada caso, com o aumento no número de sequestros e homicídios, é impossível não sentir o esforço sistêmico de repressão da presença pública do cristianismo na Nigéria.
O que a Bíblia diz sobre a perseguição de cristãos?
A perseguição de cristãos não é novidade para a igreja. Pedro e João diante do Sinédrio, Estevão, Paulo e Silas, Sadraque, Mesaque, Abede-Nego e Daniel são alguns exemplos de cristãos que sofreram por causa de sua fé em Deus. Os cristãos já foram avisados e devem se preparar para sofrer pelo evangelho quando necessário. A Bíblia, no entanto, avisa que o sofrimento deve ser pela justiça. Em João 15.20, Jesus avisa seus discípulos que se aqueles que estão em busca do poder o sujeitaram à perseguição, com certeza irão perseguir seus seguidores. Em João 16, Jesus encoraja seus seguidores a se manterem firmes na fé. Jesus ordena compaixão pelos perseguidores, pois são cegos à verdade, e, em última instância, pede que os discípulos não tenham medo daqueles que podem matar o corpo, mas não podem matar a alma, pois a recompensa final é o paraíso.
Paulo desafia radicalmente os cristãos de Roma em sua carta aos Romanos (Rm 12.20-21) pedindo que ajam de forma benevolente com relação aos seus perseguidores. “Se o seu inimigo tiver fome, dê-lhe de comer; se tiver sede, dê-lhe de beber. Fazendo isso, você amontoará brasas vivas sobre a cabeça dele.” Quando Paulo é atacado, ele usa a lei do país para se defender, aplicando essa defesa para continuar a compartilhar o evangelho. Ele apela à autoridade máxima: César, e enquanto espera ver o imperador espalha o evangelho na corte imperial e na prisão; ele também cria espaço para a causa cristã ser levada mais longe naquele momento e ao longo da história.
Essa perspectiva é muito importante para os cristãos. Por um lado, não devemos buscar a vingança, isso pertence ao Senhor. Por outro lado, como cidadãos das nações onde Deus nos colocou, devemos buscar a justiça, especialmente porque se não o fizermos, os mais vulneráveis continuarão a sofrer perseguições violentas.
Conclusão
Gideon Para-Mallam escreveu sobre um assunto semelhante e fez recomendações sábias.[10] Abaixo estão algumas recomendações adicionais que eu gostaria de fazer:
- Quer os alvos sejam pessoas cristãs ou não, a sociedade toda está sofrendo com esses sequestros, assassinatos e pedidos de pagamento resgate. Líderes religiosos, líderes cristãos, líderes tradicionais e a comunidade cristã como um todo são indivíduos pacíficos e deveriam se unir e denunciar os atos de maldade que estão acontecendo na Nigéria. Devemos usar tudo que temos à nossa disposição para denunciar a perseguição de cristãos na Nigéria. A igreja deve continuar a instigar o governo a agir até que nosso país esteja livre da execução cruel de pessoas inocentes.Os cristãos devem participar com empenho de ativismo sociopolítico em todos seus níveis ou corremos o risco de acidentalmente sermos alvo de exclusão dos corredores de poder. Todos que já estão em uma posição de autoridade não deveriam se envergonhar ao denunciar as injustiças sofridas por grupos religiosos e minoritários.Os líderes da Associação de Cristãos da Nigéria deveriam fomentar união entre os cristãos do país todo e evitar um estilo de liderança que diminui a posição da igreja sobre questões sérias.Por último, precisamos urgentemente que mais organizações de fé adicionem suas vozes à esta causa. Precisamos do compromisso da comunidade internacional em responder ativa e energicamente à perseguição de cristãos na Nigéria.[11]
Notas finais
- ‘World Watch List 2022,’ Open Doors, accessed February 15, 2022, https://www.opendoorsusa.org/christian-persecution/world-watch-list/.
- Jannella P, ‘Killing of Christians in Nigeria has increased by 62%,’ Open Doors, March 1, 2016, https://www.opendoorsusa.org/christian-persecution/stories/killing-of-christians-in-nigeria-has-increased-by-62/.
- Yemi Adebowale, ‘Nigeria “Cited Most Dangerous Place for Christians in the World”, Says US Congress’ in THISDAYLive, February 4, 2017, https://www.thisdaylive.com/index.php/2017/02/04/nigeria-cited-most-dangerous-place-for-christians-in-the-world-says-us-congress/.
- ‘World Watch List 2022,’ Open Doors, accessed February 15, 2022, https://www.opendoorsusa.org/christian-persecution/world-watch-list/.
- ‘Buhari Has Failed in the Vital Area of Improving Security – Northern Elders Forum,’ Channels Television, February 9, 2020, https://www.channelstv.com/2020/02/09/buhari-has-failed-in-the-vital-area-of-improving-security-northern-elders-forum/.
- Johnson Agbakwuru, ‘Northern Elders Forum Lacks Credible Membership,’ Vanguard, February 10, 2020, https://www.vanguardngr.com/2020/02/northern-elders-forum-lacks-credible-membership-%E2%81%A0-presidency/.
- Aisha Yusufu, ‘In 2015 Nigeria Was Not the Poverty Capital of the World,’ January 27, 2020, https://twitter.com/Turakies/status/1221806266894508032.
- Wale Odunsi, ‘Boko Haram: Femi Adesina Blasts CAN for Attacking Buhari Over Lawan Andimi’s Execution,’ Daily Post, January 24, 2020, https://dailypost.ng/2020/01/24/boko-haram-femi-adesina-blasts-can-for-attacking-buhari-over-lawan-indimis-execution/.
- ‘Nigeria,’ Open Doors, accessed February 11, 2020, https://www.opendoorsusa.org/christian-persecution/world-watch-list/nigeria/ .
- Gideon Para-Mallam, ‘Uma ameaça existencial ao cristianismo na Nigéria?’ Análise Global de Lausanne, julho de 2019, https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2019-07-pt-br/uma-ameaca-existencial-ao-cristianismo-na-nigeria.
- Nota da Editora: Ver o artigo de Yousaf Sadiq: “Como devemos responder à perseguição de cristãos?” na edição de janeiro de 2019 da Análise Global de Lausanne, https://lausanne.org/pt-br/recursos-multimidia-pt-br/agl-pt-br/2019-01-pt-br/como-devemos-responder-a-perseguicao-de-cristaos.
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‘Milice d’autodéfense Nigeria 2015‘ by VOA Public Domain
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