Global Analysis

O uso de IA na igreja

Todd Korpi out 2025

Introdução

As variadas expressões da inteligência artificial têm desempenhado, há décadas, um papel determinante na evolução do comércio e da comunicação. Sempre que uma busca no Google exibe um produto ou um feed de rede social sugere uma música, estão em ação os algoritmos de aprendizado de máquina. No final de 2022, contudo, o lançamento público do ChatGPT, da OpenAI, trouxe a IA para o centro da atenção pública e acelerou o ritmo da inovação. Esse avanço despertou novos questionamentos em pastores e líderes missionários: Como esses recursos e ferramentas podem contribuir para a participação da igreja na missão de Deus? Que aspectos a tecnologia desafia os princípios centrais da igreja? Que tipo de comunidade nos tornaremos se não agirmos com discernimento e sabedoria em relação a esses desafios?

Perspectivas cristãs sobre o uso de IA na igreja

Boa parte das discussões iniciais tem se concentrado no uso da IA generativa para a preparação de sermões ou o planejamento do culto. Há uma preocupação legítima de que pastores possam delegar parte de seu trabalho a uma máquina, resultando em sermões que parecem sofisticados, mas carecem de sensibilidade pastoral e discernimento espiritual. No entanto, os dados indicam que a maioria dos pastores encara a IA como uma ferramenta, não como um pregador substituto.

Em um estudo do grupo de pesquisas Barna, conduzido em 2024, 88% dos pastores relataram se sentir à vontade usando IA para design gráfico, 78% para marketing e 70% para controle de presença.1 No entanto, menos da metade se sentia confortável em usar a IA em pesquisas para sermões, e apenas 12% afirmaram que a usariam para redigir um sermão.2 A preparação do culto (planejamento ou composição de músicas de adoração, da ordem litúrgica ou das orações, uso de personagens criados por IA em vídeo (como fizeram algumas igrejas na Finlândia3 e na Alemanha4 ou com aplicativos como o Virbo AI para criar “influenciadores”5 inspirados em personagens bíblicos) não apareceu como uma tendência entre os pastores.

Apesar da visibilidade que alguns experimentos ministeriais com IA ganharam na mídia e nas redes, eles parecem permanecer no campo da experimentação. Em vez de sinalizar o fim da pregação e da adoração conduzidas por pessoas, esses eventos evidenciam que embora a novidade atraia os holofotes, as congregações e os pastores permanecem cautelosos.6 Isso não significa, porém, que a igreja possa ignorar a IA. A tecnologia está se infiltrando rapidamente na administração, na comunicação e no discipulado. E, por tocar dimensões profundamente humanas, a IA convida a uma reflexão ética fundamentada no evangelho.

Dilemas éticos para a igreja na era da inteligência artificial

Viés e inclusão

Os dados que alimentam a IA não apenas tendem a conter informações falsas ou incompletas como também representam de forma insuficiente regiões e grupos populacionais com acesso menos confiável (ou mais lento) à internet. Costumam estar incluídas aqui culturas do chamado “mundo majoritário”, os que vivem em situação de pobreza, minorias étnicas, pessoas com deficiência, entre outros.7 A IA vem sendo incorporada a soluções administrativas para igrejas, permitindo avaliar o nível de engajamento dos membros, acompanhar jornadas de formação espiritual, recomendar conteúdos de discipulado e sugerir grupos pequenos com base em perfis individuais, entre outras funções. Embora isso tenha um enorme potencial positivo, os líderes da igreja precisam lidar com a natureza imperfeita das análises e recomendações geradas por essas ferramentas e refletir sobre como tendências e sugestões podem deixar de fora pessoas de grupos sub-representados nos dados, mas cuja presença na congregação e na comunidade como um todo continua sendo valiosa.

os líderes da igreja precisam lidar com a natureza imperfeita das análises e recomendações geradas por essas ferramentas e refletir sobre como tendências e sugestões podem deixar de fora pessoas de grupos sub-representados nos dados,

A idolatria do utilitarismo e do pragmatismo

A IA, como outras tecnologias digitais, corre o risco de perpetuar a visão dos membros das igrejas como usuários e consumidores, das comunidades como fatias de mercado e da vida da igreja como uma rede de sistemas. Embora possa auxiliar no discipulado cristão, a IA também pode limitar o crescimento espiritual de uma pessoa ao simples consumo de conteúdo, sem promover a abordagem mais holística de crescimento teológico incentivada pela liderança da igreja local. Ela pode ajudar os que buscam no ambiente digital a se conectar com uma igreja local, mas também pode, de forma não intencional, estimular uma mentalidade na qual a missão é reduzida a uma estratégia de marketing. E, embora a IA possa melhorar a capacidade de expansão, a eficiência e a rapidez dos processos, essas considerações pragmáticas não levam em conta o que podemos estar negligenciando ao adotá-la sem discernimento: aspectos insubstituíveis como conexão, significado, sabedoria e reflexão. Os líderes cristãos precisam avaliar não apenas o que se ganha, mas também o que se perde com a adoção da IA, e priorizar os benefícios que promovem o crescimento da comunidade e a comunhão com Deus.

Os líderes cristãos precisam avaliar não apenas o que se ganha, mas também o que se perde com a adoção da IA, e priorizar os benefícios que promovem o crescimento da comunidade e a comunhão com Deus.

O paradoxo do esforço8

Como descrito em Gênesis 3, um dos resultados dolorosos da rebelião humana é o trabalho árduo. Ao longo da história, os seres humanos criaram tecnologias para aliviar o peso desse esforço, compreendendo de forma instintiva que os efeitos do pecado não fazem parte do plano perfeito de Deus para sua criação. No entanto, como o cão que retorna ao seu vômito (Pv 26.11), os seres humanos, historicamente, têm preenchido o tempo livre proporcionado pela tecnologia com ainda mais trabalho. Então, embora tecnologias mais modernas como o e-mail ou o smartphone prometessem nos permitir realizar tarefas mais rapidamente, acabamos preenchendo o tempo economizado com ainda mais atividades, tornando-nos, na prática, mais ocupados do que antes. Assim como as tecnologias do passado, a IA promete automatizar as partes tediosas da existência humana para que possamos encontrar mais tempo e significado. No entanto, se não formos criteriosos, acabaremos apenas tornando nossas vidas ainda mais aceleradas e sobrecarregadas. A questão que se apresenta aos líderes da igreja é: como discipular as congregações confiadas a nós de modo a utilizar o tempo extra proporcionado pela IA para promover significado e gerar valor nas comunidades ao nosso redor?

Inteligência artificial e a missão de Deus

O potencial missionário da IA é vasto. A tradução automática acelera a distribuição da Bíblia em línguas minoritárias. Os chatbots são capazes de alcançar pessoas no ambiente online onde missionários humanos não têm acesso. Sistemas automatizados podem identificar necessidades no contexto de uma comunidade e conectar voluntários para supri-las. No entanto, essas oportunidades não eliminam o chamado da igreja para fazer discípulos por meio da presença encarnada e do testemunho relacional. Elas convidam a igreja a administrar a tecnologia com sabedoria, garantindo que a IA complemente – não substitua – a ação humana.

Na era da inteligência artificial, a igreja local pode se tornar um farol de estabilidade e esperança, demonstrando o que significa amar a Deus e o próximo de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todo o nosso entendimento e de todas as nossas forças.

Os líderes missionários são chamados a agir profeticamente. Podem defender o desenvolvimento de tecnologias de IA que honrem a dignidade humana e reflitam a justiça de Deus. Podem resistir a tecnologias que promovam mais injustiça ou perpetuem preconceitos. Podem agir de forma colaborativa entre tradições e disciplinas para elaborar estruturas éticas fundamentadas no mandamento do amor. Podem discipular congregações para que sejam presenças sábias e serenas em uma cultura de mudanças rápidas, apontando sempre para Cristo, que é o mesmo ontem, hoje e para sempre. Na era da inteligência artificial, a igreja local pode se tornar um farol de estabilidade e esperança, demonstrando o que significa amar a Deus e o próximo de todo o nosso coração, de toda a nossa alma, de todo o nosso entendimento e de todas as nossas forças.

Notas finais

  1. Barna Group. “‘Three Takeaways on How Pastors Can Use AI,’” Barna Group, February 22, 2024. https://www.barna.com/research/pastors-use-ai/.
  2. Barna Group. “‘Three Takeaways on How Pastors Can Use AI,’” Barna Group, February 22, 2024. https://www.barna.com/research/pastors-use-ai/.
  3. Dasha Litvinova and Kostya Manenkov. “What One Finnish Church Learned from Creating a Service Almost Entirely with AI,” Associated Press. March 8, 2024. https://apnews.com/article/finland-lutheran-church-artificial-intelligence-64135cc5e58578a89dcbaf0c227d9e3e.
  4. Evangelical Focus. “‘First Artificial Intelligence led worship service tested in Germany,’” Evangelical Focus, June 13, 2023. https://evangelicalfocus.com/life-tech/22376/first-ai-led-worship-service-tested-in germany#:~:text=Around%20300%20people%20joined%20an,created%20and%20performed%20by%20machines.&text=A%20moment%20of%20the%20AI,Photo%3A%20Deutscher%20Evangelischer%20Kirchentag%20Nürnberg.
  5. Wondershare. “Bible Influencer Generator,” n.d. https://virbo.wondershare.com/ai-bible-influencer.html.
  6. Barna Group. “‘How U.S. Christians Feel about AI & the Church,’” Barna Group, November 8, 2023. https://www.barna.com/research/christians-ai-church/.
  7. Korpi, Todd. AI Goes to Church: Pastoral Wisdom for Artificial Intelligence. (Lisle, IL: IVP, 2025),166-22; cf. AI: The Next Culture Shift – Alabama Baptist State Board of Missions – ALSBOM. AI. July 3, 2025. https://alsbom.org/ai-the-next-culture-shift/.
  8. Korpi, AI Goes to Church, 140-44.