Nota da Editora: Este artigo é a terceira de uma série de quatro partes sobre evangelismo no local de trabalho. Na Parte 1, argumentamos que o campo missionário mais estratégico hoje é o local de trabalho. Na Parte 2, discutimos “como fazer”: De que forma os cristãos que não têm o dom do evangelismo podem compartilhar o evangelho de forma eficaz em seu local de trabalho? Na Parte 3 desta série, vamos examinar os fatores que estabelecem uma comunicação sábia e identificar momentos apropriados para falar sobre fé no ambiente de trabalho. Na Parte 4, apresentaremos uma maneira sutil, porém convincente, de promover conversas sobre o evangelho no trabalho, avaliar o interesse espiritual de uma pessoa e despertar sua curiosidade sobre a fé cristã.
“Os principais agentes da expansão do cristianismo parecem não ter sido aqueles que fizeram do cristianismo sua profissão… mas sim homens e mulheres que continuaram a lutar por sua subsistência de maneira puramente secular e, de forma natural, falaram de sua fé àqueles que encontraram.”[1]—Kenneth Scott Latourette, Church Historian
“Evangelismo não é a minha praia”, repetiu Jim, de 40 anos, quando um amigo o incentivou a participar de uma viagem missionária de curto prazo à América Latina. Vencido pelo sentimento de culpa, seis semanas depois, um relutante Jim embarcou no avião com seu amigo e outras 13 pessoas.
Na chegada, o líder da missão deu um breve treinamento sobre como compartilhar o evangelho. Em seguida, o grupo foi dividido em duplas para que pudessem, com a ajuda de um intérprete, abordar as pessoas de casa em casa. Os moradores locais, fascinados com a oportunidade de conhecer americanos, se aglomeravam em pequenos espaços para ouvir o que Jim e a equipe tinham a dizer.
Como resultado do vácuo espiritual e da crise financeira, ambos gerados pelo comunismo, havia uma fome espiritual generalizada, por isso muitos depositavam sua confiança em Cristo assim que ouviam as boas novas. Pela primeira vez na vida, Jim experimentava a alegria de ser usado por Deus para levar as pessoas à fé em Cristo.
No final da viagem, o líder da missão lembrou os membros da equipe de que as pessoas em seu país de origem também estavam famintas pelo evangelho. Ele os desafiou a falar com ousadia sobre sua fé no local de trabalho, na expectativa de que Deus operaria maravilhas.
Jim retornou ao seu local de trabalho com um novo senso de missão. Interpretava cada pergunta que seus colegas lhe faziam sobre a viagem como uma oportunidade para compartilhar seu testemunho e a mensagem do evangelho, assim como havia feito durante a viagem. A resposta, no entanto, não foi tão animadora. Alguns colegas ouviam educadamente, outros começaram a evitá-lo. Um deles até irritou-se e perguntou: “Se a sua fé em Cristo é a coisa mais importante na sua vida, por que só agora você está nos falando sobre ela?”
Constrangido e desanimado, Jim decidiu nunca mais falar sobre sua fé no ambiente de trabalho. Ele testemunharia somente com suas atitudes e deixaria que os evangelistas profissionais anunciassem a mensagem do evangelho.
Não importa o nível de desconforto que sentimos quando partilhamos a fé cristã no ambiente de trabalho, a Bíblia é clara sobre a nossa responsabilidade de tornar Cristo conhecido. No Sermão da Montanha, Jesus chamou os seus discípulos de luz do mundo – algo visível, não encoberto.[2]
Alguns cristãos, no entanto, acreditam que podem cumprir o chamado de Cristo para serem suas testemunhas simplesmente pela forma como vivem – sem necessidade de qualquer explicação sobre a razão de viverem dessa forma. Eles recorrem às palavras de São Francisco: “Pregue o evangelho em todos os momentos, e quando necessário, use palavras”[3] – quando preferem não iniciar conversas com não cristãos para anunciar sua fé. Indivíduos que acreditam que sua vida fala por si são ingênuos ou hipócritas. Ninguém vive todos os dias de tal forma que apenas suas ações sejam suficientes para testemunhar a graça de Jesus.[4]
A conduta que honra e reflete Cristo – por meio da competência, do caráter, da fidelidade e do interesse – é parte vital do que significa ser uma testemunha,[5] mas as palavras também desempenham um papel importante. O apóstolo Pedro explicou:
Antes, santifiquem Cristo como Senhor no coração. Estejam sempre preparados para responder a qualquer que lhes pedir a razão da esperança que há em vocês. Contudo, façam isso com mansidão e respeito […] (1Pe 3.15,16)
Devemos estar sempre prontos e dispostos a falar sobre a nossa fé. Mas observe que Pedro incluiu uma ressalva: devemos responder a todos os que pedirem [ou perguntarem] a razão da nossa esperança. Há “tempo de calar e tempo de falar”[6] — e é preciso sabedoria e sensatez para saber a diferença. Como são as conversas sábias no local de trabalho? Aqui estão seis diretrizes a considerar
Conversas sábias levam em consideração a abertura da pessoa às questões espirituais
As ervas daninhas, as pedras e o solo compactado impedem que as sementes do evangelho sejam semeadas.
Adultos incrédulos muitas vezes enfrentam barreiras significativas que endurecem os seus corações. Essas barreiras podem ser de origem intelectual, como as perguntas do tipo: “Por que Deus permite o mal e o sofrimento?” Mas também podem ser barreiras emocionais – indiferença, desconfiança, antagonismo ou mesmo medo de cristãos ou do cristianismo – que fecham os ouvidos espirituais dos colegas de trabalho e os impedem de ouvir o evangelho como a boa nova que de fato é.
Experiências negativas com grupos religiosos ou cristãos intolerantes e preconceituosos também criam essas barreiras emocionais. Mesmo cristãos bem-intencionados com uma abordagem excessivamente dura podem estimular a desconfiança ou gerar raiva, criando assim mais barreiras. Por outro lado, o Espírito Santo pode usar nosso caráter, competência, fidelidade e interesse para derrubar as barreiras emocionais e quebrantar corações endurecidos.[7] Kristin, por exemplo, enfrentou a crise econômica de 2008 ocupando uma posição de destaque no grupo Lehman Brothers. À medida que a situação ficava mais sombria, seus colegas passaram a comentar sobre sua postura sempre tranquila. Ela estava tão vulnerável quanto todos os outros, mas aquietou seus temores e desempenhou o seu trabalho confiante de que Cristo estava no controle. Isso chamou a atenção dos colegas de trabalho que antes não tinham interesse em conversas espirituais, possibilitando a Kristin várias oportunidades de compartilhar sua confiança em Cristo, apesar do que acontecia em seu local de trabalho.
Conversas sábias expressam graça, não críticas
Não deveríamos ficar surpresos quando colegas de trabalho fazem escolhas pecaminosas, usam linguagem ofensiva, defendem e praticam estilos de vida repugnantes e destrutivos, e são abertamente hostis ao evangelho. Jesus foi claro: “Se o mundo os odeia, tenham em mente que antes odiou a mim”.[8] Afinal, sem Cristo, estamos todos espiritualmente mortos, presos ao pecado, cativos de Satanás e incapazes de responder proativamente ao evangelho.[9]
Certas condutas, é claro, não podem ser toleradas em nenhum local de trabalho e devem ser confrontadas com toda a seriedade. Não estamos propondo aqui tolerância à conduta pecaminosa. Mas isto posto, se assumirmos uma postura de criticar as escolhas morais, a conduta e o estilo de vida dos colegas fora do local de trabalho, usurpamos a função do Espírito Santo. A condenação e a purificação são parte da obra do Espírito, não da nossa.[10]
Pense na atitude de Jesus para com os pecadores, como a mulher flagrada em adultério. Ele foi firme, mas também gentil e compassivo.[11] Considerava a mulher uma vítima do inimigo, e não o próprio inimigo.
Devemos ter em mente que estamos lidando com pessoas criadas à imagem de Deus – por mais distorcidas, desfiguradas ou irreconhecíveis que possam estar – e nosso papel é responder de forma apropriada.
Uma palavra graciosa quando alguém espera receber críticas pode surpreender, despertar a curiosidade e abrir espaço para uma discussão mais profunda sobre a fé.
Conversas sábias transformam perguntas e objeções em oportunidades, não em debates
As objeções podem ser ao próprio evangelho ou a um princípio específico da fé cristã, como a moralidade sexual, o aborto, a homossexualidade ou uma questão política ou um candidato político controverso que está associado ao cristianismo. Qualquer que seja o assunto e o tom, devemos tratar cada indivíduo de uma maneira digna de Cristo – o que, às vezes, é mais fácil falar do que fazer.
Sentimentos fortes sobre as nossas próprias crenças podem nos levar a ver os colegas de trabalho como combatentes – uma estratégia fundamental no plano de batalha de Satanás. É um retrocesso para o evangelho quando as discussões se tornam debates acalorados. No entanto, se oferecermos uma resposta graciosa e intelectualmente humilde, as pessoas estarão mais abertas a prosseguir com o diálogo.[12]
Conversas sábias concentram-se no que sabemos, não no que desconhecemos
Mesmo quando temos a atitude correta, podemos não ter resposta para a pergunta ou objeção do nosso colega não cristão. O conhecimento bíblico e uma boa compreensão da apologética são valiosos, porém não são requisitos para ser uma testemunha de Cristo. O que se exige é que conheçamos a nossa própria história – como o endemoninhado que Jesus curou.
“Vá para casa, para a sua família e anuncie-lhes quanto o Senhor fez por você e como teve misericórdia de você”. Então, aquele homem se foi e começou a anunciar em Decápolis quanto Jesus tinha feito por ele. Todos ficavam admirados”. (Mc 5.19–20).
Outro exemplo é o homem cego de nascença (Jo 9). Não tinha credenciais ou treinamento para fazer evangelismo, mas podia contar às pessoas com segurança o que Jesus havia feito por ele. Assim como esses dois testemunhos da graça de Deus, todos nós temos o que é preciso para sermos testemunhas de Cristo: a nossa própria história de fé.
Conversas sábias envolvem ouvir e observar, não apenas falar
Para Tim Keller, toda apresentação eficaz do evangelho não apenas descreve o que Cristo fez por nós na cruz, mas também explica como ele atende aos anseios específicos do coração. Não devemos proclamar a verdade no vácuo – ela deve ser apresentada como uma resposta à fome do coração de alguém em especial.[13] E discernir os anseios profundos de uma pessoa exige tempo e uma escuta cuidadosa – menos sermão e mais diálogo. Forçar uma apresentação inflexível e insensível do evangelho antes de descobrir como Cristo pode atender às necessidades específicas de uma pessoa é um desrespeito à própria pessoa, bem como à obra e capacidade do Espírito Santo de agir no tempo e espaço, e um insulto à prerrogativa do Pai.[14]
O escritor e missionário Richard Ramsey afirma que devemos dedicar tempo para aprender mais sobre uma pessoa.
As pessoas são como casas. Têm janelas e portas nas paredes do seu coração. Embora um não cristão talvez tente proteger sua casa contra a mensagem do evangelho, quando o Espírito Santo começa a agir no seu coração, abre-se um caminho para o interior da casa. Em vez de bater continuamente na mesma porta, devemos reservar um tempo para caminhar ao redor da casa procurando uma abertura apropriada para entrar. Essa abertura pode ser uma questão intelectual, um sentimento de incerteza, um momento de reflexão espiritual ou uma tragédia pessoal.[15]
Jim Petersen, que por um longo tempo serviu com a organização The Navigators no Brasil, nos lembra que a jornada de uma pessoa em direção a Cristo raramente é composta de um gigantesco salto de fé, mas de uma série de pequenas decisões, “uma infinidade de pequenas escolhas – minidecisões que uma pessoa toma em direção a Cristo”.[16]
Nosso trabalho no evangelismo não é forçar um grande salto de fé, mas observar o que o Espírito está fazendo na vida de uma pessoa e nos unirmos a ele para ajudar essa pessoa a dar o próximo pequeno passo em direção a Cristo. Conversas sábias sobre a fé assemelham-se menos a sermões e mais a diálogos que buscam identificar anseios profundos que podem ser uma porta ou janela aberta para a entrada do evangelho.
Esteja presente na vida da pessoa fora do local de trabalho
Algumas dessas portas e janelas abertas são identificadas com maior facilidade quando estamos presentes em momentos importantes – e alguns nem tão importantes – fora do local de trabalho. O simples fato de estarmos presentes em ocasiões sociais, como festas, eventos esportivos, casamentos, programas infantis, crismas, batizados (sim, muitos seguem esses ritos religiosos), Bar Mitzvás, formaturas e outros eventos, expressa claramente a nossos amigos que nos importamos com eles.
Eu (Jerry) vou a muitos eventos com incrédulos, muitas vezes, apenas na expectativa de que surja uma oportunidade. Costumo orar: “Senhor, peço que haja uma conversa que abra uma porta para a vida de alguém”. Certa vez, sentei-me ao lado de um colega e simplesmente perguntei: “Bob, como vão as coisas?” “Terríveis”, ele respondeu. “Minha esposa foi diagnosticada com Alzheimer e estou muito deprimido”. Essa não foi uma conversa isolada, mas aconteceu depois de anos de interação profissional e pessoal. Tempos difíceis — enfermidades e mortes na família — são momentos críticos nos quais as pessoas pensam na eternidade. Se reservarmos um tempo para “caminhar ao redor da casa”, como sugere Richard Ramsey, e para ouvir a sua história, poderemos descobrir uma abertura para uma conversa espiritual positiva, uma porta que antes estava fechada e bem trancada por dentro. Fique atento. Esteja presente. E observe o que Deus está fazendo.
Calculando o custo
Enquanto reflete sobre essas orientações, lembre-se que a maioria dos cristãos compreende que as conversas sobre fé não devem afastar ou distrair as pessoas do trabalho pelo qual são remuneradas. As conversas também não devem ir adiante quando a pessoa está incomodada. Essas são as mais fáceis. No entanto, os locais de trabalho de hoje, que são mais diversificados espiritualmente do que nunca e muitas vezes politicamente hostis, apresentam aos cristãos uma infinidade de questões sobre o que é legal, o que é permitido, além do que é apropriado – e isso varia conforme o país e até conforme o local de trabalho. Nos Estados Unidos, por exemplo, não é proibido falar sobre a fé no ambiente de trabalho. Pode ser até ilegal uma empresa proibir conversas religiosas – com algumas restrições.[17] Certamente não é assim em alguns países.[18]
Os primeiros cristãos estavam dolorosamente conscientes de que o seu testemunho de fé poderia representar, como ainda acontece hoje com alguns cristãos, uma questão de vida ou morte. Embora seja difícil e pessoalmente dispendioso enfrentar a vergonha pública e o fato de ser considerado um pária no trabalho por discordar de certos estilos de vida ou apoiar o candidato político “errado”, um cristão dificilmente será crucificado, decapitado, queimado na fogueira ou lançado aos leões. Somos encorajados a testemunhar, como o fizeram homens e mulheres de Deus, entre eles Daniel e Ester no Antigo Testamento e muitos santos da igreja primitiva e através da história da igreja que foram martirizados por causa de sua fé. Ao mesmo tempo, os cristãos de hoje precisam estar conscientes das práticas que seus países e empresas consideram aceitáveis, permitidas e proibidas para poder calcular os custos.
A escritora Jennifer Fitz oferece uma proveitosa descrição do que deveria ser o evangelismo, que pode contribuir muito para tornar as conversas sobre questões religiosas no local de trabalho não apenas aceitáveis, mas bem-vindas:
Evangelizar não é forçar outras pessoas a fazer o que você deseja que elas façam. Não é a arte de desenvolver a técnica certa para que o momento certo se encaixe perfeitamente.
Evangelizar é olhar para a pessoa que está na sua frente, não importa quem seja, e maravilhar-se com a criação milagrosamente bela, à qual Deus dotou de dignidade e valor inextinguíveis, por mais profundo que seja o lamaçal em que ela se encontra. Ao olhar para essa pessoa, você sabe com certeza: aqui está alguém por quem vale a pena morrer.
E, então, por alguns minutos, você tenta fazer algo digno do privilégio de estar na presença de tal pessoa.[19] No próximo artigo desta série, vamos apresentar exemplos simples e poderosos de como iniciar uma conversa, uma ferramenta que todo cristão pode usar no local de trabalho. Também veremos o componente mais crítico do evangelismo: falar com Jesus sobre as pessoas antes de falar com as pessoas sobre Jesus.
Notas de fim
- Kenneth S. Latourette, A History of the Expansion of Christianity (New York: Harper, 1944), 1:230. 2.
- Mateus 5:14-16.
- Segundo seus discípulos e biógrafos, São Francisco nunca disse essas palavras.
- Elton Trueblood, The Company of the Committed, (New York: Harper & Publishers, 1961), 53.
- Leia a Parte 2 desta série, “Os 99% e o evangelismo no local de trabalho.” https://lausanne.org/pt-br/sobre-pt-br/blog-pt-br/os-99-e-o-evangelismo-no-local-de-trabalho.
- Eclesiastes 3:7.
- Leia a Parte 2 desta série em https://lausanne.org/pt-br/sobre-pt-br/blog-pt-br/os-99-e-o-evangelismo-no-local-de-trabalho
- João 15:18.
- Efésios 21-3.
- João 16:8-11
- João hn 8:11-12.
- Provérbios 15:1.
- Timothy J. Keller, Center Church, (Grand Rapids: Zondervan, 2015), 144-115.
- João 6:44.
- Richard Ramsey, The Certainty of the Faith: Apologetics in an Uncertain World, (Phillipsburg, NJ: P&R Publishing, 2007) xi.
- Jim Petersen, Living Proof (Colorado Springs, CO, NavPress, 1989).
- Se uma empresa permite conversas não relacionadas ao trabalho – como uma discussão sobre seu time esportivo favorito – ela também deve permitir conversas sobre fé, desde que não sejam coercitivas, não gerem desconforto ou tomem o tempo do trabalho pelo qual a pessoa é paga.
- Tal como indicado pela multa aplicada a um cristão que orava silenciosamente à porta de uma clínica de aborto no Reino Unido, ou pelo julgamento de um deputado finlandês por citar um versículo da Bíblia, as liberdades religiosas variam mesmo em países ocidentais abertos. Veja este artigo da ADF em https://adfinternational.org/free-speech-on-trial/.
- Jennifer Fitz, “Why Do We Evangelize?” 3 de Julho de 2015, http://www.patheos.com/blogs/jenniferfitz/2015/07/why-do-we-evangelize/#sthash.m9F7sl3a.dpuf.