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O ChatGPT pode fazer discípulos?

Repensando o discipulado evangélico à luz da IA

Jason Watson 09 fev 2023

Por curiosidade, perguntei ao ChatGPT o que eu precisava fazer para me tornar um discípulo. Esta foi sua resposta instantânea.

Assim como todos os millennials, eu me considero um bom conhecedor de tecnologia. Embora não seja capaz de escrever códigos, consertar seu notebook ou invadir um servidor, posso navegar confortavelmente entre diferentes dispositivos ou plataformas e aprender rapidamente a usar novos programas. Então, quando o ChatGPT da OpenAI se tornou popular, me espantei por ser pego de surpresa.

Para quem não faz ideia do que estou falando, o ChatGPT é um chatbot [agente virtual] de inteligência artificial (IA) que usa algoritmos avançados de machine learning [aprendizado de máquina] para gerar, para qualquer pergunta, uma resposta semelhante à que um ser humano daria. Pense nas vezes em que você pesquisou algo no Google. Em vez de precisar percorrer uma variedade de sites, agora você encontra no ChatGPT, em segundos, uma resposta concisa e bem embasada.

O ChatGPT sinaliza o que parece ser uma mudança no que se tem discutido a respeito da inteligência artificial. A inteligência artificial não é mais uma possibilidade futura. Ela está à nossa porta, em nossas casas e em nossos telefones, e rapidamente torna-se parte de nossas vidas. Sem que percebamos, nossas vidas já se beneficiam com o avanço da tecnologia de IA, mas também estão expostas aos riscos significativos que ela apresenta. Por um lado, a IA pode executar muitas tarefas com mais eficiência e economia do que os humanos. Alguns acreditam, portanto, que estamos às portas da próxima revolução industrial e, por essa razão, muitos estão questionando se suas carreiras correm o risco de serem substituídas pela IA.

Considere o seguinte: se o seu trabalho está vinculado ao manuseio de informações, o ChatGPT provavelmente pode realizá-lo. Ele pode escrever este artigo, redigir uma dissertação universitária ou um discurso, dar feedback sobre ideias, aconselhar, corrigir informações para o seu site, escrever palestras e blogs etc. Poderíamos continuar, mas talvez seja melhor se você mesmo perguntar ao ChatGPT.

o ChatGPT poderia discipular minha congregação?

Como pastor, tenho me perguntado o que esses avanços tecnológicos podem significar para a igreja local. As ferramentas de IA podem tornar supérfluas algumas de minhas atividades? Já aconteceu de um rabino pregar um sermão escrito pelo ChatGPT que foi bem recebido por seus fiéis. Então, especificamente para este artigo, o ChatGPT poderia discipular minha congregação?

Instintivamente ou talvez intuitivamente, minha resposta é não. Mas por quê? Se eu precisasse definir a estratégia de discipulado da minha igreja, o que o ChatGPT poderia fazer em meu lugar e de que maneira ele poderia me substituir como discipulador?

Como o ChatGPT pode contribuir para o discipulado

Os evangélicos há muito se orgulham de estudar a Palavra de Deus e produzem uma grande quantidade de conteúdo para ajudar as pessoas a entender e conhecer a Deus. A distribuição de conteúdo e informações tem sido a base de nossos esforços de discipulado.

Pense em sua igreja local. Como você faz para discipular os novos convertidos?

Sua atual estratégia de discipulado baseia-se em informações? Você depende fortemente de um currículo para o discipulado? Dá aulas de discipulado ou distribui livretos sobre o tema? Encoraja os membros da sua igreja a assistirem a vídeos específicos?

Nesses casos, o ChatGPT provavelmente poderia ajudar a produzir esse tipo de conteúdo.

Por curiosidade, perguntei ao ChatGPT o que eu precisava fazer para me tornar um discípulo de Jesus, e esta foi sua resposta instantânea [tradução literal do original; a resposta em português pode ser um pouco diferente]:

Para se tornar um discípulo de Jesus, pode-se seguir estes passos

  1. Arrependa-se de seus pecados e confesse-os a Deus.
  2. Creia que Jesus é o Filho de Deus e o Salvador do mundo.
  3. Seja batizado nas águas como uma declaração pública de sua fé em Jesus.
  4. Leia e estude a Bíblia regularmente para aprender sobre Jesus e crescer em sua fé.
  5. Ore e tenha um relacionamento pessoal com Deus por meio de Jesus.
  6. Frequente uma igreja que prega o evangelho e junte-se a uma comunidade de crentes.
  7. Viva uma vida que reflita sua fé em Jesus e siga seus ensinamentos.
  8. Compartilhe o evangelho com outras pessoas e ajude-as a conhecer Jesus como seu Salvador.

Lembre-se, tornar-se um discípulo de Jesus é um compromisso vitalício e uma jornada de crescimento e aprendizado.

A lista impressiona, não acha?

Pedi então ao ChatGPT que adicionasse versículos bíblicos e, em segundos, veio a resposta:

Para se tornar um discípulo de Jesus, pode-se seguir estes passos:

  1.  Arrependa-se de seus pecados e confesse-os a Deus (At 3.19).
  2. Creia que Jesus é o Filho de Deus e o Salvador do mundo (Jo 3.16).
  3. Seja batizado nas águas como uma declaração pública de sua fé em Jesus (Mt 28.19).
  4. Leia e estude a Bíblia regularmente para aprender sobre Jesus e crescer em sua fé (2Tm 3.16-17).
  5. Ore e tenha um relacionamento pessoal com Deus por meio de Jesus (1Ts 5.17).
  6. Frequente uma igreja que prega o evangelho e junte-se a uma comunidade de crentes (Hb 10.25).
  7. Viva uma vida que reflita sua fé em Jesus e siga seus ensinamentos (Cl 3.17).
  8. Compartilhe o evangelho com outras pessoas e ajude-as a conhecer Jesus como seu Salvador (Mt 28.19-20).

Lembre-se, tornar-se um discípulo de Jesus é um compromisso vitalício e uma jornada de crescimento e aprendizado (2Pe 3.18).

Dessa vez, pedi ao ChatGPT que esclarecesse o que significava o ponto 7 da sua resposta:

No ponto 7 da minha resposta, “Viva uma vida que reflita sua fé em Jesus e siga seus ensinamentos”, eu quero dizer que, como discípulo de Jesus, é importante fazer um esforço consciente para ter seus pensamentos, palavras e ações alinhados aos ensinamentos de Jesus encontrados na Bíblia. Isso envolve esforçar-se para que sua vida se caracterize pelo amor, pela bondade, humildade, honestidade e outras virtudes que Jesus ensinou e demonstrou. Envolve também colocar em prática os princípios e mandamentos ensinados por Jesus, como amar a Deus e ao próximo. Em suma, ter uma vida que reflita sua fé em Jesus envolve fazer um esforço deliberado para viver de acordo com os ensinamentos e o exemplo de Jesus.

Claro! Aqui está uma ilustração para ajudá-lo a entender o que significa ter uma vida que reflete sua fé em Jesus:

Imagine que você tem um amigo que é sempre gentil, compassivo e que perdoa os outros, não importa a situação. Este amigo está constantemente demonstrando amor, humildade e abnegação em suas ações e palavras. É alguém que, de fato, coloca em prática sua fé e sua crença, impactando de forma positiva as pessoas ao seu redor.

Como discípulo de Jesus, você, da mesma forma, pode se esforçar para viver uma vida que reflita sua fé nele, seguindo seus ensinamentos e personificando as qualidades que ele demonstrou. Por exemplo:

  • Ame os outros como a si mesmo (Mc 12.31).
  • Trate os outros com bondade, compaixão e perdão, mesmo quando for difícil (Cl 3.12-13).
  • Priorize as necessidades do outros acima das suas (Fp 2.3-4).
  • Fale com sinceridade e gentileza, evitando a maledicência e a negatividade (Ef 4.29).

Vivendo dessa maneira, você pode mostrar ao mundo o poder transformador de sua fé e ser uma luz que leva outros a Jesus.

Pessoalmente, achei a ilustração um tanto fraca e pouco útil para usar em um sermão, mas é possível perceber como um rabino (ou pastor) poderia facilmente pregar um sermão escrito pelo ChatGPT.

Por fim, perguntei ao ChatGPT como a IA poderia ajudar as igrejas a discipular seus membros:

Sendo um modelo de linguagem de IA, há várias maneiras pelas quais o ChatGPT pode ajudar as igrejas a discipular seus membros:

  1. Com informações e ensinamentos bíblicos: o ChatGPT pode fornecer informações e ensinamentos precisos e concisos baseados na Bíblia, que podem ser úteis para que as igrejas eduquem e instruam seus membros na fé.
  2. Com incentivo ao estudo e à reflexão pessoal: o ChatGPT pode oferecer orientação e recursos para que os membros estudem e reflitam sobre a Bíblia, ajudando-os a aprofundar sua compreensão e conhecimento da Palavra de Deus.
  3. Com discussões em pequenos grupos: o ChatGPT pode fornecer sugestões e perguntas para que os membros discutam em pequenos grupos, facilitando o envolvimento e a compreensão mais profunda da Bíblia.
  4. Com recursos para o evangelismo e a divulgação: o ChatGPT pode fornecer informações e recursos sobre como compartilhar o evangelho e alcançar aqueles que ainda não conhecem Jesus, ajudando as igrejas a equipar seus membros para o evangelismo e a divulgação.

É importante observar que, embora o ChatGPT possa fornecer informações e recursos valiosos, ele não substitui o papel de pastores e líderes humanos em uma igreja. O objetivo principal de uma igreja é se reunir para adorar, orar e apoiar uns aos outros em sua jornada de fé, e isso não pode ser totalmente replicado por um modelo de linguagem de IA.

Como o ChatGPT destaca de forma tão eficiente, apesar de sua capacidade de fornecer informações, a IA não consegue replicar totalmente a verdadeira comunidade. É nesse ponto que precisamos começar a refletir sobre nossas estratégias atuais de discipulado e o que depende somente da nossa contribuição.

Como o ChatGPT nos força a repensar o discipulado evangélico

Parte da descoberta do que o ChatGPT poderia contribuir para o discipulado é a possibilidade de identificar possíveis falhas em nossas próprias estratégias. Se a medida pela qual determinamos nossa eficácia como discipuladores é a criação e transferência de informações, então precisamos entender que somos substituíveis.

Se a transferência de informações é tudo o que nossos companheiros da igreja obtêm de nossos sermões, palestras, aulas, pequenos grupos, estudos bíblicos e reuniões de discipulado individuais, ou [insira aqui sua estratégia de discipulado], então precisamos repensar seriamente como estamos discipulando. A inteligência artificial como a utilizada no ChatGPT poderia facilmente produzir transferência de informações como essa, tornando supérfluos os seres humanos fazedores de discípulos.

informação por si só não leva à transformação.

Sabemos intuitivamente que a informação por si só não leva à transformação. Todos nós conhecemos indivíduos que, durante anos, se sentaram em nossas igrejas e consumiram informações cristãs, mas que não avançaram em sua caminhada com o Senhor desde quando a iniciaram. Como disse Tiago: “Você crê que existe um só Deus? Muito bem! Até mesmo os demônios creem — e tremem!” (Tg 2.19). Que elementos então distinguem um discípulo que está sendo transformado à semelhança de Cristo?

A formação espiritual vai além do mero consumo de conteúdo sobre o evangelho para a decisão intencional de que a verdade do evangelho transforme a maneira como vivemos.

ARTIGO

O gap tecnológico

Os líderes cristãos ratificam a importância da tecnologia, mas geralmente não a percebem como uma lacuna que merece mais pesquisa.

Que contribuição somente nós podemos dar ao discipulado

O paradigma que John Mark Comer, da plataforma Practicing the Way, oferece para explicar o processo de discipulado é útil para esta nossa conversa. Ele ensina que a formação espiritual intencional requer quatro elementos principais:

  1. Ensino
  2. Prática
  3. Comunidade
  4. A obra do Espírito Santo

Como vimos, o ChatGPT pode contribuir para o componente do paradigma que diz respeito ao ensino e à informação. A IA poderia até oferecer informações e conselhos úteis sobre prática, comunidade e o Espírito Santo.

No entanto, sabemos que a informação por si só não leva à transformação. É a implementação dessa informação que leva à mudança. O ChatGPT pode nos fornecer as informações corretas, mas nunca nos ajudará a integrar esse ensinamento à estrutura de nossas vidas. Para que isso aconteça, precisamos de uma interação genuína com Deus e com os outros, algo que não pode ser gerado pela IA.

A IA não pode produzir uma comunidade cristã genuína, dedicada a buscar Jesus. Não pode nos apoiar em oração, encorajando-nos a exercitar as práticas espirituais nos caminhos de Jesus, e certamente não pode nos encher com o Espírito Santo. Isso requer genuína interação humana e divina que nenhuma IA jamais poderia reproduzir.

Entender o que a IA pode e não pode fazer deve também nos encorajar a refletir de forma mais profunda sobre nossas estratégias de discipulado e nos inspirar a aplicar mais energia ao que somente nós, como discipuladores, podemos fazer: cultivar em nossos contextos locais uma comunidade espiritual genuína dedicada a praticar o caminho de Jesus.