Mitos, verdades e oportunidades para a obra missionária na Europa

A Europa não é pós-cristã – é pré-reavivamento.

Jim Memory | 23 nov 2022

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Uma análise superficial revelaria que os países europeus têm muito em comum: uma história compartilhada de guerras, alianças e comércio que contribuiu para dividi-los e uni-los; um intercâmbio cultural mais amplo que se estendeu por um período de mais de dois mil anos; e uma certa mentalidade, visão de mundo ou “espírito” europeu.

devemos tratar a Europa como tratamos todos os outros contextos missionários.

No entanto, há também uma extraordinária diversidade entre as regiões da Europa, entre um país e outro, entre regiões de um mesmo país e até mesmo entre distritos de uma mesma cidade. É por essa razão que, quando se trata de missão cristã, devemos tratar a Europa como tratamos todos os outros contextos missionários. Devemos nos esforçar para entender a cultura local se pretendemos encarar com seriedade o desafio de comunicar e personificar de forma genuína o evangelho de Jesus.

Três mitos sobre a Europa

Europeus e não europeus muitas vezes fazem grandes suposições sobre a condição espiritual da Europa. Costumo dizer que existem três mitos comuns a respeito da Europa.


Mito nº1: A Europa é cristã.

O primeiro mito é que a Europa ainda é “o continente cristão”. Esta ideia é sustentada pela noção visível de cruzes e igrejas por todos os lugares. As cruzes ainda figuram nas bandeiras de mais de uma dezena de países e territórios da Europa.

Pode-se afirmar sem erro que é enorme o impacto do cristianismo sobre a cultura europeia – como o historiador Tom Holland argumenta de forma convincente em seu recente livro Dominion: The Making of the Western Mind [Domínio: a construção da mente ocidental], o cristianismo tem um impacto duradouro em tudo, desde nossos conceitos de lei e de direitos humanos até mesmo o próprio secularismo. Os muçulmanos certamente veem a Europa como cristã, assim como muitos cristãos do Mundo Majoritário cujas igrejas foram fundadas por missionários europeus, até que visitam a Europa e logo percebem que isso está longe de ser verdade.

Dominion: The Making of the Western Mind by Tom Holland

Dados da edição mais recente da European Values Survey (EVS 2017-20) indicam que 61% dos suecos, 53% dos holandeses, 51% dos britânicos e noruegueses, e 50% dos tchecos afirmam que não acreditam em Deus. Quando se trata de frequência à igreja, apenas um em cada vinte suecos, noruegueses e finlandeses vai à igreja em um determinado domingo, e um em cada quarenta dinamarqueses. E 63% dos franceses, 61% dos tchecos e 60% dos britânicos nunca participam de um culto religioso.

Foram necessários mais de trezentos anos, mas aos poucos a Europa transformou-se, como afirma o filósofo Charles Taylor em A Secular Age [Uma era secular]: “de uma sociedade em que a crença em Deus (era) incontestada e, de fato, pouco problemática, para uma sociedade em que essa crença é vista como uma opção entre outras, e muitas vezes a mais difícil de aceitar”.


Mito nº2: A Europa é um continente de ateus.

O segundo mito é que a Europa foi tão completamente secularizada que os europeus, em sua maioria, são praticamente ateus: vivem como se Deus não existisse.

Essa visão, seguramente, é sustentada pela popularidade de ateus famosos, como Richard Dawkins, que afirmam que a religião não é apenas ilusória, mas perigosa. E, curiosamente, muitos missionários do Mundo Majoritário parecem ter aceitado esse mito como verdadeiro, pois também proclamam que levarão o evangelho de volta ao continente secular.

Mas esse é outro mito. Com exceção da França (23%) e da Suécia (19%), em todos os outros países europeus menos de 15% da população se declara “ateu convicto”. Mesmo nos países mais seculares, cerca de uma em cada seis ou sete pessoas ora pelo menos uma vez por semana: República Tcheca (15,1%), Suécia (15,7%) e Dinamarca (13,5%).

Além disso, estudos mostraram que o cristianismo ainda é a “identidade” religiosa predominante da maioria dos europeus. Esse cristianismo talvez seja cultural ou nominal, mas os dados simplesmente não sustentam a ideia de que todos os europeus são ateus. Trata-se de um mito.


Mito nº3: A Europa é pós-cristã.

O terceiro mito é que a Europa hoje é completamente pós-cristã.

Muitos na mídia partem dessa premissa operacional: que a Europa abandonou sua herança cristã singular, tornou-se completamente pluralista no que se refere à religião, e cada vez mais não religiosa, à medida que cresce o número dos europeus que se identificam com “nenhuma religião”, ou seja, quando respondem questionários sobre sua religião, eles simplesmente respondem “nenhuma das opções anteriores”. São pessoas que não têm religião.

No entanto, eles não são os únicos a afirmar que a Europa é pós-cristã. Nos últimos trinta anos, missiólogos cristãos, como Alan Hirsch e Michael Frost em The Shaping of Things to Come [A configuração das coisas por vir], e Stuart Murray em Post-Christendom [Pós-cristandade], têm afirmado que, em vez de lamentar o fim das formas institucionais de igreja, devemos celebrar o fim da cristandade histórica e todos os abusos de poder, riqueza e prestígio a ela associados. Eles argumentam que a igreja na Europa faria bem se deixasse as formas de igreja da cristandade antiga e adotasse outras mais “missionais”, que não dependem de reuniões atrativas em prédios de igrejas tradicionais.

Artigo

Alcançando o Crescente Grupo dos “Sem-Religião”

Uma exegese missiológica das tendências populacionais recentes

Tanto os jornalistas seculares quanto os missiólogos pós-cristãos se precipitam ao descartar o que Deus está fazendo nas igrejas oficiais e talvez demorem para perceber que, fora dos holofotes, a Europa passa por uma extraordinária reevangelização.

É possível identificar três dimensões dessa reevangelização. Em primeiro lugar, surgiram plataformas nacionais dinâmicas de plantação de igrejas em mais da metade das nações da Europa. Em segundo lugar, os movimentos de reavivamento e discipulado entre as gerações mais jovens estão explorando maneiras criativas de alcançar a juventude secularizada da Europa.

E em terceiro lugar, o ponto que quero abordar no restante deste artigo: a migração para a Europa de milhões de cristãos do mundo majoritário nos últimos cinquenta anos. Essa nova realidade espiritual é um grande desafio ao mito da Europa pós-cristã. Como costuma dizer um amigo: “A Europa não é pós-cristã – é pré-avivamento”.

Desafios e oportunidades das igrejas da diáspora na Europa

Como tem feito ao longo da história, Deus está usando pessoas em movimento para reevangelizar o continente europeu.

Nos últimos trinta anos, os migrantes latino-americanos plantaram centenas de igrejas na Espanha, em Portugal e em outros países. É difícil encontrar uma grande cidade europeia que não tenha uma grande congregação brasileira ou de língua espanhola.

Deus está usando pessoas em movimento para reevangelizar o continente europeu.

Os cristãos asiáticos também plantaram igrejas em todos os lugares para onde migraram. Segundo a The Chinese Overseas Christian Mission [Missão cristã chinesa no exterior], existem 347 igrejas chinesas na Europa: 167 no Reino Unido, 31 na Itália, 28 na Espanha, 27 na França e 23 na Alemanha. Sua lista de igrejas inclui pelo menos uma congregação em 22 países europeus diferentes. É apenas uma fração do total, e estamos falando apenas dos chineses. Coreanos, filipinos, tâmeis e muitos outros não foram menos diligentes.

No entanto, as mais numerosas são as igrejas africanas. Somente na Grã-Bretanha, são milhares de igrejas pentecostais de iniciativa africana. Harvey Kwiyani escreveu que a Igreja Cristã Redimida de Deus tem hoje mais de 750 congregações e continua a plantar 25 novas igrejas na Grã-Bretanha a cada ano. Se uma cidade europeia tiver uma população africana significativa, é quase certo que haverá ali uma igreja da diáspora africana, mesmo que os cristãos locais não estejam cientes disso.

Essa nova realidade é uma grande oportunidade para a Europa, mas também um grande desafio. Não podemos escapar da incômoda verdade de que a presença de milhares de igrejas do Mundo Majoritário na Europa não está causando o impacto esperado, porque muitos dos líderes da igreja não são capazes ou não estão dispostos a adaptar suas igrejas à cultura e ao contexto local. Certo líder de uma igreja chinesa me disse recentemente: “As igrejas da diáspora chinesa são como belas flores que foram plantadas em solo europeu, mas cujo vaso se esqueceram de remover”.

Artigo

A Relação entre Igrejas Maioritárias e Igrejas de Imigrantes no Ocidente

Mundos separados ou pontes sobre águas turbuletas?

A comunicação do evangelho cristão ao longo da história sempre envolveu a tradução para a língua vernacular. Desse modo, como Lamin Sanneh argumenta de forma convincente em Translating the Message [Traduzindo a mensagem], o evangelho deve sempre encontrar sua própria voz dentro da cultura anfitriã. Foi assim quando o evangelho foi levado da Europa para o Mundo Majoritário e continua verdadeiro hoje, com a inversão desse fluxo. Esse desafio, contudo, não é somente para as igrejas da diáspora. Da mesma forma, os líderes da igreja europeia não quiseram ou não souberam ajudar os cristãos da diáspora a alcançar a população local.

Aa duas partes da igreja na Europa, as igrejas da diáspora e as igrejas locais europeias, devem se esforçar mais para construir pontes de comunicação e colaboração. Como já afirmei anteriormente, “o futuro da igreja na Europa pode depender do surgimento de um cristianismo intercultural verdadeiramente europeu”.

A visão do Lausanne Europa

A colaboração na obra missionária é a vontade de Deus para o seu povo.

A colaboração na obra missionária é a vontade de Deus para o seu povo. As cartas do Novo Testamento estão repletas de evidências que corroboram essa afirmação. É por isso que o Lausanne Europa existe: para estimular, fomentar e facilitar a colaboração na obra missionária na Europa; despertar uma visão do que é possível fazer se trabalharmos juntos; estimular líderes, homens e mulheres, jovens e não tão jovens, europeus nativos e novos europeus, aqueles que ministram nas igrejas e aqueles que ministram no ambiente profissional, a colaborarem juntos; e facilitar iniciativas colaborativas que “testemunhem de Jesus Cristo e de todo o seu ensinamento, em todas as nações, em todas as esferas da sociedade e em todos os campos de reflexão” (Compromisso da Cidade do Cabo).

A tarefa é gigantesca, mas o Lausanne Europa tem um papel a desempenhar no encorajamento das conexões e da colaboração entre todos os que compartilham o evangelho com esta geração de europeus.

Observação: Uma explicação mais completa dos tópicos deste artigo pode ser encontrada no Relatório Europa 2021.

Jim Memory é o diretor regional do Lausanne Europa e diretor de Parcerias Internacionais para a Missão Cristã Europeia.

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