Nota da Editora: Este texto foi originalmente publicado no site JohnStott100.org, em comemoração ao centenário do nascimento de John Stott. É publicado novamente aqui mediante autorização.
Os dois líderes com os quais o Movimento de Lausanne está mais intimamente associado são Billy Graham e John Stott. Billy era o rosto e a voz do movimento. Uma voz que ecoou pelos salões do Palais de Beaulieu em Lausanne, Suíça, em 1974, na primeira noite do primeiro Congresso sobre Evangelização Mundial, quando exclamou: “Que a terra ouça sua voz!”
John Stott, no entanto, era a mente e o coração do Movimento de Lausanne.
Conheci o tio John há 25 anos, quando eu estudava na Trinity Evangelical Divinity School, e tive a grata surpresa de almoçar com ele. Foi como conhecer um herói da vida real. Não o tipo de herói que vemos em filmes, mas aquele de que todos nós realmente precisamos.
Não um homem de fama e fortuna, mas um servo piedoso, sábio e humilde.
Falamos sobre pássaros – um assunto que sempre empolgou o tio John. Depois de partilhar comigo algumas fascinantes lições de vida e de fé que temos a aprender com os pássaros, ele confessou sua esperança de um dia escrever um livro sobre seu hobby preferido. Pouco tempo depois, de fato, ele compartilhou suas percepções pessoais e bíblicas sobre a “orniteologia” em seu livro Os pássaros, nossos mestres. Anos mais tarde, espalhou-se a notícia: o segredo para que John Stott aceitasse um convite para pregar era atraí-lo com a oportunidade de ver um pássaro raro!
No Movimento de Lausanne frisamos sempre a importância de dar destaque a obras de “valor duradouro”, entre elas muitos dos livros escritos por tio John. Mas uma das maiores contribuições dele à igreja global talvez tenha sido sua atuação como principal arquiteto do Pacto de Lausanne. O Pacto, nas palavras de Chris Wright, seu protegido, é “profético, pois expressa a Palavra de Deus aplicada às realidades do momento. Sua relevância e seu perfil desafiador estão preservados hoje e, certamente, para as gerações futuras”.
O Pacto de Lausanne é visto por muitos como um dos documentos mais significativos da história da igreja moderna e tem servido de sólido e inspirador fundamento teológico na fé bíblica que compele os cristãos a trabalhar juntos para tornar Jesus Cristo conhecido em todo o mundo. A mente e o coração de Deus são expressos na mente e no coração de Stott no Pacto de Lausanne.
Alguém afirmou certa vez que John Stott tinha duas características notáveis: “engajamento perspicaz no mundo e firme foco em Cristo”. E que seu coração e sua mente se expressavam de forma mais calorosa quando ele lidava com os jovens. Além de amar a missão universitária, o tio John também dedicava-se aos líderes globais mais jovens. Como seminarista, minha surpresa ao ser convidado para aquele almoço era fruto da minha suposição de que alguém de sua estatura preferiria um almoço mais tranquilo e agradável, em melhor companhia.
Anos depois, quando fui chamado para liderar o Movimento de Lausanne, pensei naquele almoço. Fiquei maravilhado pela dádiva de ter passado um tempo com o tio John, um momento cuja importância somente Deus conhecia. Passado algum tempo, também tive a oportunidade de desfrutar da companhia de Billy Graham, anos antes de sua morte.
Os líderes mais jovens de Lausanne, entre eles os ex-alunos de Singapura 1987 (onde o tio John pregou e dedicou seu tempo a jovens líderes emergentes como Ajith Fernando, John Piper, Doug Birdsall e Susan Perlman), de Port Dixon 2006 (grupo do qual faço parte e que inclui amigos como Jason Mandryk, Allen Yeh e Yaw Perbi) e de Jakarta 2016 (com nosso grupo atual de líderes mais jovens como Sarah Breuel, Emmanuel Kwizera e Manivanh Khy), olham, com um sentimento de admiração, as fotos em preto e branco de Billy Graham e John Stott no Lausanne I.
Mas ao observarmos a história um pouco mais de perto, considerando a importância de seus papéis e a natureza global de seus ministérios na época, é notável como esses dois homens eram jovens. Tio John tinha 53 anos e Billy, 55. Não eram dois velhos líderes. Eram líderes em seu auge. E, ao longo dos anos, demonstraram aos líderes globais mais jovens como uma amizade pode ser. Mesmo sendo diferentes, mantinham uma fé em comum. Mesmo tendo capacidades distintas, tinham um compromisso mútuo e tremendo respeito pelos diferentes dons que Deus havia concedido a cada um. Mesmo discordando, aprendiam profundamente com o outro.
Ambos foram líderes íntegros. Ambos foram servos extremamente tementes e fiéis.
John Stott, o primeiro Presidente do Grupo de Trabalho de Teologia de Lausanne, ficaria muito satisfeito em saber que hoje o Dr. Ivor Poobalan, do Sri Lanka, e o Dr. Victor Nakah, do Zimbábue, atuam como copresidentes.
Em seu último sermão (Keswick, 2007), tio John disse:
Lembro-me muito vividamente, alguns anos atrás, que a pergunta que me deixava perplexo como jovem cristão (e alguns de meus amigos também) era esta: qual é o propósito de Deus para seu povo? Considerando que passamos pela experiência de conversão, que fomos salvos e recebemos uma nova vida em Jesus Cristo, o que vem a seguir? Conhecíamos, é claro, a famosa declaração do Breve Catecismo de Westminster: “O fim principal do homem é glorificar a Deus e desfrutá-lo para sempre”. Estávamos certos disso, e acreditávamos nessa afirmação. Também refletimos sobre algumas declarações mais breves, uma delas com apenas seis palavras: “Ame a Deus e ao próximo”. Mas de alguma forma, nenhuma delas, nem outras que pudéssemos mencionar, pareciam totalmente satisfatórias. Por isso, à medida que me aproximo do fim de minha peregrinação na terra, quero compartilhar com vocês em qual afirmação minha mente encontrou descanso: Deus deseja que seu povo seja semelhante a Cristo. A semelhança com Cristo é a vontade de Deus para o povo de Deus.
John Stott amou a igreja global e a comissionou a levar Cristo ao mundo. E ele amou os cristãos globais e lhes recomendou o propósito de crescer à semelhança de Cristo.
Certa vez, fiz uma viagem de carro com um amigo muito próximo do tio John. Eu o enchi de perguntas sobre os hábitos, amizades e impressões de Stott. Sua afirmação final me emocionou tanto que fiquei sem palavras. “Ele foi o homem mais semelhante a Cristo que conheci.”
Muitas pessoas desejam publicar livros, ser conhecidas mundialmente, ter posição, autoridade e muito mais. Outras imaginam as palavras lisonjeiras e os grandes feitos que um dia estarão em suas lápides ou obituários. Não consigo, contudo, pensar em uma afirmação que seja mais digna de aspiração e de propósito de vida do que aquela em referência ao tio John Stott:
“Ele foi o homem mais semelhante a Cristo que conheci.”