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O que deve ser feito para que as pessoas com deficiência possam ir à igreja? Aqueles que não têm condições de sair de casa ou de unidades residenciais terapêuticas deixam de ter comunhão, de participar do culto comunitário e de outras dinâmicas comunitárias comuns quando se frequenta uma igreja. Mas, principalmente, o que mais faz falta para essas pessoas são relacionamentos que contribuam para seu crescimento espiritual. O acompanhamento espiritual é uma necessidade em sua vida. Devemos levar a igreja – todas as bênçãos e atuação espiritual do Corpo de Cristo – até essas pessoas que não podem ir à igreja. O que pode ser feito nesse sentido?

Devemos levar a igreja – todas as bênçãos e atuação espiritual do Corpo de Cristo – até essas pessoas que não podem ir à igreja.

Embora muitas pessoas com deficiência[1] participem ativamente de suas igrejas locais, outras são impossibilitadas de fazê-lo. No entanto, são os profissionais qualificados que atuam nas áreas de saúde e educação inclusiva e os cuidadores que prestam serviços especializados para pessoas com deficiência que podem levar a igreja até elas. Em seu trabalho, por meio do contato pessoal, esses vocacionados podem ser a igreja em movimento, servindo e administrando cuidados espirituais a pessoas com deficiência. Afinal, são talentosos seguidores de Cristo com um chamado e um desejo de servi-lo por meio de seu trabalho.[2]

Deficiência e vocação

Jesus disse: “[…] Estive enfermo, e vocês cuidaram de mim; estive preso, e vocês me visitaram” (Mt 25.36). Nosso Salvador se refere a pessoas que não tinham possibilidade de estar presentes na assembleia reunida de uma sinagoga ou igreja. Jesus deixa claro que quando visitamos as pessoas que estão presas ou enfermas para estar com elas e oferecer o alimento espiritual, é o mesmo que o visitássemos. E o objetivo principal da nossa missão é a maturidade espiritual.[3]

Paulo louva e evangeliza na prisão (At 16.25-34). Esse esforço em prol das pessoas com deficiência não tem como objetivo promover apenas a socialização, mas produzir um impacto espiritual. Não serve apenas para animar as pessoas, mas para ministrar consolo, paz e encorajamento em tempos de grande necessidade. Quando a Bíblia fala sobre encorajamento, não está se referindo apenas a uma conversa estimulante, mas à orientação espiritual. É estar presente e trazer a verdade.[4] Nossa missão envolve o cuidado espiritual ministrado através do cuidado profissional.

Muitos crentes que trabalham com pessoas com deficiência de forma individual entendem sua vocação como um chamado.

Muitos crentes que trabalham com pessoas com deficiência de forma individual entendem sua vocação como um chamado.[5] Profissionais da saúde, especialistas em desenvolvimento e educação infantil e cuidadores de pessoas com deficiência concentram sua atenção na ministração do cuidado físico e mental. O relacionamento próximo possibilitado por esse envolvimento pessoal oferece oportunidades para a ministração do cuidado e até a formação espiritual.[6]

Muitos profissionais da área, além de acreditarem que Deus os conduziu a esse trabalho, são motivados, por sua fé e seus valores espirituais, a servir diariamente com dedicação nessas funções. Deus abençoa o seu trabalho todos os dias.[7] Quantos profissionais servem às pessoas com deficiência em todo o mundo? Unidos, eles são uma força de trabalho com abrangência global. São milhões de profissionais altamente comprometidos. Afinal, essa é a sua missão.

Enquanto ministram os cuidados físicos, os cuidadores profissionais cristãos também confortam, encorajam e aconselham pessoas com deficiência nas questões relacionadas à vida espiritual. Os enfermeiros, terapeutas e médicos, por exemplo, podem orar com os pacientes antes da cirurgia; os educadores podem aconselhar os alunos e seus pais a ter motivações espirituais elevadas na busca pela excelência acadêmica; e os cuidadores de pessoas com deficiência, podem, por meio da técnica de planejamento centrado na pessoa, encorajá-las a não negligenciar os interesses espirituais.

Compartilhar apenas um versículo da Bíblia em uma conversa pode mudar a maneira como uma pessoa com deficiência lida com seus desafios diários. Por exemplo, ouvir pela primeira vez ou apenas ser lembrado de que eles foram criados “de modo especial e admirável” (Sl 139.14) pode trazer grande consolo e encorajamento. Saber que Deus não os está punindo ao permitir que eles experimentem uma deficiência é cura para a alma. O aconselhamento espiritual é especialmente importante para aqueles que sofrem com o isolamento ou o desalento de uma dor crônica e da falta de progresso na reabilitação. Esses sentimentos costumam ser mais prejudiciais do que os próprios desafios físicos e a dor associados à deficiência.

O cuidado profissional de pessoas com deficiência como missão

Desde o início da igreja, os cristãos têm colocado em prática seu chamado, vocação e dons para suprir as necessidades espirituais enquanto ministram cuidados físicos a outras pessoas. Como parte de sua missão, a igreja desempenhou um papel fundamental na criação de hospitais, escolas e serviços para pessoas com deficiência.[8] Não surpreende, portanto, que essas instituições muitas vezes tenham em sua equipe membros da igreja que entendem que seu papel é oferecer o cuidado espiritual além do físico.

Em muitos lugares, essas entidades são mantidas com recursos de programas de governo, que devolvem parte dos impostos arrecadados, e administradas por agências governamentais. Mas ainda há espaço para o cuidado espiritual como missão. A história e a conveniência dos dias de hoje apontam para a necessidade de uma abordagem combinada. É difícil imaginar uma fonte maior e mais consistente de alimento espiritual e cuidado físico do que o trabalho de cuidadores profissionais cristãos enviados para atuar nessa área. Mas fica ainda melhor.

os cristãos têm colocado em prática seu chamado, vocação e dons para suprir as necessidades espirituais enquanto ministram cuidados físicos a outras pessoas.

Em primeiro lugar, esses profissionais desfrutam do contato direto e contínuo com pessoas com deficiência. Pastores e outros obreiros da igreja local talvez não disponham desse tempo para conhecer as pessoas com deficiência e suas famílias. Consequentemente, devido à falta de proximidade, não há abertura para que os líderes da igreja compartilhem a verdade e levem conforto a essas pessoas. Muitos tentam, mas poucos conseguem.

Em segundo lugar, nossas instalações estão inseridas na comunidade. Os hospitais, as escolas e os centros de apoio e serviço dedicados a pessoas com deficiência também são projetados e regulamentados para acomodá-las, além de estarem próximos aos locais onde elas residem. Podemos afirmar que as igrejas também deveriam ser. Muitas delas são. As igrejas, contudo, talvez não sejam acessíveis a pessoas com deficiência, pois a acessibilidade vai além de rampas e portas largas. Ela inclui o horário em que os cultos são oferecidos, a forma como são conduzidos e, basicamente, a facilidade com que uma pessoa com deficiência pode participar, se for o caso. Essa é outra razão pela qual os cristãos vocacionados e as entidades que atuam nessa área têm vantagens significativas em sua missão. Além disso, eles são muitas vezes totalmente financiados por agências governamentais.

A vocação para o cuidado de pessoas com deficiência complementa os que atuam na obra missionária tradicional. Como fazem há séculos, as igrejas locais enviam profissionais da saúde, especialistas em desenvolvimento infantil e cuidadores profissionais de pessoas com deficiência a outros países como parte da obra missionária tradicional. A obra continua.

Mas, assim como acontece na obra missionária tradicional, devemos encorajar os profissionais vocacionados para o cuidado de pessoas com deficiência a desempenhar um papel ainda mais abrangente no cuidado espiritual em casa e em na própria comunidade como extensão de nossas igrejas. As pessoas com deficiência a quem servem podem crescer espiritualmente enquanto recebem incentivo para buscar seus próprios dons e chamado. É grande a alegria que experimentam quando descobrem que, apesar das limitações, eles também podem participar plenamente como membros do Corpo de Cristo! Esse esforço produzirá neles um sentimento de pertencimento e amenizará seu isolamento.

Está lançada a base para a missão dos vocacionados para o trabalho com pessoas com deficiência. Muitos desses profissionais, que são chamados, capacitados, treinados e estão ativos, exercem influência na vida de pessoas com deficiência. Mas eles precisam de pastores e líderes da igreja que os encorajem, inspirem e ofereçam recursos para essa grande e impactante força-tarefa global. Eles aproveitarão as oportunidades de oferecer o cuidado espiritual, as quais às vezes chamamos de “momentos missionários” em seu envolvimento diário com pessoas com deficiência. Essa dinâmica não requer grandes esforços ou custos, e o resultado poderá ser significativo.

Mas, primeiro, a igreja deve reconhecer e apoiar o papel desses profissionais como missão. Trata-se de um ministério no local de trabalho que oferece oportunidades extraordinárias de cuidado espiritual, oportunidades que talvez não surjam de outra maneira. Devemos levar a igreja até as pessoas com deficiência.

A iniciativa dos cuidadores vocacionados

Nos últimos dez anos, a Rede Temática de Pessoas com Deficiência do Movimento de Lausanne concentrou-se principalmente no desenvolvimento de líderes com deficiências para exercer funções de liderança organizacional cristã em todos os ministérios da igreja local.[9] Pessoas com deficiência que foram chamadas e capacitadas podem servir como líderes e muitas vezes superar as expectativas. Podem até participar de missões transculturais.

Seguindo adiante, nossa rede temática manterá seu foco na liderança de pessoas com deficiência, especialmente nessa vertente missionária.[10] No entanto, alinhada ao compromisso do Movimento de Lausanne de produzir o “impacto do Reino em cada esfera da sociedade”, bem como sua iniciativa de ministério nos locais de trabalho, a Rede Temática Lausanne de Pessoas com Deficiência adicionará ao seu escopo a vocação para o cuidado de pessoas com deficiência como missão. Assim como acontece com todos os obreiros cristãos, os vocacionados para o cuidado de pessoas com deficiência precisam, entre outras coisas, de encorajamento, liberdade para buscar novas formas de fazer missão de acordo com a sua esfera de trabalho e recursos para realizar seu trabalho de forma eficaz.

Nosso objetivo é estabelecer uma conexão que nos permita colocar em prática nossa vocação para o cuidado de pessoas com deficiência como uma iniciativa missionária e como instrumento de apoio em seus diferentes planos de ação.

Assim, nossa rede adicionou três novas atribuições catalisadoras ao escopo de nosso ministério com pessoas com deficiência: assistência médica, desenvolvimento infantil e serviços. Planejamos criar parcerias com as redes temáticas, os grupos regionais, os grupos geracionais e as recém-criadas Equipes Neemias do Movimento de Lausanne.[11] Nosso objetivo é estabelecer uma conexão que nos permita colocar em prática nossa vocação para o cuidado de pessoas com deficiência como uma iniciativa missionária e como instrumento de apoio em seus diferentes planos de ação.

Esperamos recuperar a base de impacto espiritual que foi perdida quando a igreja abriu mão de seu trabalho de cuidado e o transferiu aos organismos públicos, aos quais somos muito gratos. Com profundo respeito pelo trabalho dos colegas não cristãos, nosso desejo é acrescentar o cuidado espiritual. Convidamos as igrejas locais em todo o mundo a incluir pessoas com deficiência, lembrando-se dos que são impossibilitados de se reunir nas igrejas locais.[12]

Como uma das respostas, encorajamos os jovens em treinamento a considerar as funções de cuidado a pessoas com deficiência como oportunidades de servir a Deus. Precisamos de um número muito maior de profissionais com esse perfil, pois o número de pessoas com deficiência aumenta exponencialmente todos os dias. Há, por exemplo, cerca de 50% de chance de pessoas com 80 anos ou mais desenvolverem algum tipo de limitação que dificulte ou impossibilite sua participação na igreja. Jovens cristãos, Deus está chamando você para servir a esse grupo específico oferecendo cuidado físico e espiritual?

A vocação é uma plataforma de grande impacto na obra missionária direcionada a pessoas com deficiência. É difícil imaginar uma oportunidade maior para a missão, mas esse trabalho está sendo realizado apenas de forma parcial.[13] Além disso, muitas pessoas com deficiência podem servir em áreas de interesse nas quais sua experiência de vida com a deficiência pode oferecer empatia, apoio e cuidado espiritual.[14]

O que impede a igreja global de engajar-se no cuidado de pessoas com deficiência considerando tanto o cuidado espiritual quanto o cuidado profissional? A missão vocacional para o cuidado de pessoas com deficiência tem um firme fundamento bíblico e é eficaz de forma sustentável. Só nos cabe encorajar, prover recursos e apoio aos profissionais da área por meio de oração, conscientização e inspiração.

A força de trabalho global é densamente povoada por todo tipo de profissionais que atuam com pessoas com deficiência. Aqueles que seguem a Cristo têm um local singular para servir. Que a missão prossiga e cresça a fim de que as pessoas com deficiência que não podem frequentar a igreja ainda possam desfrutar da vida espiritual, dos recursos e das bênçãos da igreja por meio de cuidadores profissionais vocacionados que levam a igreja até elas.

Notas finais

  1. Seguindo o padrão das convenções editoriais, este estudo usará esse termo ao referir-se a pessoas com deficiência visual, cognitiva, auditiva, física e motora.
  2. Alinhado com a definição de “vocação” por John Stott: “Trabalho é o gasto de energia (física, mental ou ambas) no serviço em prol de outros, que traz realização a quem trabalha, benefício para a comunidade e glória a Deus”, John R. W. Stott, Issues Facing Christians Today (Grand Rapids, MI: Zondervan, 2014) 225.
  3. David G. Peterson, “Maturity: the goal of mission”, em The Gospel to the Nations: Perspectives on Paul’s Mission, org. Peter Bolt e Mark Thompson (Downers Grove, IL: IVP, 2000), 185-204.
  4. David G. Peterson, “The Ministry of Encouragement”, em God Who Is Rich in Mercy: Essays Presented to D.B Knox org. P.T. O’Brien e David G. Peterson (Grand Rapids, MI: Baker Books, 1986), 249-50.
  5. Para saber mais sobre vocação de cristãos, veja Gene Edward Veith Jr., God at Work: Your Christian Vocation in All of Life (Wheaton, IL: Crossway, 2002), 157.
  6. Larry Peabody, God Loves Your Work: Discover Why He Sends You to Do What You Do (Eugene, OR: Wipf and Stock, 2022), 116.
  7. Sobre o verdadeiro sentido do sucesso no ministério, veja Nathan Grills, “Success: Whose Will Is Being Done?” em Faithful is Successful: Notes to the Driven Pilgrim, org. Nathan Grills, David E. Lewis, e S. Joshua Swamidass (Denver, CO: Outskirts Press, 2014), 143-65.
  8. Sobre a mudança do serviço individual para o cuidado institucionalizado e vice-versa, veja Gregg E. Gardner, The Origins of Organized Charity in Rabbinic Judaism (Cambridge, UK; Cambridge University Press, 2015), 63-83; Edmund H. Oliver, The Social Achievements of the Christian Church (Vancouver, B.C.: Regent College Publishing, 2004, publicado primeiramente em 1930), 19.
  9. Dave Deuel, “Developing Young Leaders with Disabilities: A Ministry Beyond Our Wildest Dreams?” [disponível em inglês, romeno e espanhol] na edição de janeiro/2016 da Análise Global de Lausanne, https://lausanne.org/content/lga/2016-01/developing-young-leaders-disabilities.
  10. Para uma explicação mais detalhada sobre essa iniciativa, veja David C. Deuel e Nathan G. John eds., Disability in Mission: The Church’s Hidden Treasure (Peabody, MA; Lausanne- Hendrickson, 2019).
  11. Para mais informações sobre os grupos de liderança do Movimento de Lausanne, veja https://lausanne.org/pt-br/redes.
  12. Para explorar a abrangência do ministério inclusivo, veja Leow Wen Pin, “A Theological Introduction to Disability”, em Enabling Hearts: A Primer for Disability-Inclusive Churches, org. Leow Wen Pin (Center for Disability Ministry in Asia: 2021), 7-11.
  13. Sobre o desejo de John Stott, Alister Chapman afirma: “À medida que se aproximava do fim de sua própria vida, suas ambições se concentravam cada vez mais nos outros, em torná-los mais úteis no reino de Deus”. Alister Chapman, Godly Ambition: John Stott and the Evangelical Movement (Oxford: Oxford University Press, 2012), 151.
  14. O Instituto Cristão para Pessoas com Deficiência, da organização “Joni and Friends” desenvolveu um curso de cuidado espiritual para vocacionados nessa área cuja premissa é que o crescimento espiritual pessoal leva, invariavelmente, ao cuidado espiritual de outras pessoas. Veja https://www.joniandfriends.org/.

Dave Deuel atua como catalisador da Rede Temática Lausanne de Pessoas com Deficiência e é membro da liderança da Comunidade de Mentores da YLGen (Geração de Líderes Jovens – GLJ). Também é pesquisador sênior e consultor de políticas e publicações do Instituto Cristão para Pessoas com Deficiência e reitor acadêmico emérito da Master's Academy International. Recentemente, contribuiu para o livro Disability in Mission: The Church’s Hidden Treasure, no papel de coeditor.