Introdução
Desde os tempos mais antigos, as pessoas estão sempre se mudando de um lugar para outro. Tem gente que vai atrás de uma vida melhor, procurando trabalho, segurança, estudo, uma vaga de emprego, para ficar perto da família, fazer negócios ou simplesmente para sobreviver. Outras pessoas se mudam para fugir de conflitos, guerras, violência ou perseguições. E tem também quem sai do lugar onde vive por causa de condições difíceis, como problemas econômicos, desastres naturais ou crises políticas. Alguns saem do interior para morar numa cidade próxima, outros atravessam o país, e tem quem vá parar do outro lado do mundo. A migração humana é uma realidade muito presente no mundo de hoje, e afeta todo mundo de alguma forma. À medida que ideias, informações, produtos e dinheiro cruzam as fronteiras cada vez mais rápido, as pessoas também vão continuar se movendo — e isso traz um monte de consequências em várias áreas.
Os movimentos humanos se tornaram um dos assuntos mais marcantes do nosso tempo. Hoje em dia, tem mais gente vivendo longe do lugar onde nasceu do que em qualquer outro momento da história. O desejo de se mudar, a quantidade de pessoas migrando, a velocidade com que isso acontece e os destinos escolhidos só têm aumentado nas últimas décadas. Esse fenômeno está bem no centro das grandes mudanças que estão rolando nas nossas sociedades, economias, países e no mundo como um todo. Essa movimentação enorme de pessoas está mexendo com a ordem mundial como a gente conhecia, trazendo novas realidades e transformando quase tudo ao nosso redor. Mesmo com a pandemia, durante a qual o aumento da migração foi brevemente contido por causa das restrições de viagem, o movimento humano voltou a atingir níveis recordes e não dá sinais de que vá diminuir tão cedo.
À medida que a gente se aproxima do fim do primeiro quarto do século XXI, o número de pessoas se mudando pelo mundo disparou como nunca. Desde o ano 2000, a migração humana se espalhou tanto que a ONU criou o “Dia Internacional do Migrante”, comemorado todo 18 de dezembro, e declarou 2015 como “O Ano do Migrante”. Para muita gente, migrar acaba sendo algo positivo, mas pra outros não — e infelizmente, alguns acabam a vida tentando chegar a outro lugar. Todos os anos uma variedade de fatores de repulsão — como desemprego, seca, fome, conflitos armados, guerras, perseguição religiosa, limpeza étnica, ausência de segurança, entre outros — assim como fatores de atração — incluindo aspirações educacionais, perspectivas de emprego, melhores condições de trabalho, potencial para empreendimentos comerciais, casamento, adoção, entre outros — têm provocado o deslocamento populacional de milhões de pessoas anualmente. A globalização, as novas tecnologias de comunicação, o transporte mais acessível e o fluxo constante de dinheiro, produtos, dados e tudo mais fizeram o mundo parecer menor. Isso tudo mudou a nossa forma de ver o planeta e deixou a vida mais intensa e conectada.
Este documento tem como objetivo explicar os diferentes termos usados para descrever o movimento de pessoas pelo mundo e como isso se relaciona com a fé cristã histórica e com a missão de Deus. Existem muitos jeitos diferentes de se referir a esses movimentos: migrantes, diásporas, refugiados, estudantes internacionais, trabalhadores temporários, expatriados (ou “expats”), transnacionais, híbridos, internacionais, exilados, estrangeiros, nômades, pessoas em busca de asilo, apátridas, deportados, repatriados, entre outros. Também se usam termos como desenraizados, deslocados, dispersos, espalhados, desterritorializados, não documentados, traficados, transferências populacionais etc. A realidade desses movimentos em grande escala e de longas distâncias fica ainda mais complexa por causa das diferentes condições, formas, lugares e fatores terminantes que estão por trás dos deslocamentos humanos. Alguns exemplos desses fatores são: internos ou internacionais? nacional ou estrangeiro? econômicos ou ambientais? voluntários ou involuntários? Individual ou familiar? Regular ou irregular? Temporária, semipermanente ou permanente? Sazonal ou circular? Vem do Ocidente para o resto do mundo ou do resto do mundo pro Ocidente? Esse monte de palavras, com significados que às vezes se misturam ou se sobrepõem, pode causar confusão, mal-entendidos, perda de sentido e até dificuldades na hora de traduzir. Tudo isso pode acabar atrapalhando o entendimento claro do que realmente está acontecendo.
O objetivo deste documento é desenvolver uma compreensão abrangente da questão contemporânea dos movimentos de pessoas pelo mundo e despertar a igreja global para enxergar a natureza diaspórica da fé cristã e como isso abre portas para a missão. A ideia é mostrar aos cristãos como as pessoas que estão em movimento, longe de seus lugares de origem, estão ajudando a transformar e a expandir o cristianismo, e motivar a igreja no mundo todo a se envolver com essas comunidades e aproveitar as oportunidades que surgem com esses deslocamentos em massa.
Este documento oferece uma estrutura missiológica para missões da diáspora, um fundamento teológico para desenvolver doutrinas cristãs do “Deus em movimento” e pensar em missões feitas entre e por essas comunidades e seus descendentes espalhados ao redor do mundo.
História da missão cristã e as pessoas em movimento
Foi no Congresso de Cape Town, realizado pelo Movimento de Lausanne na África do Sul em 2010, que o tema “Pessoas em Movimento” foi apresentado pela primeira vez como uma área estratégica de foco missionário para a igreja global. Desde então, essa questão tem ganhado cada vez mais espaço entre os cristãos ao redor do mundo. O Congresso de Cape Town ofereceu uma sessão plenária e dois encontros temáticos (chamados de multiplex) sobre missões entre diásporas. Um livreto introdutório de 40 páginas, chamado “Dispersos para Reunir: Abraçando as Tendências Globais da Diáspora”, foi entregue a todos os participantes do evento. O Compromisso de Cape Town (Parte II, Seção C5) incluiu uma declaração sobre missão entre diásporas, definindo “diáspora” como “a pessoas que, por alguma razão, tenham se deslocado da sua terra natal”. O texto fez um apelo à igreja e aos líderes de missão para que reconheçam e respondam às oportunidades missionárias que surgem com a migração global e com as comunidades da diáspora. A crescente realidade mundial de migração, refugiados, estudantes internacionais, além das facilidades de viagem e comunicação, trouxe esse tema para o centro das conversas entre igrejas, agências missionárias, professores de teologia, pensadores de missão, praticantes, mobilizadores, financiadores e cristãos em geral.
Ao final do Terceiro Congresso de Lausanne, realizado em Cape Town, África do Sul, um grupo central de líderes envolvidos com missão entre diásporas se reuniu e decidiu fundar a Rede Global de Diáspora (GDN, na sigla em inglês). O objetivo era ampliar e aprofundar a agenda da diáspora em escala mundial, incentivando igrejas, agências missionárias e instituições teológicas a se envolverem com o tema. A GDN se comprometeu com o propósito de cumprir “a missão redentora de Deus para as pessoas em movimento”. A rede foi oficialmente registrada como uma organização sem fins lucrativos em Manila, nas Filipinas, em 2012, com membros da equipe executiva espalhados por diferentes regiões do mundo. [1]
Em março de 2015, entre os dias 24 e 28, a GDN organizou o Fórum Global de Diáspora em Manila, reunindo mais de 350 participantes — entre estudiosos de missão, líderes ministeriais, representantes denominacionais, autoridades governamentais, representantes de ONGs e outros — vindos de mais de 80 países. O fruto principal desse fórum foi a publicação do Compêndio de Missiologia da Diáspora, intitulado “Dispersos e Reunidos”, publicado pela Editora Regnum (Reino Unido) em 2017. Desde então, com uma nova equipe executiva e dois novos catalisadores nomeados pelo Movimento de Lausanne para a área de diásporas, a GDN tem promovido diversas consultas globais e regionais sobre missões entre diásporas, em todas as principais regiões do mundo. Além disso, a GDN tem prestado consultoria a várias organizações missionárias e instituições teológicas no que diz respeito a estudos e pesquisas sobre missão entre diásporas. O livreto Dispersos para Reunir[2] foi revisado em 2017, traduzido para várias línguas — como coreano, mandarim, japonês, espanhol e português — e disponibilizado como e-book kindle na Amazon. O compêndio[3] também foi revisado e republicado em 2020 pela editora Langham Publishers, com o objetivo de alcançar um público ainda mais amplo.
O foco em missão entre as diásporas tem uma história bem mais antiga do que se imagina. No começo, os cristãos migrantes — especialmente da Ásia e da África — frequentavam igrejas locais nos países aonde chegavam. Mas, à medida que o número deles aumentava, começaram a surgir igrejas étnicas e de imigrantes nessas nações. A necessidade de cultuar em sua própria língua, preservar práticas culturais e espirituais específicas, lidar com os desafios de criar filhos em um novo país, a dificuldade de se encaixar nas igrejas locais, além dos vínculos institucionais com seus países de origem, tudo isso levou esses migrantes a fundarem suas próprias igrejas onde quer que se estabelecessem. Os líderes dessas igrejas geralmente mantinham conexões com denominações e estruturas eclesiásticas de seus países de origem, buscando apoio organizacional e orientação. Em contrapartida, essas igrejas migrantes ajudavam financeiramente suas igrejas de origem e projetos missionários por meio de remessas internacionais. Esse vai e vem constante — tanto de ideias quanto de espiritualidade — entre diferentes regiões e fusos horários acabou impulsionando o crescimento das igrejas migrantes. Além disso, esse movimento teve um impacto positivo também nas famílias e comunidades que ficaram nos países de origem, melhorando suas condições de vida.
Sob a direção soberana de Deus, começaram a surgir redes étnicas voltadas para a diáspora, como, Comitê de Coordenação da Evangelização Mundial dos Chineses (CCCOWE), em 1976, a Rede Internacional de Filipinos (FIN), em 1994, a Rede Internacional de Líderes da Diáspora Sul-Asiática (INSADL), em 1996e a Rede da Diáspora Coreana (KDN), em 2004. Essas redes organizaram encontros e consultas que resultaram em boletins informativos e no desenvolvimento de diversos materiais para fortalecer o trabalho missionário entre diásporas. Elas também abriram espaço para muitas conversas com estruturas eclesiásticas nacionais e internacionais. Entre os evangélicos, um dos primeiros debates formais sobre o tema das “Pessoas em Movimento” aconteceu na Consulta Missionária de Lausanne em Pattaya, em 2004. Desse encontro nasceu o primeiro documento oficial sobre o assunto: “As Novas Pessoas ao Lado” (LOP 55). Esse documento serviu como um alerta e como um chamado para que a igreja global se envolvesse mais com as questões ligadas à migração mundial. Ele deu o tom para o surgimento de missões entre diásporas em várias conferências cristãs, centros de pensamento missionário e instituições teológicas. Todo esse movimento preparou o terreno para que, em 2007, a missão entre diásporas fosse oficialmente reconhecida como uma rede de atuação dentro do Movimento de Lausanne.
O Movimento de Lausanne e a Rede Global da Diáspora (GDN) acreditam que Deus é soberano sobre a dispersão humana e que a nova realidade da migração mundial pode acelerar a missão de Deus ao redor do planeta. A igreja global está diante de um momento Kairós — um tempo especial cheio de oportunidades e desafios. A GDN quer ser um catalisador para que a igreja global abrace e acelere o ministério entre as Pessoas em Movimento. Ela está comprometida em mobilizar igrejas locais, agências missionárias, redes ministeriais, instituições e outras organizações para se envolverem em missões interculturais nas suas próprias comunidades, onde quer que estejam. O objetivo é aproveitar os vínculos transnacionais e as conexões das comunidades da diáspora para gerar um impacto multifacetado no Reino de Deus ao redor do mundo. A GDN quer ajudar as igrejas a perceberem suas origens diaspóricas e entenderem como a fé vai se transformando de geração em geração. Os cristãos migrantes já criaram comunidades vibrantes nos lugares onde se estabeleceram e hoje são uma força missionária poderosa para reviver o cristianismo em lugares onde ele está enfraquecendo, além de ajudar a diversificar a aparência da fé cristã. A GDN permanece dedicada a despertar e alertar cristãos de todos os lugares, que hoje vivem em muitos lugares diferentes, para que sejam discipulados e sirvam aos grandes propósitos do Reino, mesmo vivendo dispersos pelo mundo. Tudo isso para preparar a igreja global para a realidade escatológica descrita em Apocalipse 7:9 — “uma grande multidão, que ninguém podia contar, de todas as nações, tribos, povos e línguas, de pé diante do trono e do Cordeiro.”
Termos: divergentes e sobrepostos
Existem muitos termos diferentes para falar das Pessoas em Movimento. Muitos estudiosos, estrategistas e pessoas envolvidas no tema acabam usando esses termos como se fossem sinônimos, sem perceber as diferenças sutis entre eles. Alguns preferem um termo em vez de outro, enquanto outros ingenuamente acham que tudo é a mesma coisa. Em certas regiões e idiomas, algumas palavras são mais comuns ou até usadas como se fossem iguais, sem entender as muitas nuances que cada uma carrega. Na Bíblia, também há vários termos para falar sobre deslocamento humano, e a literatura teológica amplia ainda mais esses significados, relacionando-os com a missão cristã ao longo da história.
Cada termo traz um significado bem específico para essa realidade global crescente e carrega um foco e uma razão particulares.[4] Ao investigar a Bíblia, literatura histórica, ciências sociais, leis nacionais, economia, políticas atuais ou atividades missionárias da igreja, é comum que se incline para uma direção ou outra. A preferência por certos termos em áreas acadêmicas específicas complicou ainda mais o uso dessas palavras variadas. Por exemplo, história e direito preferem usar “migração”, enquanto ciências sociais e estudos literários tendem a usar “diáspora”. Já trabalhadores humanitários e formuladores de políticas têm usado cada vez mais o termo “deslocados”. Alguns aplicam o termo “diáspora” exclusivamente ao contexto exílico original dos judeus, enquanto outros usam a palavra para englobar todas as pessoas deslocadas, mesmo atualmente.
Nenhum termo sozinho consegue abranger toda a complexidade multifacetada dos grandes movimentos humanos contemporâneos ao redor do mundo. Por isso, precisamos buscar insights em diversas disciplinas, regiões, estudiosos e literaturas para enriquecer nosso entendimento desse fenômeno. Os movimentos podem variar desde deslocamentos curtos, com trajetos repetidos, até longas viagens que levam a reassentamentos permanentes em sociedades completamente diferentes, do outro lado do mundo. Esses termos cruzam seus próprios limites de definição, pois são palavras que carregam o movimento em si — elas atravessam, transcendem e transformam seus significados de maneiras variadas. Por isso, é mais sensato evitar apontar um único termo como o principal e abrangente para descrever esse fenômeno multidimensional. Fazer isso pode excluir outras formas de deslocamento e as nuances presentes em cada termo. A seguir, apresentamos breves descrições de alguns dos termos mais usados, junto com argumentos e nuances comuns em seu uso.
Migração
A palavra “migração” vem do latim migrare, que significa deixar um lugar e ir para outro. Palavras relacionadas incluem migrar, migrante, migração, migratório, emigrante, imigrante, entre outras. A Organização Internacional para as Migrações (OIM), agência da ONU, define migrante como: “qualquer pessoa que está se movendo ou que se mudou através de uma fronteira internacional ou dentro de um Estado, afastando-se do seu local habitual de residência, independentemente de (1) seu status legal; (2) se o movimento é voluntário ou involuntário; (3) as causas do movimento; ou (4) a duração da permanência.” [5]
Esse é um termo amplo, que abrange diferentes formas de deslocamento humano, independentemente do status, motivo, causa ou tempo envolvido. Migração significa mudar o ambiente ou o local onde se vive, seja por aspirações pessoais, oportunidades (ou falta delas), busca de segurança, ou fuga de perigos. Além dos humanos, o termo também se aplica a movimentos sazonais de aves, animais e insetos que migram de um lugar para outro em busca de alimento. Em outras áreas, como tecnologia, fala-se em migração de hardware, software ou plataformas, e na química e física nuclear, em migração atômica e movimento de partículas subatômicas.
No entanto, o conceito de migração é geralmente linear, focando em um ponto de origem (emigrante) ou destino (imigrante), e é o termo preferido em estudos legais, demográficos e de políticas públicas. Mais importante, a visão da migração é monogeracional: os descendentes dos migrantes normalmente não se consideram migrantes, embora sejam culturalmente diferentes dos nativos dominantes nos locais onde nasceram. A migração, assim, não captura as transformações que acontecem ao longo de décadas ou gerações, nem as complexas conexões transnacionais, a difusão entre culturas e as misturas culturais que surgem com o tempo.
Diáspora
A palavra “diáspora” vem do grego διασπορά, que significa “disperso” ou “espalhado”, encontrada na tradução grega do Antigo Testamento (a Septuaginta) e algumas vezes no Novo Testamento. Originalmente, referia-se aos judeus que foram exilados e viveram longe da sua terra natal, sofrendo o trauma do deslocamento e nutrindo uma profunda saudade de sua pátria. A diáspora é um tema central na missão redentora de Deus ao longo da Bíblia e da história cristã.
O termo diáspora é usado coletivamente para descrever grupos étnicos, nacionais ou linguísticos marcados por algum tipo de deslocamento. Diferentemente de migrantes, que são aqueles que cruzaram uma fronteira ou foram arrancados de sua terra natal sob condições diversas, a diáspora inclui tanto os migrantes quanto seus descendentes, cujas identidades e senso de pertencimento — reais ou simbólicos — foram moldados pela experiência de deslocalização, mistura cultural ou percepção compartilhada. As comunidades da diáspora mantêm vínculos com suas terras ancestrais e com outras comunidades em seus países de adoção ou em outros lugares, baseados em uma história, identidade, comunidade e experiências vividas comuns em terras estrangeiras. Os estudos sobre diáspora frequentemente se cruzam com os estudos pós-coloniais, partilhando interesses em questões como dominação política e epistemológica, subalternidade, raça, gênero, língua e identidade.
Enquanto a migração é um termo linear e unidirecional, inadequado para capturar a realidade contemporânea, que envolve fluxos multidirecionais, multimodais e multilaterais de pessoas vindo de vários lugares para vários destinos, a diáspora é um conceito mais amplo. Ela compreende uma teia complexa de relacionamentos e um coletivo que surge a partir do deslocamento, das misturas culturais e das múltiplas origens, trajetórias, destinos, modos, condições e gerações envolvidos. Além disso, a diáspora inclui os filhos dos migrantes, nascidos e criados em terras estrangeiras, enquanto o termo migrante se refere exclusivamente à primeira geração que migrou de um lugar para outro.
Deslocados (Displaced)
Embora seja um termo genérico, “deslocados” é comumente utilizado para designar as Pessoas Deslocadas Internamente (IDPs, na sigla em inglês), que são migrantes dentro de um mesmo país que foram forçados a se mudar devido a calamidades naturais, opressão política, crises ecológicas, perseguição religiosa ou simplesmente para sobreviver. Dentro da categoria mais ampla de pessoas deslocadas à força, o Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR/UNHCR) inclui também os requerentes de asilo, refugiados e apátridas.
A Organização Internacional para Migração (OIM) define os deslocados internos (IDPs) como pessoas ou grupos que foram obrigados a fugir ou deixar suas casas ou locais habituais de residência, principalmente como consequência—ou para evitar—os efeitos de conflitos armados, violência generalizada, violações de direitos humanos, ou desastres naturais ou provocados pelo homem, sem atravessar uma fronteira geopolítica internacional reconhecida. Os deslocados internos enfatizam a natureza involuntária do deslocamento, destacando que as condições externas — como guerra ou desastre — são as principais causas que forçam a saída. Os fatores que os “empurram” (push factors) para sair devem ser suficientemente fortes para superar qualquer hesitação interna ou obstáculos para permanecer no local original.
O termo “deslocados” também pode ser aplicado de forma mais ampla para incluir deslocamentos que cruzam fronteiras nacionais, o que é chamado de deslocamento transfronteiriço, geralmente ocorrendo em regiões geográficas próximas e através de fronteiras porosas, em circunstâncias graves. Alguns autores ampliam o conceito para incluir deslocamentos socioeconômicos, culturais e psicológicos, que podem ser classificados de outra forma como migração interna. A migração interna não exige passaporte ou visto para deslocamento dentro do país, embora outros documentos pessoais sejam essenciais, especialmente quando as pessoas se mudam para cidades próximas ou outros estados/províncias. Um termo intimamente relacionado é mobilidade, que se refere ao movimento de ascensão social ou econômica dentro de uma determinada classe ou grupo social.
Refugiados
O Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados (ACNUR/UNHCR) é a agência global criada após a Segunda Guerra Mundial para ajudar milhões de pessoas forçadas a fugir de suas casas. A Convenção de Refugiados de 1951 define refugiado como “alguém que fugiu de seu país devido a temores certos de perseguição por motivos de raça, religião, nacionalidade, filiação a um determinado grupo social ou opinião política, que está fora do país de sua nacionalidade e não pode ou não quer usufruir da proteção desse país devido a tais temores; ou como alguém que, não tendo nacionalidade e estando fora do país de sua residência habitual anterior, não pode ou não quer retornar a ele devido a tais temores.” [6] A maioria dos refugiados permanece em campos próximos aos seus países de origem até que a situação em seus países melhore ou até que sejam reassentados em outro país. Em 2022, cerca de 41% dos refugiados globais eram crianças abaixo dos 18 anos.
Requerentes de Asilo (Asylum Seekers)
O asilo é a proteção concedida por um Estado em seu território a pessoas de outro país que fogem de perseguição ou perigo. O conceito de asilo envolve elementos como o princípio de não devolução (non-refoulement), permissão para permanecer no território do país que concede o asilo, e tratamento humano e digno. Um requerente de asilo é um indivíduo que busca proteção internacional em outro país e solicita ser reconhecido como refugiado. Nem todo requerente de asilo será reconhecido como refugiado, mas todo refugiado inicialmente é um requerente de asilo. A maioria dos refugiados e requerentes de asilo desloca-se principalmente por razões não econômicas, evitando ou sendo impedidos de retornar ao país de origem por ameaças à sobrevivência, causadas por guerras, conflitos, violência, perseguição, genocídio, fome, seca, desastres naturais, entre outros.
Transnacionais
Transnacionais são pessoas que pertencem simultaneamente a duas ou mais sociedades, muitas vezes possuindo múltiplas cidadanias ou acesso legal a diferentes países. Elas vivem, trabalham, mantêm relações familiares, consomem mídia e participam de atividades econômicas e políticas atravessando fronteiras nacionais. Com o aumento da facilidade e acessibilidade das viagens internacionais, o número de pessoas transnacionais cresce rapidamente. Algumas deixam suas famílias para trás por escolha própria, outras são forçadas a isso por limitações familiares, comunitárias ou compromissos religiosos. Famílias transnacionais são aquelas em que um ou mais membros vivem parte do ano ou por longos períodos em outro país, por motivos de trabalho, comércio ou negócios. O transnacionalismo refere-se às múltiplas conexões e interações que ligam pessoas ou instituições através das fronteiras dos Estados-nação. Essas pessoas criam raízes em países anfitriões, enquanto mantêm vínculos fortes com suas terras natais. Suas identidades, senso de pertencimento e lealdades são complexos e estão espalhados por diversas fronteiras geográficas e políticas, às vezes convergentes, outras vezes conflituosas.
Expatriados
Expatriados, ou expats, são indivíduos que vivem e/ou trabalham temporariamente em um país diferente do seu país de cidadania, geralmente por razões profissionais. Um expatriado também pode ser alguém que renunciou à cidadania original para obter a de outro país. A mudança do expatriado é normalmente temporária e motivada por vontade própria, sem intenção de migração permanente ou compulsória. Expats frequentemente se deslocam conforme suas necessidades de trabalho ou atribuições globais. Quando retornam ao seu país de origem, são chamados de repatriados.
Pessoas Traficadas (Tráfico Humano)
O tráfico humano é o recrutamento, transporte, transferência, alojamento ou recebimento de pessoas por meio de força, fraude ou engano, com a finalidade de exploração para lucro. Homens, mulheres e crianças de todas as idades e origens podem ser vítimas desse crime, que ocorre em todas as regiões do mundo. [7] O tráfico envolve coagir uma pessoa a prestar trabalho ou serviços, ou a participar de atos sexuais comerciais. Os traficantes usam violência, meios fraudulentos e falsas promessas de emprego ou educação para enganar suas vítimas. A coerção pode ser sutil ou explícita, física ou psicológica. As principais formas de tráfico incluem trabalho em condição de servidão ou dívida, servidão involuntária, trabalho forçado, trabalho infantil, uso de crianças-soldado, tráfico sexual/turismo sexual, prostituição e exploração de menores.
Migrantes Climáticos (Climate Migrants)
Migrantes climáticos são pessoas ou grupos que se deslocam, predominantemente por causa de mudanças ambientais súbitas ou progressivas decorrentes das alterações climáticas. Eles deixam seu lugar de moradia, forçadamente ou por opção, temporária ou permanentemente, dentro de um país ou atravessando fronteiras internacionais. [8] Este é um tema emergente, que tende a se tornar ainda mais crítico nas próximas décadas devido aos impactos crescentes das mudanças climáticas.
Complexidade dos Termos e Movimentação Humana
Conforme ilustrado acima, a grande variedade de termos usados para descrever o fenômeno das pessoas em movimento difundiu o significado dos termos e seu uso. Uma definição simples como “qualquer pessoa que muda seu país de residência habitual” não captura as complexidades das motivações, condições e circunstâncias da mobilidade humana. Além disso, o estudo de pessoas em movimentos inclui estudantes que viajam ao exterior para fins acadêmicos, mas exclui deslocamentos de curto prazo como turistas, viajantes a negócios, para tratamentos médicos ou peregrinações religiosas. Há também uma disparidade no uso dos termos conforme as origens e destinos: ocidentais que trabalham em países do Sul Global são frequentemente chamados de expatriados, enquanto os que se deslocam no sentido contrário são chamados de migrantes (como os provenientes da Ásia) ou de refugiados (como os provenientes da África e América do Sul). Essa nomenclatura evidencia desigualdades, diferenças de poder e privilégios, como o acesso facilitado a países através de isenções de visto, laços econômicos e relações diplomáticas que nem todos os países gozam. A migração ilegal, o tráfico de pessoas e a travessia de fronteiras sem documentação oficial são fenômenos difíceis de monitorar, especialmente devido aos riscos de viagens perigosas por mares e rotas inseguras, o que dificulta ainda mais a pesquisa e documentação desses movimentos.
Recentemente, o termo diáspora tem sido usado de forma ampliada para incluir várias formas de deslocamento humano dentro de um mesmo território geopolítico e através de diversas disciplinas e condições, embora alguns prefiram preservar seu uso original ligado ao contexto histórico dos judeus exilados. Toda migração é o ato de mover-se de um lugar para outro — seja do campo para a cidade, de uma região a outra dentro do mesmo país, ou entre países. Em resumo, não é possível usar uma única lente para descrever os movimentos humanos. Hoje, o termo diáspora se aplica a “qualquer população que seja desterritorializada ou transnacional, originada em uma terra diferente da atual e cujas redes sociais, econômicas e políticas ultrapassam fronteiras nacionais, ou se estendem pelo globo.” [9]
Mundo em movimento: Somos todos migrantes
A edição de agosto de 2019 da National Geographic trouxe uma reportagem de capa chamada “Um Mundo em Movimento”, que analisava problemas atuais como o aumento do nível do mar, falhas nas colheitas, guerras e outros fatores que estão causando um recorde de migração ao redor do mundo. [10] Hoje em dia, é muito raro encontrar pessoas que moram exatamente no lugar onde seus antepassados nasceram. Se voltarmos no tempo — quer seja alguns anos ou algumas gerações— vamos perceber que nenhum de nós é nativo dos lugares que consideramos nosso lar. Todos viemos de algum outro lugar, e as gerações futuras vão explorar lugares e culturas além daqueles que conhecemos. A migração é o fio condutor da história humana, não importa o quanto a gente se ache “estacionado”. Seja por curiosidade, aventura, guerra ou fome, os humanos são, no fundo, uma espécie migratória, e ficar parado em um lugar é só uma exceção temporária nessa longa história coletiva. [11]
Somos todos migrantes ou descendentes de migrantes. A história de algum tipo de deslocamento está profundamente enraizada em nosso ser, assim como foi para nossos antepassados, também será para nossos descendentes. A humanidade é uma espécie que migra. As sociedades modernas, os países, as economias e as políticas evoluíram a partir de sucessivos deslocamentos humanos. As pessoas saem do campo para as cidades ou mudam conforme as atividades econômicas mudam, na esperança de uma vida melhor. As formas de sustento mudam a cada geração, e as estruturas sociopolíticas se ajustam às novas realidades. As flutuações econômicas, a distribuição desigual de capital, oportunidades e infraestrutura fazem com que as pessoas se dispersem de forma desigual pelo mundo. As diferenças no nível de conhecimento e habilidades, além da falta de emprego em muitas regiões, obrigam as pessoas a buscarem trabalho além das fronteiras regionais ou nacionais, em lugares distantes de onde nasceram ou cresceram. Com mais empregos podendo ser feitos remotamente, é possível morar num país, trabalhar em outro, enquanto a família vive em um terceiro. Ganhos, compras, pagamentos e investimentos cruzam fronteiras mais facilmente do que nunca.
Nossas mudanças de lugar são motivadas por ambições, perigos, ameaças ou medos, embora para alguns esses sonhos se tornem pesadelos no processo. Movemos para sobreviver diante de situações de risco ou para prosperar em terras que oferecem melhores oportunidades. Mesmo depois de construir muitos muros, barreiras e leis contra a migração, o desejo de ir para fora é mais forte do que nunca, e a disposição para correr grandes riscos em busca de oportunidades em outro lugar persiste sem parar. Com o aumento do nacionalismo étnico e do racismo nos lugares para onde vão, os migrantes continuam estranhamente conectados às suas terras natais usando novas tecnologias, mesmo quando se sentem estrangeiros onde montaram suas “barracas” e nunca chegam realmente ao destino desejado. Apesar das muitas incertezas e perigos, as pessoas continuam a explorar lugares distantes porque somos homo migrateur.
O geógrafo e demógrafo britânico Ernest Ravenstein (1834-1913), conhecido como o “pai dos estudos de migração”, desenvolveu um conjunto de leis pioneiras da migração entre 1885 e 1889, muitas das quais ainda são válidas. Essas leis são: a) Lei da distância da migração: a maioria dos migrantes viaja distâncias relativamente curtas, e o volume de migração diminui conforme a distância aumenta; b) Lei da direção da migração: a migração acontece em etapas, com migrantes saindo de pequenas cidades para cidades maiores e depois para grandes centros urbanos; c) Lei das características do migrante: jovens, solteiros e economicamente ativos têm maior probabilidade de migrar; d) Lei da contra migração: todo fluxo migratório gera um fluxo de retorno, ou um movimento significativo na direção oposta; e) Lei das oportunidades intermediárias: migrantes muitas vezes se estabelecem no primeiro destino adequado que atende suas necessidades, diminuindo as chances de chegar ao destino inicial desejado; f) Lei da migração em etapas: toda migração acontece em fases, com cada passo melhorando condições de vida, oportunidades econômicas e outros fatores que incentivam o migrante a continuar se movendo.
No entanto, essas ideias foram ampliadas por novas teorias que consideram diferentes aspectos dos movimentos contemporâneos de pessoas e suas gerações futuras em terras estrangeiras. Muitas teorias foram propostas no último século para explicar a migração humana, usando diversos campos como demografia, sociologia, economia, antropologia, ciência política, psicologia, tecnologia, transporte, direito e estudos de mídia. Por exemplo, a teoria econômica neoclássica vê a migração como uma decisão racional individual para maximizar ganhos econômicos, movendo-se de lugares com baixos salários e poucas oportunidades para regiões com salários maiores e melhores perspectivas financeiras. A teoria do mercado foca na oferta e demanda no mercado de trabalho, enquanto a teoria das redes destaca o papel das redes sociais na migração. Aspectos socioculturais como língua, etnia e religião são fundamentais para atrair ou repelir migrantes. A teoria do sistema mundial sugere que a migração é resultado da distribuição desigual de recursos e oportunidades entre nações dentro da ordem capitalista global. Novas tecnologias de mobilidade, acesso a centros de transporte, internet e mídia também são determinantes na dispersão em massa da humanidade além das fronteiras nacionais. Outras teorias incluem modelos baseados em gravidade, osmose, infraestrutura e desenvolvimento. O que é absolutamente fundamental é que os movimentos de pessoas são um fenômeno multifacetado, e nenhuma teoria sozinha é capaz de explicar tudo. Uma combinação dessas teorias, junto com outros fatores como motivações psicossociais, exposição a oportunidades em outros lugares por meio da mídia, conhecimentos históricos, acesso à tecnologia e às redes modernas de comunicação e transporte, contribuem para as decisões migratórias. Novas políticas e restrições de certos países acabam redirecionando os fluxos migratórios para outros locais. A ação humana e a interação complexa desses vários fatores ajudam a entender melhor as realidades das comunidades da diáspora pelo mundo. Porém, um fator muito importante a considerar além dessas teorias seculares é o fato da soberania divina sobre onde as pessoas nascem e onde vivem (Atos 17:26). Deus tem um papel essencial em guiar ou determinar a dispersão e o movimento dos seres humanos pelo mundo, assim como na formação de muitas comunidades da diáspora ao longo de lugares e gerações, que moldaram o destino das nações e do nosso mundo.
Tabela 1: Fatores de atração e repulsão das pessoas em movimento
Fatores de Atração (Pull) | Fatores de Repulsão (Push) | |
Econômicos | Oportunidades econômicas, melhores perspectivas de emprego, salários mais altos, terra fértil e água; | Dificuldades econômicas, pobreza, desemprego, falta de emprego e quebra de safra |
Educação e Saúde | Acesso a educação de qualidade, ensino superior e saúde de qualidade; | Falta de acesso à educação e à saúde |
Qualidade de vida | Condições de vida superiores, melhor infraestrutura, avanços tecnológicos e qualidade de vida; | Falta de desenvolvimento, crime e corrupção |
Políticos | Estabilidade política e ambiente seguro; | Conflito, guerra e instabilidade política |
Religiosos e Culturais | Liberdade religiosa e cultural; | Discriminação e perseguição com base em religião, etnia e minorias |
Ambientais | Melhor clima e amenidades naturais; | Desastres naturais, mudança climática, poluição, recursos limitados ou esgotamento de recursos |
Vínculos familiares e sociais | Reunificação familiar, necessidades de apoio, adoção, casamentos internacionais; | Falta de apoio familiar, membros da família em um lugar melhor, casamentos entre pessoas do mesmo sexo |
Algumas das características típicas das diásporas são: [12] a) Dispersão a partir de uma terra de origem, muitas vezes de forma traumática, para duas ou mais regiões estrangeiras; b) Alternativamente, a expansão voluntária a partir da terra natal em busca de trabalho, comércio ou como parte de projetos coloniais; c) A presença de uma memória coletiva e um mito sobre a terra de origem, incluindo sua localização, história e conquistas; d) Uma idealização da terra natal, real ou imaginada, e um compromisso coletivo com sua preservação, segurança, restauração e prosperidade — até mesmo com sua (re)construção; e) O desejo e movimento de retorno à terra de origem, que é reconhecido e valorizado coletivamente; f) Uma forte consciência étnica, mantida ao longo do tempo, baseada no sentimento de identidade própria, em uma história comum e na crença de um destino compartilhado; g) Uma relação difícil com as sociedades anfitriãs, que pode envolver rejeição, exclusão ou o temor de que novos sofrimentos atinjam o grupo; h) Um senso de solidariedade e empatia com outros membros do grupo étnico espalhados por diferentes países; i) E, por fim, a possibilidade de levar uma vida criativa e enriquecedora nos países de acolhimento, com abertura ao pluralismo e à convivência com diferentes culturas. Outros estudiosos têm ajustado, expandido ou reagrupado essas características principais das populações em movimento. [13]
Os sentimentos políticos e as políticas nacionais oscilam bastante entre incentivar a entrada de pessoas e restringir completamente os fluxos migratórios. Em alguns países, constroem-se novos muros ou elaboram-se novas leis para conter a migração, enquanto outros são obrigados a abrir suas fronteiras por causa do envelhecimento da população, da queda da força de trabalho ou da escassez de profissionais qualificados. Tensões inter-raciais e disputas socioeconômicas tornam alguns lugares menos atraentes, levando a uma perda de talentos globais para outras nações. Muitos países adotam uma visão de curto prazo, mas os efeitos reais dos movimentos migratórios só se revelam ao longo de gerações e até séculos. Hoje, o mundo está mais conectado do que nunca. A intensificação das interações entre pessoas de diferentes países tende a acelerar ainda mais a mobilidade humana nas próximas décadas. Com o aumento da velocidade e do fácil acesso à internet e com a redução do custo da transferência de dados, cada vez mais pessoas estarão conectadas por novas ferramentas e plataformas. Assim, nos próximos anos, mais pessoas migrarão com mais frequência e para mais lugares. A pandemia global, as guerras e conflitos, as desigualdades socioeconômicas, a perseguição, os riscos físicos e as crises ambientais continuarão forçando milhões a buscar novos destinos fora de seus países de origem. Movidas pelo desejo de um mundo mais justo e inclusivo, muitas pessoas migrarão em busca de meios de vida dignos e segurança em outros territórios. O capital humano é distribuído de forma desigual e valorizado de maneiras distintas ao redor do mundo. O chamado brain drain (ou “fuga de cérebros”) ocorre quando há perda de profissionais qualificados em certos setores por conta da emigração desses trabalhadores para outros países com melhores condições. Por outro lado, quando os migrantes retornam aos seus países de origem trazendo conhecimentos, habilidades, capital e conexões profissionais, ocorre o chamado brain gain (“ganho de cérebros”). Em alguns casos, o movimento migratório não é definitivo: há a chamada migração circular, quando a pessoa se desloca repetidamente entre dois ou mais países.
Todas as pesquisas e projeções sobre migração indicam que a mobilidade humana global vai continuar crescendo nas próximas décadas e seguirá sendo uma questão central no mundo todo. A transição para energias renováveis, a pressão inflacionária sobre as economias nacionais, o surgimento de novas tecnologias de mobilidade, como veículos autônomos, inteligência artificial, robótica e outros avanços, vão causar fortes transformações na ordem socioeconômica atual — e essas mudanças não vão beneficiar todos de forma igual, o que deve aumentar ainda mais a emigração em várias partes do mundo. Estamos à beira de um salto gigantesco na mobilidade humana, com promessas como carros voadores, sistemas de transporte como o hyperloop e aviões supersônicos. Ao mesmo tempo, veremos a despopulação de alguns centros urbanos, o envelhecimento populacional e a redução demográfica de várias nações, o que vai gerar grandes movimentos populacionais. Pandemias, inflação, mudanças climáticas, guerras e outros fatores continuarão forçando muitas pessoas a buscar lugares mais habitáveis em outras regiões do planeta. Tudo isso aponta para um cenário em que mais pessoas irão se deslocar nas próximas três décadas do que nos últimos três séculos.
Números em crescimento: Dados e tendências
Ter acesso a dados realmente confiáveis e atualizados sobre migração global não é tarefa fácil. Os números usados por governos, demógrafos, estatísticos, jornalistas, ONGs e pelo público em geral variam bastante, pois tudo depende da fonte, da definição de “migrante”, da metodologia utilizada e do objetivo do relatório. Outro ponto que dificulta essa tarefa é que os dados sobre migração mudam o tempo todo. Contar, com frequência e precisão, todos os tipos de migrantes espalhados pelo mundo é praticamente impossível. Além disso, quando um relatório sobre migração finalmente é publicado, ele já pode estar desatualizado — o que não significa que ele não seja útil, mas que se trata de uma realidade em constante transformação.
A Organização Internacional para as Migrações (OIM), ligada às Nações Unidas, acompanha os movimentos migratórios de todos os países e divulga dados e tendências por meio de seu principal relatório, o World Migration Report (WMR) — ou Relatório Mundial sobre Migração. [14] Desde o ano 2000, esse relatório é publicado a cada dois anos, sempre em dezembro, e traz os dados mais atualizados e confiáveis sobre migração global, além de ensaios temáticos sobre questões migratórias atuais e relevantes. Em dezembro de 2017, a OIM criou o Centro Global de Análise de Dados sobre Migração, chamado Migration Data Portal, que oferece dados atualizados e ferramentas de visualização sobre migrantes no mundo todo. Esses dados são constantemente atualizados graças à cooperação com agências governamentais e organizações internacionais dedicadas à pesquisa em migração global. [15] Essas informações são amplamente utilizadas por pesquisadores, jornalistas e formuladores de políticas públicas em todo o mundo.
O último Relatório Mundial sobre Migração (WMR) disponível é o de 2022, publicado em 1º de dezembro de 2021. Segundo esse relatório, havia cerca de 281 milhões de migrantes internacionais no mundo em 2020, o que representa 3,6% da população global. Ou seja, apenas 1 em cada 30 pessoas no mundo é migrante. A grande maioria da população mundial ainda vive no país onde nasceu, embora muita gente se desloque dentro do próprio país. Para comparar:
- Em 2010, havia 220 milhões de migrantes internacionais (3,2% da população mundial);
- Em 2000, eram 173 milhões (2,8%);
- Em 1990, 152 milhões (2,9%);
- Em 1980, 102 milhões (2,3%);
- E em 1970, o número era de 84 milhões.
Em relação às mortes, em 2020 foram registradas cerca de 3.900 mortes ou desaparecimentos de migrantes ao redor do mundo, um número menor que os 5.900 casos em 2019. Porém, os números reais provavelmente são muito mais altos e tendem a crescer ano após ano, já que muitos casos nunca são documentados.
Figura 1: Migrantes Internacionais por Grandes Regiões de Residência (2005–2020, em milhões)

Em 2022, as mulheres representavam 48% dos migrantes internacionais, uma leve queda em relação aos 49,4% de 2000. Já as crianças migrantes correspondiam a 14,6% do total, enquanto em 2000 eram 16%. A Europa é atualmente o principal destino de migrantes internacionais, com 87 milhões de pessoas (o que equivale a 30,9% do total global), seguida de perto pela Ásia, com 86 milhões de migrantes. A América do Norte abriga 59 milhões de migrantes internacionais (20,9%), seguida da África, com 25 milhões (9%). Nos últimos 15 anos, o número de migrantes internacionais na América Latina e Caribe mais que dobrou, passando de cerca de 7 milhões para 15 milhões. Isso torna a região a que mais cresceu proporcionalmente no número de migrantes, sendo hoje destino de 5,3% dos migrantes internacionais. Na Oceania, vivem cerca de 9 milhões de migrantes, o que representa aproximadamente 3,3% do total. Em 2020, houve 1,8 bilhão de passageiros aéreos em todo o mundo (contando voos nacionais e internacionais), um número bem menor que os 4,5 bilhões registrados em 2019, por causa da pandemia. Ainda em 2020, foram registrados 9,8 milhões de deslocamentos forçados por conflitos e violência, além de 30,7 milhões de pessoas deslocadas internamente por causa de desastres naturais ao redor do planeta.
Em 2023, a Índia se tornou o país mais populoso do mundo e tem a maior população de emigrantes, com cerca de 18 milhões de pessoas que saíram do país. Os outros países que mais enviam migrantes são México (11 milhões), Rússia (10,8 milhões) e China (10 milhões). O quinto país que mais gera migrantes é a Síria, com cerca de 8 milhões, em sua maioria refugiados, por conta da guerra e do grande deslocamento que o país enfrenta há mais de dez anos. Por outro lado, os principais destinos dos migrantes no mundo continuam os mesmos nos últimos 50 anos. Os Estados Unidos lideram, com 51 milhões de migrantes internacionais em 2022. Em seguida vem a Alemanha, com quase 16 milhões, e a Arábia Saudita, que ocupa o terceiro lugar com 13 milhões. A Rússia acolhe 12 milhões de migrantes e o Reino Unido tem 9 milhões.
Figura 2: Os 20 principais destinos (à esquerda) e os 20 principais países de origem (à direita) dos migrantes internacionais em 2020 (em milhões)

Um indicador muito importante que se acompanha nas pesquisas sobre migração é o das remessas — ou seja, o dinheiro que os migrantes internacionais mandam para suas famílias nos países de origem. Desde o começo dos anos 2000, esse dinheiro enviado do exterior virou uma fonte maior de receita para muitos países do que a ajuda internacional ou os investimentos estrangeiros, e passou a ser um fator-chave no planejamento econômico e nas políticas nacionais. As remessas são usadas para ajudar a família, pagar estudos, cumprir obrigações familiares, guardar dinheiro, abrir pequenos negócios, fazer obras de caridade, casar irmãos e até para questões religiosas. De acordo com o Relatório Mundial de Migração 2022 (WMR 2022) e o relatório do Banco Mundial sobre remessas anuais, a Índia continua sendo o maior país receptor, recebendo mais de 83,2 bilhões de dólares. Em segundo lugar vem a China, com 59,5 bilhões. Esses dois países estão no topo da lista já há mais de dez anos. Outros países entre os cinco maiores receptores são México (42,9 bi), Filipinas (34,9 bi) e Egito (29,6 bi). Logo depois vêm Paquistão, França, Bangladesh, Alemanha e Nigéria.
Quanto aos países que mais enviam remessas, os Estados Unidos continuam, sem dúvida, em primeiro lugar há mais de 25 anos. Outros grandes países que mandam dinheiro para suas comunidades no exterior são os Emirados Árabes Unidos, Arábia Saudita, Suíça, Alemanha, China, Rússia, França, Luxemburgo e Holanda.
Figura 3: Os 10 países que mais recebem remessas (1995-2020)

Figura 4: Os 10 países que mais enviam remessas (1995-2020)

Segundo o ACNUR (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados), até o final de 2022, havia cerca de 108,4 milhões de pessoas no mundo que foram forçadas a sair de seus lugares por causa de perseguição, violações de direitos humanos, guerras, violência ou outros eventos que bagunçaram a ordem pública. [16] Esse número inclui refugiados, deslocados internos, pessoas buscando asilo e outras que precisam de proteção internacional. Em 2022, tinha 35,3 milhões de refugiados e 5,4 milhões de pessoas pedindo asilo. Os deslocados internos — ou seja, pessoas que tiveram que fugir dentro do próprio país — chegaram a um recorde de 62,5 milhões. Mais da metade dos refugiados (52%) veio de três países: Síria (19%), Ucrânia (16%) e Afeganistão (16%). Os países que mais acolhem refugiados são Turquia (3,6 milhões), Irã (3,4 milhões), Colômbia (2,5 milhões), Alemanha (2,1 milhões) e Paquistão (1,7 milhão).
A pandemia do coronavírus e as restrições de viagem que ela trouxe fizeram a migração diminuir um pouco nos últimos anos, mas agora a mobilidade voltou aos níveis que eram antes da pandemia. Um sinal claro disso foi a queda de 60% no número de passageiros de avião em 2020, comparado a 2019. As restrições nas fronteiras causaram muitos problemas para migrantes e agravaram situações que já eram difíceis. Milhares de trabalhadores sazonais, estudantes internacionais, migrantes em tratamento médico, marítimos e outros ficaram presos, sem poder chegar aonde precisavam.
Figura 5: Pessoas forçadas a se deslocar no mundo (1992-2023, em milhões)

Além disso, as crianças dos migrantes que nasceram e foram criadas nas terras adotadas por seus pais ou ancestrais podem não manter vínculos ativos com os locais de origem. Embora façam parte integrante das diásporas étnicas nesses países, elas não são consideradas migrantes em si, embora frequentemente sejam percebidas como tal pelos grupos majoritários dominantes em suas nações de domicílio. Portanto, as estatísticas de migração tendem a contabilizar principalmente a primeira geração, enquanto as comunidades da diáspora são multigeracionais, envolvendo também questões relacionadas às futuras gerações de migrantes. Pessoas de ascendência mista ou híbrida podem se identificar em diferentes direções, dependendo dos benefícios percebidos, o que pode gerar crises de identidade e pertencimento. Cidadania, grau de assimilação, filiação política, aparência, domínio linguístico, nível educacional, situação econômica, integração social e outros fatores desempenham papel determinante nas redes de relacionamentos e na autopercepção do indivíduo.
Todas as cifras e análises apresentadas, entretanto, falham em retratar de maneira completa e precisa o cenário contemporâneo da migração global. O fenômeno das Pessoas em Movimento é uma realidade em rápida transformação no mundo inteiro, e dados e gráficos acabam ficando desatualizados, não refletindo as realidades locais atuais. As informações aqui citadas serão superadas por dados mais recentes, e recomenda-se aos leitores consultarem as fontes originais para obter as últimas estatísticas e tendências migratórias. Essa dinâmica torna o estudo das comunidades migrantes e da diáspora um desafio constante, mas também uma área de pesquisa vibrante, com números e padrões em constante evolução. Outro aspecto pouco explorado é a religiosidade das comunidades imigrantes. O crescimento das igrejas imigrantes nas nações ocidentais é uma realidade que avança rapidamente, porém permanece subestimada e pouco documentada nas bases de dados cristãs. [17] Como a maioria dessas igrejas inicia de maneira informal, muitas vezes em residências ou espaços alugados, realizando cultos em idiomas estrangeiros e mantendo fortes vínculos com suas terras de origem, é difícil quantificar precisamente essa proliferação global.
Bíblia, hermenêutica da diáspora e o cristianismo como diáspora
Embora termos contemporâneos como migração, refugiado, deslocado ou transnacional não apareçam explicitamente na Bíblia, a noção de deslocamento está presente ao longo das suas páginas. A ideia moderna de estado-nação, fronteiras geopolíticas, passaportes e vistos é uma invenção recente na história da humanidade, mas isso não significa que os relatos bíblicos estejam alheios a esses temas ou que sejam irrelevantes para a história da salvação. Muitos leitores contemporâneos desconhecem os detalhes geográficos de muitos lugares mencionados na Bíblia, especialmente porque muitos nomes foram alterados ao longo do tempo, o que nos distância dos contextos originais. Assim, considerando que a maioria dos leitores hoje está longe dos contextos originais de tempo e espaço dos textos bíblicos, pode-se afirmar que todo engajamento com as Escrituras é, em essência, uma experiência diaspórica.
Por outro lado, o termo “diáspora” é bíblico e representa um tema fundamental na história redentora. Ele aparece na Septuaginta (a tradução grega do Antigo Testamento) e é frequente no Novo Testamento. Originalmente, trata-se de um termo agrícola, referindo-se ao ato de semear sementes pelo solo, e passou a designar a dispersão dos judeus durante o exílio babilônico. Na Septuaginta, “diáspora” foi traduzido em diversas versões da Bíblia como removido, expulso, disperso, banido, exilado, espalhado, excluído, preservado, remanescente e até horrorizado. No Novo Testamento, o termo aparece como substantivo em João 7:35, Tiago 1:1, 1 Pedro 1:1, e como verbo em Atos 8:1, 4 e Atos 11:19.
Quase todos os escritos bíblicos são diaspóricos, isto é, foram escritos por, para, sobre e a respeito de migrantes e seus descendentes. Eles foram originalmente compostos, editados, desenvolvidos, preservados, distribuídos, interpretados, traduzidos e lidos no contexto de algum tipo de deslocamento. Seus autores, leitores originais e portadores eram migrantes ou suas gerações seguintes, que viviam como minorias em terras estrangeiras. A maioria dos personagens principais, narrativas, enredos e cenários é marcada por deslocamentos diversos. A necessidade de traduzir as Escrituras do Antigo Testamento do hebraico para o grego surgiu em Alexandria, no Egito, entre a diáspora judaica, e não em Jerusalém, centro do judaísmo na época. Isso ocorreu porque as gerações seguintes haviam perdido a competência linguística no hebraico, tornando-se dominantes em grego no contexto helenístico do Império. Todo o Novo Testamento foi escrito em grego koiné, língua franca dos povos helenizados, que era estrangeira a Jesus e seus discípulos. A dispersão judaica, a cultura helenística e o Império Romano desempenharam um papel estratégico na disseminação do cristianismo nos primeiros séculos. A leitura e interpretação contemporâneas da Bíblia ocorrem muito distantes dos leitores e contextos originais. Assim, pode-se argumentar que a diáspora é uma metanarrativa da Bíblia, pois ela abarca todos os tipos de migrações, sob variadas condições, de um lugar para outro. Esse tema abrangente de deslocamento ressoa universalmente com indivíduos desarraigados, buscando um lar em terras estrangeiras, sendo um elemento fundamental da narrativa bíblica. Não surpreende que hoje, migrantes em todo o mundo se identifiquem profundamente com seus personagens e mensagens.
A Bíblia começa com a expulsão do primeiro casal do Paraíso no Jardim do Éden (Gn 3:23) e com a peregrinação de Caim (Gn 4:12-16). Seguem-se as histórias de Noé em sua arca para escapar do dilúvio (Gn 6-9) e da dispersão dos povos de Babel por toda a Terra (Gn 11:8-9). Depois, vemos a vocação de Abrão para deixar sua terra e seu povo (Gn 12:1-3), sua longa peregrinação pela Palestina e Egito, além de conflitos familiares que levam seu sobrinho Ló a seguir por outro caminho (Gn 13:5-12). Abraão envia seu servo para buscar uma esposa para seu filho Isaque na terra natal da família (Gn 24). Um conflito pela herança faz Jacó fugir para sua terra natal, onde casa com suas primas (Gn 27), e depois ele foge do sogro de volta a Canaã (Gn 31). José é vendido como escravo por seus irmãos para mercadores midianitas que o levam ao Egito (Gn 37:23-28). Lá, ele ascende a um alto cargo público na mais avançada civilização da época (Gn 41:41-45). Posteriormente, durante uma fome na Palestina, os filhos de Jacó vão ao Egito buscar alimento (Gn 42:1-2), transferindo-se toda a família para lá, e depois retornam a Canaã para enterrar Jacó junto aos seus ancestrais (Gn 49:29-33). Tudo isso no primeiro livro da Bíblia, que poderia muito bem ser chamado “Livro das Migrações”. Gênesis é um texto arquetípico que retrata todas as formas de itinerância, seja ela punitiva ou redentora. [18]
Um tema subjacente ao segundo livro da Bíblia, Êxodo, é o colossal movimento de um povo em formação, que escapa da escravidão no Egito para ser conduzido à Terra Prometida, “uma terra que mana leite e mel”. O livro narra a fuga em massa sob o véu da escuridão, a jornada pelo deserto, os ataques inimigos, a travessia do Mar Vermelho, as provisões e proteções sobrenaturais, e a manifestação de Deus como uma coluna de fogo e nuvem que os precede. Também relata o recebimento dos Dez Mandamentos para a vida na nova terra, tudo isso dentro do contexto de múltiplos tipos de deslocamento. A história seguinte de Israel é marcada por ciclos de obediência e rebelião, como nos livros de Josué e Juízes, culminando em migrações forçadas para a Assíria (2 Reis 17:5-23) e no exílio babilônico (2 Reis 25), além da intervenção divina que possibilitou o retorno dos exilados à terra natal (Esdras e Neemias). O profeta Jeremias exorta os israelitas a buscarem o bem-estar da nação anfitriã e a cuidar dos estrangeiros (Jr 29:4-9). O livro de Ester narra a vida dos judeus no Império Persa, enquanto o livro de Daniel oferece insights sobre a experiência de judeus vivendo em terras estrangeiras e seus esforços para preservar sua identidade. Jonas é chamado para pregar contra a maldade de Nínive (atual Iraque), mas inicialmente foge para Társis (atual Espanha), sendo depois redirecionado para cumprir a missão de Deus para sua vida. Os livros proféticos abordam as razões do exílio e trazem esperança de restauração, reconciliação e salvação para o mundo.
Todos os personagens principais do Antigo Testamento — Adão, Noé, Abraão, Sara, Agar, Isaque, Rebeca, Jacó, José, Moisés, Josué, Rute, Davi, Jeremias, Daniel, Ezequiel, Ester, Neemias, Esdras, Jonas, entre outros — são apresentados num cenário marcado por deslocamentos diversos. Muitos estudiosos atribuem a Moisés a autoria da maior parte do Pentateuco; ele próprio foi um hebreu da quarta geração, adotado pela família real egípcia, criado e treinado no Egito, enfrentando conflitos de identidade, e casado com a filha de um sacerdote pagão de Midiã. Sua vida foi marcada por longas peregrinações no deserto do Sinai, o que o qualificou de forma singular para confrontar o faraó e conduzir o povo escolhido por Deus da escravidão à Terra Prometida. A história de Israel — sua formação, seu chamado para ser luz para as nações, sua divisão, o exílio forçado e o retorno — é toda enquadrada em movimentos geoculturais.
Jesus também foi um homem em movimento. Sua encarnação representa um deslocamento voluntário do céu para a terra. No nascimento, foi levado para o Egito por seus pais para escapar da morte, pois muitos de sua geração foram mortos pelo rei Herodes. Durante sua vida e ministério, Jesus esteve constantemente em movimento, ao ponto de ser dito que “o Filho do Homem não tem onde reclinar a cabeça” (Mt 8:20). O nascimento da igreja, o livro de Atos dos Apóstolos e as cartas do Novo Testamento são todos ambientados em contextos diversos de deslocamento. Toda a Bíblia precisa ser compreendida no contexto da mobilidade com atenção aos muitos detalhes geográficos para revelar os fatores diaspóricos na formação do cristianismo primitivo. O mega tema do deslocamento é intrínseco às narrativas bíblicas, pois tratam de estar longe da terra natal, buscar pertencimento, construir uma comunidade de fé e cumprir uma missão com Deus no mundo.
Os relatos dos Evangelhos mais antigos registram que “eles saíram e pregaram por toda parte” (Marcos 16:20a). Os discípulos estavam em movimento. Dotados do poder do Espírito Santo, receberam a ordem de dar “testemunho em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (Atos 1:8). No nascimento da igreja em Jerusalém, a festa judaica da Páscoa reuniu judeus e convertidos do judaísmo oriundos de diversas localidades da diáspora, como “Pártia, Medos e Elamitas, habitantes da Mesopotâmia, Judeia, Capadócia, Ponto, Ásia, Frígia e Panfília, Egito e partes da Líbia próximas a Cirene, Roma, cretenses e árabes” (Atos 2:9-11). Ao retornarem, essas comunidades de fé foram estabelecidas em suas cidades natais. Contudo, por causa da crescente perseguição, “todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pela Judeia e Samaria” (Atos 8:1). Posteriormente, “os que foram dispersos anunciavam a palavra por onde quer que fossem” (Atos 8:4). A perseguição, paradoxalmente, catalisou a expansão do evangelho (Atos 11:19). A expansão do cristianismo seguiu os contornos das comunidades judaicas dispersas ao redor do Mediterrâneo e dentro do Império Romano. O livro de Atos dos Apóstolos é repleto de detalhes geográficos que evidenciam o papel crucial das diásporas na difusão do cristianismo.
Grande parte das cartas de Paulo surgiu em meio às suas viagens missionárias. Ele próprio era fruto da diáspora: judeu nascido em Tarso, na Cilícia (atual Turquia), cidadão romano e educado por um mestre judeu em Jerusalém. Paulo encontrou Jesus no caminho para Damasco, ensinou na igreja em Antioquia da Síria, que o enviou às suas jornadas missionárias, e morreu em Roma por sua fé. A teologia paulina centra-se em ministrar a públicos diversos — judeus e gentios —, na adaptação cultural, na unidade na diversidade, e na construção de uma identidade e pertencimento que transcendem fronteiras terrenas. Outros exemplos de pessoas vinculadas a deslocamentos incluem Barnabé, Timóteo, Marcos, Lucas, Áquila e Priscila, Silas, Febe, Tabita e Lídia. A carta de Pedro, dirigida a comunidades da diáspora no norte da Ásia Menor (1 Pedro 1:3), aborda diretamente o sofrimento e a esperança diante da opressão imperial romana. Tiago escreve para “as doze tribos dispersas entre as nações” (Tiago 1:1), enfatizando a importância da fé acompanhada por boas obras em contextos de pobreza, perseguição e marginalização extrema sob o domínio imperial. Até o último livro da Bíblia, Apocalipse, foi escrito em contexto de exílio. João escreveu enquanto estava exilado na colônia penal romana da ilha de Patmos. A mensagem de Apocalipse encoraja os fiéis a resistirem à pressão para adorar o imperador e a permanecer firmes até a morte, assegurando que serão vindicados no retorno de Cristo, quando os ímpios serão destruídos e o povo de Deus, de todas as partes, entrará numa eternidade de glória (Ap 7:9). A noção da cidadania celestial presente nas Escrituras sugere que os cristãos não têm plena morada neste mundo, mas possuem uma identidade e lealdade que ultrapassam as fronteiras terrenas (Filipenses 3:20; 1 Pedro 2:11). O tema da jornada simbólica ressalta a tensão entre a realidade presente e a esperança última de um lar celestial sob o reinado eterno de Deus.
A lente da diáspora é essencial para compreender a Bíblia e o impulso missionário que está entrelaçado em suas narrativas. Todo esforço hermenêutico exige certa distância para ler e interpretar qualquer texto bíblico, e os contextos diaspóricos naturalmente fornecem esse espaço. Pessoas deslocadas são mais conscientes de sua situação e de sua alienação em terras estrangeiras. Sua luta com a identidade, não pertencendo plenamente à pátria adotiva e, ao mesmo tempo, nutrindo uma profunda saudade do mundo que deixaram para trás, faz delas candidatas ideais para a tarefa interpretativa. O deslocamento diaspórico permite que os dispersos abordem as Escrituras de uma maneira distinta, sendo atraídos especialmente pela Bíblia, cujas páginas estão repletas de narrativas migratórias. Suas experiências de vida ressoam com personagens, histórias e dilemas bíblicos. Eles percebem o coração de Deus pelos estrangeiros e pelas diásporas marginalizadas, encontrando consolo nas orientações divinas para cuidarem do estrangeiro no meio deles, pois eles mesmos foram migrantes (Lv 19:34; Dt 10:19).
A hermenêutica da diáspora é uma abordagem interdisciplinar para entender as narrativas bíblicas a partir da perspectiva e das experiências únicas das comunidades diaspóricas, moldadas por histórias de migração, deslocamento e hibridismo cultural. Ela busca interpretar a Bíblia através das realidades vividas dessas comunidades, que abrangem contextos sociais, culturais, econômicos, políticos, literários, filosóficos e religiosos distintos dos contextos dominantes encontrados em suas terras adotivas. Esta hermenêutica se nutre de lentes disciplinares diversas, múltiplos pontos geográficos e culturais para desenvolver novos instrumentos e métodos interpretativos, onde as comunidades da diáspora reconhecem diversas narrativas de deslocamento e se veem inseridas em tais relatos. Este enfoque expande a tarefa hermenêutica estática, trazendo um dinamismo renovado que aprofunda a compreensão das experiências complexas e diversificadas tanto da Bíblia quanto das comunidades diaspóricas.
Para a maioria dos leitores, o contexto dos livros da Bíblia não é tão evidente, pois o estudo da Escritura geralmente se concentra em textos, linguagens, autoria, autenticidade, datação, mensagem e teologia. Entretanto, tentativas recentes que detalham aspectos cronológicos, arqueológicos, sociológicos, geográficos e culturais dos textos originais, têm possibilitado que autores e leitores tenham uma compreensão enriquecida da mensagem bíblica e seu caráter missionário. A Hermenêutica da Diáspora propõe uma abordagem de leitura da Bíblia em oito dimensões: i) leitura geográfica, ii) leitura multidisciplinar, iii) leitura comunitária, iv) leitura intergeracional, v) leitura interétnica, vi) leitura híbrida, vii) leitura em múltiplas línguas, e viii) leitura global. Todas essas estratégias interpretativas partem de uma noção básica de deslocamento como ponto de partida, infundindo nas narrativas bíblicas um senso de marginalidade, multiplicidade, mutualidade e missão.
A fé cristã é, em sua essência, diaspórica. Ela é feita para ir a lugares diversos, o que significa que o epicentro da fé está sempre em movimento, deslocando-se de um lugar para outro. O movimento dos povos é de suma importância para o cristianismo, pois as comunidades migrantes e diaspóricas têm moldado e remodelado os contornos de seu crescimento e expansão ao longo da história. A fé cristã se movimenta porque o cristianismo é, por excelência, uma fé missionária. O “princípio da indigenização” torna a fé cristã facilmente traduzível para diferentes culturas e contextos, enquanto o “princípio do peregrino” faz dela inevitavelmente transportável. A missão cristã universaliza sua particularidade e, simultaneamente, particulariza sua universalidade. O cristianismo é uma fé profunda e abrangente que possui um dinamismo inato, que não pode ser confinada a um lugar, cultura ou povo específicos. Ele penetra profundamente em cada cultura para redimi-la (encarnação) e se expande até os confins da terra (missão). Sempre rompe as fronteiras, por mais fortes e rígidas que sejam, buscando abraçar a todos. Desde o princípio, o cristianismo tem se difundido continuamente através de barreiras culturais e geográficas, e diversos povos, em diferentes lugares, têm sido representantes essenciais dessa fé. O cristianismo não pode ser cativo de nenhuma localização geográfica nem domesticado por nenhum povo, pois sua natureza é romper as prisões nas quais tentamos confiná-lo. É uma fé em movimento — sempre foi e sempre será.
Povos em movimento e a missão cristã
Deus é soberano sobre a história humana e sobre a dispersão dos povos. O apóstolo Paulo, em seu discurso no Areópago em Atenas durante sua segunda viagem missionária, afirma claramente:
“Ele fez de um só homem toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, determinando os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação, para que buscassem ao Senhor, se porventura tateando o encontrassem. Ele não está longe de cada um de nós, pois ‘nele vivemos, nos movemos e existimos’, como também alguns de vossos próprios poetas disseram: ‘Pois somos também sua geração.’” (Atos 17:26-28)
Deus cria as nações (Gn 25:23; Sl 86:9-10), providencia a diversidade de línguas e culturas (Gn 11:1, 6-9), e determina as dimensões espaciais e temporais do lugar onde cada povo habita (Atos 17:26). Tudo isso serve a propósitos missionais: glorificar a Deus, edificar as pessoas e salvar os perdidos. O deslocamento dos povos provoca curiosidade e questionamentos sobre as crenças herdadas, leva à marginalização em novos contextos e abre espaço para a busca de devoção a um Deus universal, que transcende os deuses territoriais. A dispersão dos povos está inserida no plano redentivo de Deus para a história humana. Sob a perspectiva da doutrina do sacerdócio universal dos crentes, as diásporas são o cumprimento do plano divino para uma missão mundial, que pode ser chamada de “missão de todos os crentes”. Cada nação depende da presença, participação e influência (positiva ou negativa) das diásporas — sejam elas de curto ou longo prazo, ou mesmo aquelas com cidadania adquirida. Todos os missionários são migrantes, pois precisam atravessar fronteiras nacionais e culturais. Da mesma forma, todos os migrantes cristãos podem ser vistos como potenciais missionários, pois exercem funções missionárias ao difundir o evangelho além de suas culturas originais.
Desde a criação do mundo, a migração e as comunidades diaspóricas têm sido instrumentos indispensáveis pelo qual Deus realiza seu propósito redentor em Jesus Cristo. A história da expansão da fé cristã — passada, presente e futura — não pode ser compreendida sem reconhecer a soberania de Deus, que governa sobre as nações, os acontecimentos humanos e o movimento do seu povo. Portanto, a diáspora é um meio missionário ordenado e abençoado por Deus (Gn 1:28; 9:1; 12:3; 28:14) sob seu governo soberano, para promover a expansão do seu reino e o cumprimento da Grande Comissão (Mt 24:14; 28:18-20). A migração humana desempenha papel vital na propagação do cristianismo, que se tornou a maior religião do mundo, superando todas as atividades missionárias oficiais e projetos imperiais somados. [19]
O termo diáspora é amplamente utilizado para descrever todos os povos que vivem em um lugar diferente daquele onde nasceram. Um conceito grego associado é Ecclesia, que significa “assembleia” ou “reunião” e é frequentemente traduzido como igreja. Deus dispersa os povos, e os dispersos são reunidos, enquanto os reunidos são dispersos para a missão de Deus no mundo. Essa dinâmica de dispersão e reunião constitui dois arquétipos complementares, interligados e mutuamente fortalecedores para compreendermos a missão divina no contexto do século XXI — uma era em que o fluxo missionário, os recursos e a influência podem surgir de qualquer lugar e ser direcionados a qualquer outro ponto do planeta. Vivemos hoje um momento sem precedentes na história do cristianismo, com cristãos presentes em praticamente todos os países do mundo, não necessariamente em todos os grupos étnicos, mas em todas as entidades geopolíticas. O evangelho alcançou verdadeiramente os confins da Terra e agora “rebate” das suas bordas, ganhando novo ímpeto global. Essa radical transformação na composição cultural e demográfica da igreja mundial está dando uma nova face ao cristianismo, forjando alianças colaborativas que aceleram a missão global no século XXI.
O fator diáspora nos força a reconhecer o cristianismo como uma fé universal, rica em diversidade interna e marcada por um saudável senso de mutualidade entre seus membros. As diásporas aceleram o avanço do evangelho, conferindo um novo impulso ao trabalho missionário. Elas possibilitam que as margens se tornem novos centros do cristianismo, permanecendo locais em sua essência (autóctones), mas interligados globalmente. Essa realidade imprime uma missiologia global pneumatologicamente capacitada, que libera o potencial missionário de cada cristão, em todos os lugares, simultaneamente, para apressar a missão de Deus no mundo. A missão cristã não é mais “do Ocidente para o restante do mundo”, mas sim “de todos os lugares para todos os lugares”. Essa nova configuração é verdadeiramente policêntrica e omnidirecional: múltiplos centros de cristianismo coexistem e o fluxo missionário acontece em várias direções. Todo lugar tornou-se tanto campo quanto força missionária. O avanço global das telecomunicações e dos meios de comunicação, alimentado pela crescente mobilidade humana, inaugura uma nova era de hiperconectividade e hipermobilidade. Questões como mudanças climáticas e globalização vêm enfraquecendo as noções tradicionais de fronteiras geopolíticas e promovendo uma consciência supranacional global. Nesse cenário, o engajamento missionário não está mais restrito a recursos financeiros, treinamentos avançados, estruturas de envio ou afiliações eclesiásticas formais. Qualquer pessoa, em qualquer lugar, pode testemunhar de Jesus em outro ponto do mundo, migrando e atuando como missionário autossustentável, ou ainda usando plataformas digitais para ações missionárias virtuais, o tempo todo e em qualquer lugar. O desenvolvimento de tecnologias como computação avançada, Internet, inteligência artificial, mídias sociais e automação abre as portas para uma ação missionária no metaverso—uma dimensão virtual que amplia enormemente o alcance da missão cristã na era digital.
Missões na Diáspora
O campo das missões na diáspora busca explorar os desafios e as oportunidades da missão cristã entre os povos dispersos pelo mundo, considerando seus contextos culturais, sociais e religiosos singulares. Missões na diáspora são as formas e meios de cumprir a Grande Comissão, ministrando tanto às comunidades da diáspora quanto por meio delas. A diáspora como foco de missiologia emergiu nos anos 1990, inicialmente concentrada em compreender e engajar comunidades migrantes no Ocidente. É descrita como a integração entre a pesquisa migratória e o estudo missiológico, resultando em uma missiologia prática da diáspora — uma estratégia providencial e estratégica para as missões. [20] Essa abordagem reconhece a oportunidade estratégica de motivar e mobilizar cristãos entre imigrantes para evangelizar seus conterrâneos tanto nos países de acolhida quanto em suas terras natais, através das conexões transnacionais que mantêm.
A missiologia da diáspora distingue-se da missiologia tradicional em quatro aspectos fundamentais: perspectiva, paradigma, padrões ministeriais e estilo de ministério.
- Perspectiva: Enquanto a missiologia tradicional era definida geograficamente — levando a distinções como missionário estrangeiro versus local, urbano versus rural — a missiologia da diáspora é não espacial, pois os povos não alcançados não podem mais ser definidos exclusivamente por territórios ou fronteiras nacionais.
- Paradigma: A missiologia tradicional focava no paradigma do Antigo Testamento de “vir” (prosélitos gentios) e no paradigma do Novo Testamento de “ir” (Grande Comissão). A missiologia da diáspora, por sua vez, responde à nova realidade do século XXI, onde as pessoas são “alvos móveis” e a missão se move com os públicos-alvo.
- Padrões ministeriais: A missiologia tradicional envolvia principalmente o envio de missionários e o suporte financeiro. A missiologia da diáspora reconhece uma nova maneira de realizar missão com e entre as pessoas que já estão em nossas portas, incorporando o ministério a partir das próprias comunidades migrantes.
- Estilo ministerial: A missão na diáspora implica contextualizar a mensagem e a prática cristã em múltiplos contextos socioculturais e religiosos simultaneamente, reconhecendo a diversidade das comunidades globais.
Essa abordagem abraça a crescente realidade contemporânea dos movimentos em massa de pessoas, que formam comunidades diversificadas e multiculturais em vários países. Assim, os métodos tradicionais de enviar missionários para países estrangeiros precisam se ampliar para engajar efetivamente as populações da diáspora em todos os lugares. Aquelas que antes eram nações enviadoras se tornaram hoje campos missionários, e migrantes provenientes das então nações receptoras, agora estão ativamente alcançando tanto seus compatriotas quanto os povos dos países anfitriões. O mundo está agora em nossos próprios bairros, e todos os cristãos precisam despertar para essa realidade, sendo equipados para alcançar todas as pessoas, em qualquer lugar. A missão na diáspora demanda a capacidade de contextualizar a mensagem de Cristo, de modo espiritualmente autêntico, em múltiplos contextos, sem perder sua essência transformadora. Além disso, destaca o papel vital dos cristãos nos países anfitriões como construtores de pontes entre as comunidades da diáspora e as igrejas locais, atuando como defensores, mediadores e tradutores culturais. Esses cristãos facilitam o diálogo intercultural e ajudam os migrantes a se integrarem à nova sociedade, ao mesmo tempo em que são transformados por essas relações.
Tabela 2: Missões Tradicionais vs. Missões na Diáspora [21]
ÁREA | TRADICIONAL | DIÁSPORA |
PERSPECTIVA | • Geograficamente dividida: estrangeiro vs. local, urbano vs. rural • Fronteiras geopolíticas: de um estado/nação para outro estado/nação •Compartimentalização disciplinar: teologia das missões, estratégias missionárias | • Não espacial • Sem fronteiras, sem limites, transnacional e global • Nova abordagem: integrada e interdisciplinar |
PARADIGMA | • AT: missões = gentios-prosélitos (vir) • NT: missões = Grande Comissão (ir) • Missões modernas: E-1, E-2, E-3 ou M-1, M-2, M-3, etc. | • Nova realidade do século XXI que vê e segue o modo providencial de Deus mover as pessoas espacial e espiritualmente • Alvos móveis e mover-se com os alvos |
PADRÃO DE MINISTÉRIO | • AT: chamado dos gentios a Jeová (vir) • NT: discípulos enviados por Jesus nos Evangelhos e pelo Espírito Santo em Atos (ir) • Missões modernas: envio de missionários e dinheiro; autossuficiência da entidade missionária | • Nova forma de realizar missões cristãs: “missão à nossa porta” • Ministério sem fronteiras • Rede de parcerias para o Reino • Igreja sem fronteiras, igreja líquida, igreja virtual, etc. |
ESTILO DE MINISTÉRIO | • Barreiras culturais e linguísticas • Identidade do “grupo étnico” • Escala evangelística: alcançados vs. não alcançados • Espírito competitivo e autossuficiente | • Sem barreiras para se preocupar • Identidade móvel, fluida e hifenizada • Sem povos não alcançados • Parceria, redes e sinergia |
Além disso, as missões de diáspora frequentemente incentivam ministérios multilíngues, já que a maioria dos migrantes mantém suas línguas nativas. Como todas as questões espirituais geralmente são percebidas nas línguas do coração, aprender línguas estrangeiras, ensinar a língua dominante das nações anfitriãs e oferecer pequenos grupos e cultos em múltiplas línguas tornam-se extremamente importantes. As missões de diáspora também reconhecem, valorizam e aproveitam os vínculos transnacionais das comunidades da diáspora para causar impacto no Reino, construindo parcerias com famílias e igrejas em suas terras de origem. Além disso, as missões de diáspora envolvem uma abordagem holística que aborda as necessidades espirituais, sociais e práticas das comunidades da diáspora em terras estrangeiras, oferecendo serviços sociais, aulas de idioma, assistência para emprego e suporte comunitário, além do compartilhamento do evangelho — especialmente para aqueles deslocados em circunstâncias difíceis. De modo geral, a missiologia da diáspora abraça a diversidade e desenvolve estratégias inovadoras para alcançar e discipular pessoas de diferentes contextos culturais, facilitando o crescimento de comunidades cristãs globais vibrantes e inclusivas em todo lugar. A própria natureza transnacional das comunidades da diáspora, cujas relações, recursos e influências entre nações, transcende concepções geopolíticas de missões. Ela trata de questões de identidade, pertencimento, coesão social e competências interculturais, enquanto as pessoas levam suas vidas em terras estrangeiras, assimilando-se gradualmente, ao longo do tempo e das gerações, às realidades do país anfitrião e mantendo (com declínio em alguns casos) os laços com suas terras natais. Envolve uma visão global e multidirecional do cristianismo, onde a missão ocorre de qualquer lugar para qualquer lugar.
A missiologia da diáspora é convencionalmente dividida em três paradigmas: primeiramente, a Missão para as Diásporas, que foca em ministrar aos povos não alcançados do mundo que agora vivem entre ou próximos a cristãos e como as congregações nos países receptores podem praticar missões à sua porta, alcançando os recém-chegados em seus bairros sem precisar ir ao exterior. Os povos desarraigados e transplantados estão abertos ao evangelho em terras estrangeiras e não enfrentam barreiras socioculturais ou inibições para mudar sua fé. Eles comparam e contrastam sua fé herdada com as de outros e se aproximam do testemunho do evangelho após mudarem para novos locais, especialmente aqueles provenientes de regiões onde o cristianismo é uma fé minoritária ou onde os cristãos são perseguidos. As pessoas em transição estão mais receptivas ao evangelho e necessitam da hospitalidade e caridade cristãs.
Segundo, a Missão através das Diásporas, na qual os cristãos da diáspora evangelizam seus parentes em suas terras adotivas, assim como outros imigrantes provenientes de outras partes do mundo. Esses migrantes atuam como missionários interculturais, pois todos os missionários são migrantes. É o deslocamento físico dos cristãos que provoca a difusão do evangelho através das culturas, alcançando novos povos em novos lugares. Além disso, os cristãos constituem a maior diáspora religiosa e estão mais abertos a ir “até os confins da Terra” do que outros, sabendo que encontrarão cristãos onde quer que estejam. Há um certo fundamento na ideia de que “se você é cristão, você vai viajar e, se você viajar, você se tornará cristão”.
Terceiro, a Missão além das Diásporas, onde os cristãos da diáspora se envolvem em alcançar os membros da nação anfitriã, exercem influência missionária sobre pessoas em suas terras natais e atravessam geografias e culturas para ministrar a outros povos. Os povos da diáspora são pontes interculturais com uma habilidade notável e experiência em múltiplos mundos, que precisam ser mobilizados como missionários autossustentáveis para causar impacto do evangelho em seus ambientes físicos imediatos, bem como em suas amplas redes relacionais. Eles se tornam tradutores naturais, sempre explicando um mundo ao outro, por isso se tornam evangelistas de suas visões e crenças. Uma vez que o deslocamento migratório é fundamentalmente uma experiência teológica, eles buscam responder a perguntas mais profundas sobre a vida, o propósito e a realidade última. Sua vitalidade espiritual e seus insights são um grande recurso para as congregações anfitriãs, e eles têm grande motivação para estabelecer novas comunidades de fé.
A missiologia da diáspora tornou-se um subcampo superespecializado dentro do estudo da missiologia, focado em imigrantes ou em como os migrantes devem retornar aos seus países de origem para realizar a missão em suas terras natais. Ao priorizar os grupos de pessoas da diáspora, ela negligenciou outros povos nas nações anfitriãs e não ofereceu uma visão mais abrangente da missão. Isso privou os cristãos nacionais anfitriões de perceberem as raízes da sua fé através da perspectiva da diáspora. As tendências reducionistas e metodológicas de dividir a missiologia da diáspora nas três subcategorias acima foram úteis, mas muito limitantes. Outros missiólogos ampliaram os paradigmas para incluir outras dimensões, como missão “pela diáspora”, “com a diáspora” e “sob a diáspora”.
Missões da diáspora não se trata apenas de ministrar para os quatro por cento da população mundial que são migrantes internacionais, nem são uma moda passageira nos estudos missionários. Como todos nós somos migrantes e não nativos dos lugares que chamamos de lar, devemos ver a fé cristã como diaspórica. Precisamos lembrar que o cristianismo não é uma religião ocidental, e foi levado a todos os lugares por migrantes ou missionários. Jesus era um asiático ocidental, um judeu palestino que viveu no primeiro século sob a ocupação romana. A última ordem de Jesus aos seus seguidores para irem até os confins da Terra, o empoderamento pelo Espírito, a devoção radical dos primeiros crentes e um forte senso de comunidade causaram a notável e sobrenatural expansão da fé pelo mundo. Como a fé mais global e dispersa, o cristianismo está ganhando novo impulso para inaugurar o Reino de Deus no mundo. A fé cristã está sempre em movimento porque nosso Deus está sempre em movimento.
Uma teologia para um mundo em movimento (Motus Dei)
O Deus da Bíblia é um Deus missionário porque Deus está sempre em movimento. Deus está em movimento porque Deus é um ser vivo. Deus não pode ser confinado no espaço ou no tempo, mas é soberano sobre o espaço e o tempo. Os atributos divinos de onipresença, imutabilidade e impassibilidade não devem nos levar a ver Deus como alguém rígido, estático, imóvel, parado ou sedentário. Depois de examinar de perto a história de Israel, contada no sermão do primeiro mártir cristão, Estêvão, no livro de Atos dos Apóstolos, John Stott concluiu que “o Deus do Antigo Testamento era o Deus vivo, um Deus em movimento e em marcha, que sempre chamava seu povo para novas aventuras, e sempre os acompanhava e guiava onde quer que fossem.” [22]
As doutrinas cristãs sobre Deus, Trindade, Criação, Humanidade, Queda, Salvação, Encarnação, Igreja, Missão, Espírito Santo e os Últimos Tempos devem ser entendidas em termos de movimento. [23] Deus da Bíblia é um ser em movimento e Jesus é um salvador universal, não um deus territorial ou uma figura mítica criada pela imaginação humana. O Espírito do Deus vivo está em ação e se move por todo lugar, renovando tudo. A missão de Deus é até os confins da Terra, atravessando culturas, geografias e povos ao redor do mundo. As pessoas que estão em movimento veem o ser divino como Deus em movimento. Todas as ideias fixas sobre deuses são idolátricas. Deuses-ídolos e deusas-ídolos são territoriais e opressivos, prendendo seus seguidores aos seus locais específicos. Eles são sem vida, estáticos e sem emoção, o que faz seus seguidores ficarem sem vida, ou seja, mortos. “Eles têm pés, mas não andam e precisam ser carregados de um lugar para outro. Têm olhos, mas não veem; têm ouvidos, mas não ouvem.” (Jer 10:5, Salmo 115:5-6). Ídolos e espíritos territoriais ficam presos a uma área geográfica e mantêm seus seguidores presos a um lugar. A natureza fechada das sociedades idolátricas vem do seu provincialismo, que torna suas religiões menos transportáveis e missionárias. Essas tendências locais limitam o domínio territorial dos espíritos malignos e demoníacos, pois eles não são onipresentes ou oniscientes como o Deus da Bíblia e ficam confinados a certos lugares. As crenças em adoração aos ancestrais e mediação aos espíritos protetores também mostram certos limites territoriais e exclusividade étnica, permanecendo presos à sua particularidade. Esses deuses, espíritos e ancestrais moram em um território ou objeto específico e protegem as pessoas que vivem por perto. Seus poderes não se estendem além dessas áreas e, quando as pessoas viajam para lugares distantes, não estão mais sob a proteção desses deuses e precisam mudar sua lealdade para um Deus mais forte da nova região e servi-lo. Ao contrário dos deuses tribais, Jeová declarou que não é um deus territorial, mas o Deus do universo. [24]
Deus se movimenta entre si e para fora de si mesmo. A nomenclatura trinitária das três pessoas da Divindade como cohabitação, co-inerência e interpenetração mútua permite que cada pessoa mantenha sua individualidade enquanto compartilham a vida uma da outra. [25] Deus se movimenta porque Deus é Trindade, e tanto a ideia monoteísta quanto a tri-teísta podem tornar Deus imóvel, enquanto a ideia politeísta faz os deuses serem territoriais. A concepção da relacionalidade trinitária e a dança da perichōrēsis exige imaginação cinemática, pois não podem ser entendidas só como um estado estático. A Trindade fornece a base ontológica para entender a pessoa humana e as relações interpessoais. A relacionalidade da Trindade permite que as três pessoas que compõe o ser de Deus se movimentem entre si, um em direção ao outro e, juntos, na ordem criada e em todo o cosmos. Esse modelo trinitário de Deus tem muitas implicações na antropologia teológica, e essa socialidade intrínseca do ser humano exige mobilidade, sem a qual a criatura não está totalmente viva ou social. Outra forma importante como os humanos se relacionam é através da linguagem e comunicação com outras pessoas, que está ligada à ideia de estar em movimento. A etimologia da palavra migrar é interessante e está ligada a comutar, comunhão, comunicação e outras. “Os humanos são como Deus na capacidade de sair de si mesmos e entrar em relações pessoais através da comunicação.” [26] As inovações nas ferramentas de comunicação e a história do comércio têm uma relação simbiótica com as migrações humanas.
Quando a importância física do Templo começou a dominar a vida dos israelitas — o que resultou em muita superficialidade, ritualismo e corrupção — Deus até permitiu que ele fosse totalmente destruído por nações inimigas, e os israelitas foram exilados para terras estrangeiras. O Tabernáculo representava mais o Deus em movimento do que o Templo fixo de Jerusalém. Os israelitas queriam prender Deus no Santo dos Santos e domesticar Deus para servir aos seus interesses, chamando-o quando quisessem. A reação dos discípulos na Transfiguração de Jesus foi: “Vamos fazer três tendas” (Marcos 9:5), eles queriam montar tendas para lembrar ou estabelecer um santuário. A correção divina que receberam confirmou a filiação de Jesus e chamou os discípulos a obedecerem a ele. Da mesma forma, Jesus resolveu a dúvida da mulher samaritana sobre o verdadeiro lugar de adoração — se era o Monte Gerizim para os samaritanos ou Jerusalém para os judeus — dizendo que não era nem aqui nem ali, mas que “a hora está chegando, e já chegou, quando os verdadeiros adoradores adorarão o Pai em espírito e em verdade, pois o Pai procura pessoas assim para adorá-lo…” (João 4:23). O lugar foi considerado irrelevante e Jesus quebrou a tendência humana de domesticar Deus e de enclausurar o Espírito infinito e ilimitado dentro de uma cultura e região específicas.
A soteriologia pode ser compreendida não só como absolvição, expiação, justificação, reconciliação e redenção do pecado e da morte, como é comum na teologia ocidental, mas também em termos relacionais, religiosos e de movimento, como a reversão do distanciamento, da alienação, do ostracismo e da contaminação, usando ideias como aproximação, reconciliação, purificação e restauração. Geralmente, o efeito da queda é explicado pela culpa ou corrupção herdada da humanidade. Os cristãos são pessoas em movimento porque se desprendem das amarras geográficas, socioculturais, financeiras e políticas ligadas a lugares específicos. A Epístola anônima a Diogneto, do século II, diz: “Pois os cristãos não são diferentes dos outros em relação ao país, idioma ou costumes… Vivem nos seus países, mas apenas como estrangeiros; participam de tudo como cidadãos, e suportam tudo como estrangeiros. Para eles, qualquer território estrangeiro é uma pátria, e toda pátria é território estrangeiro.” [27]
Os cristãos têm mais chance de viajar para além dos lugares onde nasceram, já que não estão presos a nenhum lugar, e esse contato constante com culturas e línguas diferentes os leva a novas iniciativas para traduzir os princípios da fé e suas práticas em novos contextos. Já o hinduísmo é visto como uma religião presa geograficamente, por causa da proibição em seus textos sagrados de atravessar grandes corpos d’água, ficando quase sempre preso a uma terra e cultura específicas. Além disso, as restrições alimentares hindus, as ideias sobre poluição, a perda de status social ao viajar, os rituais de purificação ao voltar para casa e o medo de morrer longe da terra natal mantêm as pessoas presas ao lugar onde nasceram. Espera-se que os hindus vivam e morram perto de onde nasceram, e a maioria deles permanece em grande parte vinculada a terras e culturas específicas. Seus destinos são determinados pelos lugares de nascimento, dentro dos limites da geografia e da hierarquia das castas. A única maneira de escapar do fatalismo do carma é migrar para fora das fronteiras territoriais desses deuses locais e mudar sua lealdade para um Deus mais universal e benevolente. Do mesmo modo, o islamismo também é uma religião enraizada, por causa das peregrinações, das orações feitas em direção a um lugar específico e dos textos sagrados que não podem ser traduzidos, e que se espalharam principalmente por conquistas, reprodução, imposição religiosa e violência. Lamin Sanneh compara de forma clara o islamismo e o cristianismo, dizendo que “a hijra muçulmana deixou um legado de ortodoxia geográfica e linguística, enquanto o Pentecostes cristão criou o oposto, o abandono da ideia de territorialidade divina.” [28]
Por fim, a teologia da missão para um mundo em movimento deve ser repensada em termos de movimento. No fundo, a fé cristã é uma fé missionária da diáspora. Se ela ficar presa a uma cultura, povo ou território, vai se tornar uma religião como qualquer outra e perder seu dinamismo natural. Grande parte da Bíblia foi escrita em contextos de diáspora, e um tema comum em suas páginas é o povo escolhido e a nação que Deus deslocou em diferentes épocas da história para avançar seu reino no mundo. A história da salvação está marcada por peregrinações e migrações, e muito da expansão e transformação do cristianismo nos últimos dois milênios aconteceu em diversos contextos de diáspora. A expansão do cristianismo seguiu os caminhos das dispersões humanas, que foram canais para a renovação e difusão cultural do evangelho de um grupo para outro, e hoje a fé chegou a todas as regiões políticas, tornando-se a religião mais global, dispersa e diversa do mundo. O cristianismo não é só uma religião, mas um movimento dinâmico que, por sua vez, requer um Deus dinâmico — não um ídolo sem vida, incapaz de se mexer, mas um Deus que está sempre em movimento (Motus Dei). O povo cristão em movimento (os migrantes cristãos e as diásporas pelo mundo) são os missionários transculturais contemporâneos avançando o trabalho de Deus no mundo, da mesma forma que todos os missionários são vistos como migrantes entre culturas. Deus está atraindo milhões de migrantes e seus descendentes para o Reino, em lugares distantes de onde nasceram, e mobilizou e enviou centenas de milhões deles como suas testemunhas em todo o mundo. Estamos vivendo uma nova era na história da missão de Deus no mundo.
Conclusão
O cristianismo é uma fé missionária por excelência, porque é uma fé que nasceu para viajar. Na verdade, a mobilidade dos seus seguidores e a natureza móvel de Deus é o que faz da fé cristã uma fé transportável e traduzível, já que ela constantemente ultrapassa todo tipo de fronteiras ao longo do tempo. Ver Deus como um ser em movimento e seu trabalho contínuo como resultado desse movimento é uma forma útil de desenvolver uma teologia e missiologia para um mundo em movimento. Os migrantes, os deslocados e as diásporas estão na linha de frente da missão de Deus no mundo hoje. Como foi evidente nas eras anteriores do cristianismo, as pessoas em movimento são agentes poderosos de crescimento, expansão e transformação do trabalho de Deus no mundo, e continuarão a moldar os rumos do avanço do cristianismo no século 21 e além.
Notas finais
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