Parece que a inteligência artificial (IA) já impactou ou está prestes a impactar quase todos os aspectos de nossas vidas: de procedimentos médicos a anotações, de investimentos à coleta de informações, e muito mais. Enquanto escrevo, penso na passagem de Lucas 16.8: “Pois os filhos deste mundo são mais astutos no trato entre si do que os filhos da luz” (NVI). Do ponto de vista missional, é importante refletir sobre como a inovação tecnológica pode nos ajudar a alcançar o mundo para Cristo. Precisamos ser astutos e sábios ao aplicar a tecnologia na realização de tarefas missionais fundamentais, como a tradução da Bíblia.
Quando se fala em IA no contexto da tradução da Bíblia, as palavras “acelerar” ou “rapidez” costumam ser usadas para qualificar a principal justificativa para o emprego de IA nessa tarefa. A tradução da Bíblia é uma tarefa ao mesmo tempo inspiradora e gratificante, mas também pode ser monótona e entediante. Para que a tradução seja precisa e fiel ao original, é necessário um processo contínuo de refinamento e revisão. Na prática, isso acaba sendo um processo lento e meticuloso. O uso da IA na tradução da Bíblia pode agilizar esse processo. No entanto, raramente ouvimos alguém perguntar: “Você está usando IA para obter mais naturalidade ou precisão na tradução?”
A tradução da Bíblia é uma tarefa ao mesmo tempo inspiradora e gratificante, mas também pode ser monótona e entediante. O uso da IA na tradução da Bíblia pode agilizar esse processo.
Segundo a ProgressBible, em junho de 2025, 2.660 idiomas e variedades linguísticas – e os milhões de pessoas que delas dependem – ainda não tinham acesso adequado às Escrituras e para outros 686 grupos etnolinguísticos não havia nenhum texto bíblico traduzido em sua língua nem trabalhos em andamento para produzi-los. Quer você acredite ou não que o acesso universal às Escrituras pode “apressar” a volta do Senhor (2Pe 3.12), nosso desejo de ver vidas transformadas pela Palavra viva (1Pe 1.23) e ativa de Deus (Is 55.10-11), bem como de ver a igreja global crescer em conhecimento e maturidade, deve nos motivar a fazer tudo o que estiver ao nosso alcance para tornar, o quanto antes, as Escrituras disponíveis àqueles que ainda não têm acesso adequado a elas.

No entanto, nossos avanços no uso da IA na tradução da Bíblia estão relacionados tanto a uma maior precisão e naturalidade na tradução quanto à rapidez na entrega do resultado. Surpreendentemente, as equipes observam que quando a IA generativa é empregada na elaboração inicial, o resultado mostra maior naturalidade do que precisão no uso do idioma-alvo. Mas não é só isso. Embora a naturalidade da tradução para o idioma-alvo esteja apresentando bons resultados (quando um texto-fonte bem elaborado é utilizado no processo), a IA também está sendo usada com alto grau de sucesso para aperfeiçoar significativamente a precisão, auxiliando os consultores de tradução com ferramentas aprimoradas para verificar a fidelidade das Escrituras traduzidas em relação ao original e a outras traduções extremamente confiáveis. Nossa opinião é que esse aspecto do uso da IA – possibilitar mais eficiência ao processo naturalmente lento de verificação das traduções – apenas tende a crescer e se expandir e, assim, aperfeiçoar e acelerar o processo de verificação como um todo.
A IA também está sendo usada para auxiliar equipes comunitárias que traduzem a Bíblia para sua língua materna. De forma muito significativa e impactante, isso acontece por meio da elaboração de rascunhos bíblicos iniciais gerados pela IA. Utilizando trechos das Escrituras previamente traduzidos por métodos consolidados e comprovados, utiliza-se um programa que aprende os padrões de linguagem e o vocabulário desses trechos e gera um rascunho de tradução para o material ainda não traduzido. A equipe de tradução então pode optar por usar a tradução gerada pela máquina como texto de referência para criar o primeiro rascunho, ou pode decidir aceitar a tradução gerada pela máquina como o primeiro rascunho, geralmente com alguns ajustes. Esse método tem sido usado com grande sucesso quando toda a tradução do Novo Testamento está disponível, permitindo produzir longos trechos de um livro do Antigo Testamento ainda não traduzido. Além disso, a IA está sendo empregada para proporcionar às equipes de tradução acesso ampliado a recursos de tradução e a possibilidade de explorar o contexto bíblico e obter respostas a perguntas comuns (e não tão comuns) sobre tradução do texto bíblico.

A Tradução Oral da Bíblia (sigla OBT em inglês) é uma área de tradução bíblica relativamente nova e em rápido crescimento. As traduções do texto original são produzidas de forma oral para sociedades com cultura oral. A edição das traduções gravadas aumenta significativamente a carga de trabalho das equipes de tradução, pois qualquer alteração exige uma nova gravação. A IA oferece o potencial de mudar essa situação e, assim, reduzir drasticamente o processo, por meio de um método conhecido como “preenchimento generativo por IA”, no qual o áudio traduzido oralmente é inserido em uma gravação existente.
Algumas perguntas importantes que fazemos ao usar a IA para auxiliar na tradução da Bíblia são: O que ganhamos? E o que perdemos? A tradução da Bíblia é uma tarefa sagrada. Alguns se perguntam: Essa tarefa de gerar rascunhos de tradução deve ser relegada a uma máquina? O uso da IA na tradução da Bíblia reduz o impacto significativo – a internalização e a aplicação – que as Escrituras têm sobre as equipes que trabalham arduamente para traduzi-las? Será que nosso desejo de acelerar a tradução das Escrituras usando ferramentas de IA acaba reduzindo o impacto que essas Escrituras podem ter sobre aqueles que lidam diretamente com elas? Essas são perguntas importantes que fazemos continuamente e para as quais sempre buscamos respostas.
. Nosso objetivo deve ser encontrar maneiras mais eficazes de colaborar com as comunidades, promovendo transformação espiritual, crescimento em Cristo e ajudando a igreja a amadurecer e avançar.
Em última análise, os esforços no uso da IA na tradução da Bíblia não visam apenas a economia de tempo ou dinheiro, nem a rapidez em alcançar o resultado. Nosso objetivo deve ser encontrar maneiras mais eficazes de colaborar com as comunidades, promovendo transformação espiritual, crescimento em Cristo e ajudando a igreja a amadurecer e avançar. A inteligência artificial não é um agente; nós somos os agentes. A IA é uma ferramenta e, ao usá-la, reafirmamos que sempre há “um ser humano no processo” ou, melhor ainda, “hoje, muitas vezes há uma máquina no processo”. Aqueles com quem trabalhamos e a quem servimos devem ser nossa prioridade enquanto buscamos formas de melhor servir e trabalhar junto às comunidades para promover abundância de vida por meio da Palavra de Deus, que é viva, ativa e transformadora.
