Global Analysis

O movimento missionário coreano

História e lições da igreja coreana

Daewon Moon jan 2025

O Quarto Congresso de Lausanne aconteceu em Incheon, Coreia do Sul, em setembro de 2024.1 Marcou o 50º aniversário do Movimento de Lausanne e de seu primeiro encontro oficial — o Primeiro Congresso Internacional sobre Evangelização Mundial — realizado em Lausanne, Suíça, em 1974. O cenário global do cristianismo mudou radicalmente ao longo dessas cinco décadas, desde aquele encontro de cristãos de todo o mundo. Muitos estudiosos, em especial Philip Jenkins, observaram que o centro de gravidade do mundo cristão mudou do Norte para o Sul.2 O crescimento sem precedentes do cristianismo no Mundo Majoritário moldou o caráter distintamente global da fé cristã no século 21.

Muitos participantes ficaram surpresos ao conhecer a forma como Deus transformou este país pequeno e isolado, outrora devastado pela guerra e pela pobreza, em uma nação economicamente poderosa e culturalmente influente; a segunda que mais envia missionários.

A Coreia do Sul é amplamente reconhecida como uma das forças missionárias mais importantes do período contemporâneo. Durante o recente Quarto Congresso de Lausanne, uma das sessões noturnas foi dedicada à história da igreja coreana e às lições que podemos aprender com ela.3 Muitos participantes ficaram surpresos ao conhecer a forma como Deus transformou este país pequeno e isolado, outrora devastado pela guerra e pela pobreza, em uma nação economicamente poderosa e culturalmente influente; a segunda que mais envia missionários. Os delegados do Mundo Majoritário, em especial, foram muito encorajados com o exemplo histórico do poder do evangelho transformando os indivíduos e a sociedade. Se Deus realizou essa obra maravilhosa em um país, certamente pode fazer o mesmo em outras partes do mundo.

Momento decisivo: o avivamento de Pyongyang em 1907

Seria exagero afirmar que um único evento histórico tenha moldado o caráter da igreja coreana. No entanto, o avivamento de Pyongyang, em 1907, certamente foi um fator importante. Historicamente, este não foi um evento isolado; foi parte de uma série de avivamentos nas igrejas protestantes da Coreia entre 1903 e 1910.4 Em 1903, num cenário de crise nacional — guerra e fome — foi acesa em Wonsan, através do missionário metodista Robert A. Hardie, a primeira centelha do movimento de avivamento. Logo depois, em 1906, esse movimento se expandiu para os presbiterianos.

O avivamento de Pyongyang atingiu seu auge durante um estudo bíblico na Igreja Presbiteriana Central em Pyongyang, em janeiro de 1907. Os que estavam ali sentiram a presença do Espírito Santo e uma extraordinária convicção do pecado; publicamente, começaram a se arrepender de pecados pessoais, como roubo, adultério, poligamia e idolatria. O principal líder do avivamento de Pyongyang não foi um missionário ocidental, mas um pastor coreano chamado Sonju Kil. Posteriormente, ele se tornou um importante líder político do Movimento de Independência de Primeiro de março, em 1919. As consequências do avivamento foram tão evidentes nas igrejas e nos bairros de Pyongyang que a cidade foi chamada de “Jerusalém do Oriente”.

O avivamento de Pyongyang teve impacto duradouro no cristianismo na Coreia de várias formas.5 Em primeiro lugar, o avivamento enfatizou que deve haver nos crentes uma transformação interior. Desde então, no contexto coreano, tornar-se cristão é muito mais do que firmar um acordo intelectual com a doutrina cristã; entende-se que chegar à fé cristã envolve uma experiência pessoal de conversão. Em segundo lugar, o avivamento implicou mudanças sociais significativas ao promover igualdade e reconciliação. Os estritos e tradicionais limites de classe social e gênero da Coreia deixaram de ser tão marcantes, e os missionários ocidentais começaram a ver os crentes coreanos como colaboradores do evangelho, não meramente como pessoas que precisavam de direção paternalista. Terceiro, o avivamento popularizou práticas como reuniões de oração ao amanhecer, oração em voz alta coletiva e reuniões de estudo bíblico. Essas práticas revivalistas são agora características — ou talvez os alicerces — de praticamente todas as igrejas na Coreia, independentemente da denominação e tradição.

Evangelicalismo coreano: do avivamento à missão

Evangelicalismo é um termo difundido, não uma ideologia ou doutrina. Refere-se geralmente a um movimento cristão experimental, dinâmico e interdenominacional enraizado em dois avivamentos religiosos do século 18: o Grande Despertar (associado a Jonathan Edwards) e o Avivamento Evangélico (associado a John Wesley). Hoje, apesar das diferenças distintas em teologia e prática, os evangélicos se definem como cristãos que consideram a Bíblia como a autoridade máxima, enfatizam uma experiência de conversão e uma vida espiritualmente transformada e promovem a missão e o evangelismo para a salvação de outros.6

A história do cristianismo nos mostra que há uma correlação direta entre avivamento e missão.

A história do cristianismo nos mostra que há uma correlação direta entre avivamento e missão. Os avivamentos propiciam a lógica e a energia para levar o evangelho àqueles que jamais o ouviram. O renomado historiador Andrew Walls chamou o movimento missionário moderno de “um filho tardio do avivamento evangélico”.7 Outros exemplos na história cristã incluem as campanhas evangelísticas de Dwigth L. Moody e a ascensão de movimentos missionários estudantis na Grã-Bretanha e nos Estados Unidos. Há exemplos na igreja coreana também.

Em 1907, o ano do avivamento de Pyongyang, outro evento de referência ocorreu na Coreia: foram ordenados os primeiros ministros presbiterianos coreanos. Eram sete, todos graduados pelo Seminário Teológico de Pyongyang. Um deles foi Sonju Kil, o mais notável iniciador do avivamento de Pyongyang. Outro deles, Kipoong Lee, prontificou-se a ser enviado como missionário para a Ilha de Jeju, na costa sul da Coreia. Ali ele fundou a primeira igreja e sua pregação do evangelho alcançou pessoas muito além de suas fronteiras geográficas e culturais. “O Presbitério da Coreia descortinou sua bandeira azul para o mundo como uma igreja missionária”, relatou o missionário americano William Reynolds.8

Em 1909, a Igreja Presbiteriana ordenou um segundo grupo de nove ministros coreanos. Entre eles estava Kwanheul Choi, que foi comissionado como missionário para Vladivostok, Sibéria. No ano seguinte, a igreja coreana lançou o Million Soul Movement, uma campanha evangelística nacional cujo objetivo era evangelizar um milhão de pessoas para Cristo. Em 1912, quando a Igreja Presbiteriana na Coreia estabeleceu oficialmente sua Assembleia Geral, a denominação enviou três ministros coreanos para Shandong, China, província natal de Confúcio — uma declaração simbólica do caráter missionário dos presbiterianos coreanos.9

Movimentos missionários para jovens

Após seu período de democratização e industrialização nas décadas de 1970 e 1980, a Coreia do Sul viu um surgimento notável de movimentos missionários evangélicos para jovens. Através de grandes eventos evangelísticos, incluindo a histórica Cruzada Billy Graham de 1973, a igreja coreana foi espiritualmente fortalecida mais uma vez. No final da década de 1980, profundamente inspirados pela natureza abrangente da obra missionária de Deus conforme estabelecido no Pacto de Lausanne de 1974, os jovens evangélicos coreanos foram atraídos pelo chamado divino para servir ao reino de Deus além de suas próprias fronteiras sociais, culturais e geográficas. Eles estavam dispostos a ir aonde o Espírito Santo os levasse, a fim de proclamar e demonstrar o poder do evangelho e assim promover a mudança integral de indivíduos e da sociedade.

O auge do movimento missionário jovem foi o Mission Korea Congress, uma convenção missionária bienal para estudantes universitários e jovens adultos. Foi estabelecido em 1988, o ano dos Jogos Olímpicos de Seul. Nas décadas seguintes, o Mission Korea Congress serviu como um grande impulso para capacitar e mobilizar vários jovens evangélicos para a missão global. O número de participantes cresceu radicalmente — passou de 664, em 1988, para 6.300 em 1996.10 Mais da metade dos participantes dos congressos naquele período se comprometeram com a obra missionária no exterior. Com o influxo de jovens dispostos para a missão, o número de missionários coreanos aumentou rapidamente de 511, em 1986, para 10.422 em 2002. Foram necessários apenas mais onze anos para que esse número atingisse 20 mil.11

Vários fatores contribuíram para o crescimento dramático do número de missionários coreanos. Primeiro, os cristãos coreanos têm grande apreço pelas Escrituras.12 Eles consideram a Bíblia a única e definitiva autoridade para a vida e a fé. Aceita-se amplamente que a Grande Comissão é o chamado mais importante para todos os discípulos de Jesus. Em segundo lugar, a igreja coreana mantém a tradição de doações generosas e sacrificiais, especialmente para a causa missionária.13 A primeira igreja protestante na Coreia, a Igreja Sorae, foi construída com contribuições de cristãos coreanos. O missionário americano Horace G. Underwood ficou surpreso ao ver o enorme sacrifício que os coreanos desfavorecidos faziam para doar para igrejas e missões cristãs.14 Terceiro, questões práticas, como o crescimento econômico e laços diplomáticos com praticamente todas as nações, contribuem para que os coreanos conduzam atividades missionárias em todo o mundo. Segundo o Henley Passport Index, a Coreia do Sul ocupa o terceiro lugar na “lista global de passaportes” de 202415: quem tem um passaporte sul-coreano pode viajar sem visto para 191 países.

Desafios e perspectivas futuras

Nas últimas duas décadas, no entanto, a igreja coreana tem experimentado estagnação e até mesmo declínio. Entre os motivos estão a secularização, a crescente indiferença dos jovens com a religião e os escândalos em várias megaigrejas.16 A credibilidade da igreja coreana perante a sociedade também diminuiu. Algumas palavras-chave usadas para caracterizar o cristianismo coreano são “exclusivo”, “materialista”, “hipócrita” e “egoísta”. Além disso, a pandemia da COVID-19 trouxe sérios desafios às igrejas na Coreia. Durante e após a pandemia, muitas igrejas enfrentaram dificuldades com a diminuição da frequência semanal aos cultos e da participação regular em outros ministérios. A consequente redução nas doações financeiras impossibilitou que algumas igrejas mantivessem o sustento de missionários que serviam no exterior.

Em preparação para o Quarto Congresso de Lausanne, pastores coreanos influentes como Jaehoon Lee e Kisung Yoo convocaram os cristãos a orar por arrependimento e avivamento na igreja coreana. Em julho de 2023, dez mil cristãos de 430 igrejas de denominações e regiões se reuniram no Songdo Convensia – local onde, posteriormente, aconteceu o Quarto Congresso de Lausanne – para orar pelo congresso e pela revitalização da igreja coreana. De forma unânime, os participantes declararam que o congresso não significaria nada para a Coreia sem a oração unida por renovação espiritual de crentes e igrejas. Eles se comprometeram a orar todos os dias por todas as nações que enviariam representantes ao congresso. Nas igrejas coreanas, esse movimento de oração popular foi fundamental para promover e divulgar o espírito do Movimento de Lausanne.

A liderança do Comitê do Lausanne Coreia enfatizou que o Quarto Congresso não deveria ser um momento para que a igreja coreana celebrasse sua conquista missional diante da igreja global. Em vez disso, deveria ser um momento para que os cristãos coreanos refletissem, se arrependessem e aprendessem com o corpo global de Cristo. Essa atitude deu o tom transparente, honesto e humilde da apresentação coreana durante o Quarto Congresso. Os líderes da igreja coreana não afirmam mais que a igreja coreana deve desempenhar um papel fundamental no cumprimento da Grande Comissão. Como o Compromisso da Cidade do Cabo corretamente destaca: “Nenhum grupo étnico, nação ou continente pode reivindicar o privilégio exclusivo de ser o único a completar a Grande Comissão” (CTC II-F 2).17 A missão global pertence à soberania de Deus; somos simplesmente vasos de barro que manifestam o poder insuperável de Deus em fazer todas as coisas novas por sua graça.

Notas finais

  1. Nota da Editora: Este artigo baseia-se na apresentação do autor durante o Quarto Congresso de Lausanne.
  2. Philip Jenkins, The Next Christendom: The Coming of the Global Christianity (Oxford: Oxford University Press, 2002); The New Faces of Christianity: Believing the Bible in the Global South (Oxford: Oxford University Press, 2006).
  3. A apresentação sobre a igreja coreana durante o Quarto Congresso de Lausanne pode ser vista no YouTube: https://www.youtube.com/watch?v=U5yzpFbWgeI&t=3636s 
  4. Para uma visão geral histórica dos avivamentos protestantes na Coreia no início do século 20, veja Sung-Deuk Oak, ‘Major Protestant Revivals in Korea, 1903–1935,’ Studies of World Christianity 18, no. 3 (2012): 269–290; The Making of Korean Christianity: Protestant Encounters with Korean Religions, 1876–1915 (Waco: Baylor University Press, 2013), 271–304.
  5. Sung-Deuk Oak, The Early History of the Korean Church (Seoul: Jidda, 2016), 314–327.
  6. Para uma análise histórica do evangelicalismo global, veja Mark Hutchinson and John Wolffe, A Short History of Global Evangelicalism (Cambridge: Cambridge University Press, 2012).
  7. Andrew F. Walls, The Missionary Movement in Christian History: Studies in the Transmission of Faith (Maryknoll: Orbis, 1996), 79.
  8. W. D. Reynolds, ‘The Presbytery of Korea,’ Korea Mission Field 3, no. 11 (Seoul: Evangelical Missions in Korea, 1907), quoted in Timothy Kiho Park, ‘Korean Christian World Mission: The Missionary Movement of the Korean Church,’ in Missions from the Majority World: Progress, Challenges, and Case Studies, ed. Enoch Wan and Michael Pocock (Pasadena: William Carey Library, 2009), 100.
  9. Park, ‘Korean Christian World Mission,’ 100–101.
  10. Daehaeng Lee, Mission Korea 8818+3 (Seoul: Mission Korea, 2022), 8.
  11. Steve Sang-Cheol Moon, The Korean Missionary Movement: Dynamics and Trends, 1988–2013 (Pasadena: William Carey Library, 2013), xix.
  12. Timothy Tennent destacou cinco tendências principais na teologia dos cristãos do Mundo Majoritário: 1) alta consideração pelas Escrituras; 2) conservadorismo moral e ético; 3) sensibilidade às questões relacionadas à pobreza e justiça social; 4) capacidade de articular o evangelho em meio ao pluralismo religioso; 5) apreciação pelas dimensões coletivas dos ensinamentos bíblicos. Timothy C. Tennent, Theology in the Context of World Christianity (Grand Rapids: Zondervan, 2007), 14–15.
  13. Moon, The Korean Missionary Movement, xx.
  14. Oak, The Early History of the Korean Church, 300–302.
  15. The Henley Passport Index, https://www.henleyglobal.com/passport-index/ranking, accessed November 8, 2024.
  16. Isabel Ong, ‘South Korea’s Missions Success Won’t Be Its Future,’ Christianity Today (September 17, 2024), https://www.christianitytoday.com/2024/09/south-korea-missions-aging-missionary-christian-lausanne.
  17. Compromisso da Cidade do Cabo https://lausanne.org/pt-br/statement/compromisso