Global Analysis

Os primeiros 100 dias do Trump

O que o “efeito Trump” significa para a igreja e missão?

Tom Harvey jun 2017

Os primeiros cem dias são uma medida comum usada no mundo todo por comentaristas, políticos e analistas para medir a efetividade e impacto dos presidentes dos Estados Unidos dentro ou fora do país. Historicamente, após os 100 primeiros dias, a habilidade do presidente em fazer legislações-chave passarem pelo congresso diminui dramaticamente à medida que as atenções se voltam ao próximo ciclo de eleições para o congresso.

Na avalição dos primeiros cem dias do Presidente Donald Trump, é importante olhar além dos dados nacionais e internacionais, mas também ao que está sendo chamado de “efeito Trump”.

Na avalição dos primeiros cem dias do Presidente Donald Trump, é importante olhar além dos dados nacionais e internacionais, mas também ao que está sendo chamado de “efeito Trump”. Talvez este seja seu legado que resistirá ao tempo, assim como fato-chave na avaliação das implicações para as igrejas e missões globais nos seus 100 primeiros dias.

Políticas exteriores mercuriais

Enquanto o Presidente Barak Obama optava pela diplomacia sutil e rejeitava intervenções militares diretas, desde o começo, Trump repreendeu quem considerava ser seu inimigo e não hesitou em ordenar ataques contra a Síria quando o regime ultrapassou os limites ao usar armas químicas. Inicialmente desafiou os postos militares avançados chineses no Mar do Sul da China, depois ameaçou intervenção militar contra a Coréia do Norte. Seu reflexo por temeridade política aberta é tão grande quanto sua inclinação mercurial em mudar rapidamente de direção quando isto convém aos seus objetivos globais:

  • Os elogios feitos ao Presidente Vladimir Putin se tornaram desdém após o desenvolvimento dos acontecimentos na Síria.
  • A censura inicial a China abriu caminho para louvores ao Presidente Xi Jinping, na esperança que Xi intermediasse com a Coreia do Norte.

A predileção do Trump por grandes intervenções causou tensões, especialmente no Oriente Médio:

Síria

Ele apoiou tanto a Turquia quanto seus inimigos: as Unidades de Proteção Popular Curdas (YPG, sigla em inglês), em sua batalha contra o EI. No entanto, sua animosidade mútua precede a crise com o EI. As conquistas das YPG na fronteira turca ameaça criar um conflito de grandes proporções entre a Turquia e as YPG, o que poderia exacerbar o conflito sírio e envolver as forças russas e norte-americanas. Isto poderia facilmente tornar um conflito tóxico regional em uma guerra que ameaça a paz internacional.

Israel e Palestina

A escolha do embaixador por parte de Trump inicialmente animou o primeiro ministro Binyamin Netanyahu e outros aderentes da política pró-Israel nos EUA, no entanto, inquietações surgiram com o cortejo de Trump ao presidente palestino Mahmoud Abbas e seu interesse manifesto em recomeçar as negociações de paz.

Portanto, as táticas de Trump ainda precisam ser totalmente testadas, mesmo se já desconcertaram tanto os aliados quanto os inimigos. Trump também agravou as tensões com aliados importantes ao lançar um veto de viagens contra diversos países de maioria muçulmana, e ao ceder a liderança sobre a mudança climática para a China, focando em liberar a indústria doméstica dos EUA, restringida pelos regulamentos da época de Obama.

Frustrações com políticas internas

Trump anunciou uma política mais rígida sobre a imigração e intensificou esforços em expulsar os imigrantes ilegais. Isto é resultado de sua estratégia “América primeiro”, que fez sucesso entre a classe operária e as pessoas com medo de infiltrações terroristas. Enquanto isso, sua promessa de construir um muro para manter os imigrantes fora do país azedou o relacionamento com o México e outros países da região, além de ter frustrado os estados europeus, que têm acolhido um número significativo de refugiados, mesmo que isso tenha contrariado os populistas europeus que têm feito da imigração uma questão a ser resolvida nas urnas.

Assim como Obama no governo anterior, Trump têm se apoiado profundamente nas Ações Executivas:

  • Eviscerou os regulamentos bancários e industriais de Obama que, segundo Trump, estavam impedindo o crescimento econômico.
  • Acabou com as investigações do Departamento de Justiça sobre racismo institucional e reverteu os regulamentos de empregabilidade e acesso e reconhecimento de pessoas transgênero adotados por Obama.
  • De maneira ainda mais significativo, Trump instituiu uma justiça conservadora, que defende fortemente a liberdade religiosa na Suprema Corte. Isto deve permitir que negócios e instituições cristãs mantenham seus padrões religiosos e liberdade de consciência em questões de serviços de negócios, empregos e isenção de impostos, que estavam sob ameaça por decisões judiciais recentes.

Contudo, apesar de ter uma maioria republicana consolidada no Senado e na Câmera dos Deputados, Trump ainda não conseguiu ratificar nenhuma legislação significativa até o momento em que este artigo foi escrito. De fato, o Partido Republicano provou ser tão frustrante para Trump quanto foi para Obama:

  • Sua proposta de um muro na fronteira foi frustrada à medida que os liberais a viam como uma política sem consciência e os conservadores como custosa demais.
  • O destino provável de suas tentativas de substituir a Lei de Direito à Saúde Acessível (Affordable Care Act, em inglês) de Obama por uma alternativa viável para ambas facções conservativas e moderadas do Partido Republicano é incerta.
  • Trump não conseguiu obter aprovação para a maioria dos seus indicados para trabalhar no Sistema Executivo, e o orçamento dificilmente será aprovado, a menos que ele desista da ideia do muro na fronteira com o México.

O vácuo no legislativo é ameaçador tanto para o legado do Trump, quanto para a capacidade do Partido Republicano de governar. Os Atos Executivos são mantidos somente enquanto Trump estiver no poder e podem ser removidos com apenas uma assinatura. No entanto, a legislação estabelece certa política até que seja anulada por uma Lei do Congresso. Portanto, o Partido Republicano cada vez mais aparenta ter falta de visão e falta de capacidade para governar. É provável que os eleitores queiram punir o partido nas próximas eleições de meio de mandato. Caso Trump perca ambas casas no Senado, será efetivamente um presidente “zumbi”, que não pode fazer muito além de posar durante seus dois últimos anos de mandato.

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Trump pode não ter realizado grandes feitos legislativos, no entanto, ninguém pode negar seu impacto político e social, domesticamente e internacionalmente.

O efeito Trump

Trump pode não ter realizado grandes feitos legislativos, no entanto, ninguém pode negar seu impacto político e social, domesticamente e internacionalmente. Em termos de caráter pessoal, as afirmações controversas declaradas por ele contra oponentes reais e presumidos frequentemente se provaram distorcidas ou claramente fabricadas.

Tais equívocos nos níveis mais altos do governo dos EUA levaram os editores do The Wall Street Journal a publicarem um editorial impiedoso. Normalmente o jornal é aliado dos ideologicamente conservadores, mas desta vez expressaram indignação frente às falsidades óbvias. No ponto de vista deles, ele maculou tanto a presidência quanto a integridade dos EUA internacionalmente. Eles indicaram também que as comunicações de Trump com oficiais russos foram imprudentes e possivelmente ilegais. Tais comunicações levaram a tensões entre o presidente, a CIA, o FBI e as agências americanas de inteligência militar.

O comportamento do Trump com relação ao sexo oposto aparenta ser bem prudente desde sua eleição. Ele tem sido bem sucedido em projetar a imagem de devoção e lealdade à sua família, incluindo sua esposa e filhos. Entretanto, seu comportamento pessoal prévio obsceno e seus comentários sobre mulheres que surgiram durante a campanha geraram desconforto e preocupações de que estas falhas de caráter poderiam vir à tona novamente.

O uso constante do Twitter por Trump tem sido fútil e deixa a desejar, no melhor dos casos, quando desafia os críticos ou tenta resolver afrontas pequenas. Seu ataque descarado contra grandes redes de notícias e contra membros individuais da imprensa gerou um nível ímpar de azedume e partidarismo. Levou o The Washington Post a mudar seu cabeçalho para “Democracy Dies in Darkness” (em tradução livre, “A democracia morre na escuridão”), sugerindo que o quarto poder estava sob ameaça direta pelo Trump. Adicionalmente, a retórica estridente do presidente e dos partidos políticos agora está refletida na imprensa à medida que supostas denúncias cada vez mais canalizam visões ideológicas partidárias.

Impacto Internacional

As implicações destes primeiros cem dias ainda são difíceis de discernir:

  • Por um lado, ele realizou bem pouco e é provável que sua capacidade diminuirá a cada dia que passa.
  • Pelo outro lado, sua presença e populismo irá catalisar líderes carismáticos que negociam com vieses nativistas étnicos e sectarismo anti-imigração.

O apelo de Trump em forçar situações com perigo eminente pode facilmente levar a um erro de cálculos por ele ou Pyongyang em lançar um ataque preventivo que poderia iniciar uma guerra na península coreana e possivelmente atrair a China e EUA para o conflito. No entanto, esse cenário tenebroso parece ter atraído a atenção de Pequim, que está ativamente colocando pressão sobre a Coreia do Norte para que recue.

Impactos domésticos

A presidência de Trump, como a de Obama, provavelmente irá falhar quanto ao aspecto legislativo. Isto irá corroer ainda mais a efetividade de governança. A constituição dos EUA foi projetada para nutrir e depender de um compromisso realista e moderado. A efetividade dos presidentes Lyndon Johnson, Ronald Reagan, e Bill Clinton estava em sua capacidade de unir adversários para forjar acordos legislativos, beneficiando a nação como um todo. As administrações de Obama e de Trump deixam um legado trágico, pois além do uso de ações executivas, foram conduzidas de forma legislativa disfuncional devido sua incapacidade de forjar acordos.

Esta disfuncionalidade levou à ascendência da Suprema Corte e consequente desavenças internas sobre as propostas judiciais para ocupar mandatos em aberto. Com os caminhos legislativos bloqueados, os juízes são vistos não como árbitros desinteressados, mas como guardiões platônicos, que através da interpretação imaginativa e polissemia articulada utilizam o manto da governança. Contudo, tal mudança não representa o “primado do direito”, mas sim um “governo dos juízes”, que nunca foi visionado por aqueles interessados em uma representatividade democrática.

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O aprofundamento da divisão ideológica partidária em todos os setores da sociedade americana significa que a governança provavelmente irá saltar de um extremo ao outro.

Implicações para as igrejas e para a missão

O aprofundamento da divisão ideológica partidária em todos os setores da sociedade americana significa que a governança provavelmente irá saltar de um extremo ao outro. Isto gerará ramificações significativas para a igreja e a missão.

Líderes evangélicos estavam, e continuarão a estar, profundamente divididos com relação à eleição de Trump e sua presidência. Tendo dito isso, foi bem noticiado mundialmente que cerca de 80 por cento de pessoas que se auto identificam como evangélicas caucasianas votaram em Trump. Em razão disto, sua presidência, tanto em relação aos méritos quanto aos deméritos, será considerada responsabilidade deles. Isto significa que se a presidência ou Congresso passarem a ser controlados pelo Partido Democrático, é bem provável que o governo se torne decididamente anti-evangélico.

Houve um tempo em que os evangélicos e seus pontos de vista eram representados em ambos partidos de forma igualitária, no entanto, isto já não é mais verdade. Além disso, como resultado do apoio dado ao Trump, suas falhas pessoais e políticas feriram a imagem dos cristãos evangélicos. Isto é mais claro entre os cristãos afro-americanos e latinos, que estão desencorajados ao ver a hipocrisia das pessoas que pregam os “valores de família”, mas votaram em um homem que exalava decadência moral.

Internacionalmente o lema do Trump de “a América primeiro” não terá efeitos positivos sobre a missão:

  • A tendência natural dos governos é de entrar numa política de olho por olho – recusando vistos aos americanos se o veto de viagens impedir que seus cidadãos viajem para os EUA.
  • A ênfase em “a América primeiro” não fomenta a boa-vontade internacional que missões deveriam comunicar.
  • O prestígio de todos os cidadãos de um país é afetado pelo seu representante de Estado. O fato de Trump não ser respeitado internacionalmente afetará a reputação de seus conterrâneos.

Por último, Trump não está gerando confiança nem mesmo entre os evangélicos brancos. Sua retórica era muito mais grandiosa do que ele tem de fato realizado. Muitos acreditavam que sua grande autoconfiança permitiria que ele tivesse sucesso onde outros falharam. No entanto, ultimamente até a autoconfiança de Trump tem começado a esmaecer, e ele teve que admitir que assumir a presidência tem sido muito mais difícil do que ele imaginava.

Crédito das fotos

Feature image from ‘Donald Trump‘ by Gage Skidmore (CC BY-SA 2.0).

First image is from ‘Make America Great Again hat‘ by Gage Skidmore (CC BY-SA 2.0). Second image is from ‘Trump T-shirt‘ by Gage Skidmore (CC BY-SA 2.0).

Autoria (bio)

Tom Harvey

Thomas Harvey é o reitor acadêmico do Centro de Oxford para Estudos Missionários, em Oxford no Reino Unido. De 1997 a 2008, ele trabalhou como professor sênior de teologia no Trinity Theological College em Singapura.

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