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O que é Liderança Missionária Policêntrica?

O que a Trindade, a Bíblia e as orquestras podem nos ensinar sobre o processo de tomada de decisão na igreja

Joseph W. Handley & Micaela Braithwaite 20 set 2022

À medida que Jesus continua a edificar seu Corpo, a Igreja global, tornam-se mais perceptíveis os desafios e as oportunidades referentes a diversidade, etnia, culturas, comunicação e colaboração. Como resultado, influenciadores e líderes de missões em todo o mundo são frequentemente obrigados a lidar com essas mesmas tensões que estão presentes na igreja.
Um termo recente que se popularizou rapidamente nos círculos missiológicos é a palavra “policêntrico”. Ela descreve o conceito de ter mais do que um único centro.

Policêntrico: múltiplos centros; de todos os lugares para todos os lugares. Quando aplicado à liderança, o termo reflete um novo modelo de diversidade em equipes de líderes de missões – um paradigma que só pode ser plenamente apreciado quando passamos a vislumbrar o projeto de Deus para seu Corpo: embora sejamos muitos, com diversidade de funções e habilidades, somos um em Cristo e membros uns dos outros (Rm 12.4-5).

Notas musicais diferentes que são tocadas ou cantadas simultaneamente e produzem um belo som são chamadas de “harmonia”. Em uma orquestra, a beleza da harmonia está na união de várias notas para formar um som melódico.

É precisamente a tensão entre as notas individuais que atrai a nossa atenção. A orquestra ensaia em conjunto até que cada parte individual deixe de soar isoladamente, mas contribua para uma expressão coletiva de emoção. Nenhum instrumento se destaca mais do que outro. Nenhum instrumento tem mais força do que outro. Juntos, enquanto ouvem uns aos outros e são regidos pelo maestro, eles produzem música. No mundo interdependente de hoje, o conceito da harmonia musical nos ajuda a compreender o policentrismo e como ele pode ser um modelo eficaz de liderança.

Em sua oração registrada em João 17, Jesus orou para que “todos sejam um – eu neles e tu em mim – para que eles sejam levados à plena unidade, e o mundo saiba que tu me enviaste, e os amaste como igualmente me amaste” (Jo 17.20-23). A chave para a unidade não é a uniformidade, mas sim o ouvir atento e humilde às vozes uns dos outros e a apreciação dos diferentes dons e perspectivas que cada um traz à mesa.

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O cristianismo é a única religião que não tem um único local sagrado, uma cidade ou um país ao qual se atribua um significado espiritual maior ou que represente nossa fé. Também não há um grupo étnico majoritário ou uma cultura que descreva nossas crenças. Até mesmo a Bíblia foi escrita por vários autores diferentes, vindos de lugares diversos, e os relatos da vida de Jesus nos Evangelhos entrelaçam as diferentes perspectivas em uma única narrativa. A ideia de policentrismo está embutida no cristianismo.

O que é liderança policêntrica?

O termo “policêntrico” vem de duas palavras gregas: polús, que significa “muitos”, e kentrikós, cujo significado é “centro”. Quando falamos de liderança policêntrica, nos referimos à liderança que atua em várias esferas de influência, entre elas a geografia, a etnia, a idade, a região, o gênero e a nacionalidade. A liderança policêntrica tem muitos centros de autoridade ou importância. Ou seja, é uma liderança diversificada, de todas as pessoas para todos os lugares.

Em meu livro recém-publicado, Polycentric Mission Leadership, eu (Joseph) mostro como a liderança missionária policêntrica se baseia em uma multiforme sabedoria para conduzir o movimento missionário. Cada um desses vários povos e plataformas contribui para a formação de uma comunidade alicerçada em Cristo e em sua identidade triúna. Essa comunidade opera de forma coletiva, inspirada pelo Espírito Santo, capacitando e liberando os dons e o potencial de cada pessoa no movimento.

O conceito de missões policêntricas é uma correção da visão missionária historicamente unicêntrica, na qual a missão origina-se de um local e é direcionada para muitos lugares, e representada por frases como “”do Ocidente para o restante do mundo”. Essa era (e, às vezes, ainda é) uma visão comum.

Cem anos depois, as coisas não funcionam da mesma forma. Hoje, a missão é policêntrica, o que significa que todos enviam e recebem, ou partem “de todos os lugares para todos os lugares”. Isso requer que avaliemos e ajustemos nossa estratégia de liderança missionária, especialmente se desejamos nos ajustar a essa faceta variada e mutável do cristianismo global, que parece muito diferente do que era há cem ou até cinquenta anos.

Em vez de operar a partir de uma estrutura de liderança centralizada, como um paradigma da pirâmide de cima para baixo – na qual certos indivíduos detêm o poder e a influência no topo – ou a partir de uma abordagem descentralizada – em que a influência e o poder são completamente informais e carecem de estrutura – uma estrutura de abordagem policêntrica não se caracteriza como centralizada ou descentralizada. É um modelo híbrido, que mantém certo grau de estrutura de baixo para cima, enquanto, simultaneamente, diversifica ou alterna, em uma rede de indivíduos, quem detém o poder e a tomada de decisão. Esses indivíduos, vindos de várias origens e unidos por um único objetivo, oferecem informações com base em seu próprio contexto e experiência, ao mesmo tempo em que consideram cuidadosamente os contextos de outros.

Acadêmicos como Chris Wright confirmam a base bíblica do conceito de missões policêntricas. “A pluralidade de liderança é claramente o desígnio de Deus tanto no Israel do Antigo Testamento (anciãos, juízes, sacerdotes, profetas e reis) como na igreja do Novo Testamento”, escreve ele. “E a história da missão cristã desde os primeiros séculos tem se mostrado policêntrica e multidirecional”.

Além disso, os estudos sobre missões entendem a Trindade como o fundamento para esta estratégia missionária. Assim como o Pai, o Filho e o Espírito Santo lideram de maneira policêntrica (três em um), os líderes de missões também devem incorporar esse tipo de liderança. Não há hierarquia na Trindade, mas cada Pessoa da Divindade opera em perfeita unidade.

Os acadêmicos Kirk Franklin e Nelus Niemandt escrevem: “A estrutura das relações trinitárias não se caracteriza por um domínio piramidal de um [. . .] nem por uma bipolaridade hierárquica entre um e muitos [. . .], mas sim por uma reciprocidade policêntrica e simétrica de muitos”. À medida que imitamos essa abordagem trinitária e buscamos nos tornar mais policêntricos na liderança, confiamos que Deus nos unifique.

Durante muito tempo, essa visão moderna da missão como unidirecional, centrada no Ocidente e estruturada hierarquicamente, inutilmente dominou o cenário. A liderança missionária policêntrica vem para quebrar esse paradigma, que, aliás, nunca foi muito preciso.

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Por que a liderança policêntrica é importante para as missões hoje?

Em meu livro, discuto como esse modelo – uma abordagem colaborativa e comunitária de liderança que capacita múltiplos centros de influência, bem como uma gama diversificada de líderes – é especialmente adequado para lidar com os problemas, os desafios e as oportunidades de liderança que enfrentamos hoje no mundo.

A liderança policêntrica depende da colaboração de equipes multiétnicas em diversos centros de operação, a fim de avaliar as lacunas, as oportunidades, bem como os líderes e influenciadores de cada setor e contexto cultural.

A visão para um movimento fundamentado nesse modelo de liderança é formada à medida que os líderes atuam, de forma comunitária, sob a orientação do Espírito Santo, fazendo uso dos dons espirituais e do potencial de cada membro. A diversidade da comunidade lhes permite avaliar com precisão suas necessidades contextuais e dar voz aos que são frequentemente marginalizados.

Para que a diversidade seja um recurso eficaz, os indivíduos devem estabelecer relacionamentos nos quais possam aprender a valorizar uns aos outros, apreciar a cultura, o idioma e as experiências de cada um, e dar voz aos marginalizados. Com isso em mente, uma boa comunicação e compreensão intercultural é essencial para todos os líderes, principalmente os que lideram equipes.

Lausanne está usando esse processo policêntrico na preparação para Seul 2024. Estamos ouvindo vozes de todos os cantos do mundo e nos engajando com ideias de todas as regiões do planeta, para saber o que o nosso mundo está enfrentando e a melhor maneira de alcançar de forma significativa cada pessoa por meio do evangelho e assim juntos acelerarmos a missão global.

Que a Liderança Missionária Policêntrica contribua para sintonizar nossos ouvidos à beleza da harmonia encontrada no Corpo de Cristo, e que ela nos ajude a desempenhar melhor nossos próprios papéis.

Authors' Bios

Joseph W. Handley

Joseph W. Handley é o presidente da A3 (anteriormente Asian Access). Ele foi o diretor fundador do Escritório de Missões Mundiais da Azusa Pacific University e pastor titular de missões na Rolling Hills Covenant Church. Joe atua nos conselhos consultivos dos Projetos Nozomi e DualReach, bem como nos conselhos da BiblicalTraining.org e ReIgnite Hope. Joe tem doutorado em Estudos Interculturais pelo Seminário Teológico Fuller.

Micaela Braithwaite

Micaela Braithwaite é coordenadora de comunicação interna do Movimento de Lausanne. Concluiu sua graduação em teologia no Baptist Theological College of Southern Africa, onde também ministrou um curso de línguas bíblicas. Micaela já serviu como pastora de crianças e jovens e atualmente lidera um ministério estudantil em sua igreja local. Ela e o marido moram em Joanesburgo, na África do Sul.