Global Analysis

Movimentos de formação de discípulos

Aplicando um equilíbrio fiel

David Williams set 2024

‘Será que todos os cristãos da Inglaterra podem ficar de braços cruzados enquanto essas multidões na China estão perecendo por falta de conhecimento?’1

Com essas palavras, James Hudson Taylor expressa sua frustração com o contentamento presunçoso dos adoradores na Inglaterra, enquanto tantos ao redor do mundo nunca haviam ouvido o evangelho do Senhor Jesus Cristo. Uma das grandes contribuições do movimento missionário protestante foi o despertamento do senso de urgência na tarefa de evangelizar o mundo.

Os movimentos de formação de discípulos (MFDs) atraíram atenção significativa nos últimos anos por serem uma abordagem missional que visa o crescimento rápido e abrangente do evangelho. Esses movimentos, cujas raízes estão na tradição da missiologia protestante que teve como pioneiros pessoas como Roland Allen e Donald McGavran, enfatizam a multiplicação de discípulos que fazem discípulos, levando à rápida plantação de igrejas locais. Allen e McGavran estavam frustrados com os resultados limitados das abordagens missionárias usadas. O engajamento de McGavran com as ideias de Allen deu origem ao movimento de crescimento da igreja. McGavran foi pioneiro na criação de formas de mensurar o crescimento da igreja de forma que a análise sociológica pudesse permear a práxis missionária. O MFD surgiu como a mais recente reiteração dos princípios de crescimento da igreja. No entanto, o enfoque na rapidez e na abrangência torna esse movimento vulnerável a padrões de pensamento influenciados pelo secularismo ocidental. Este artigo analisará essas questões.

Entendendo os movimentos de formação de discípulos (MFDs)

No cerne do pensamento dos movimentos de formação de discípulos reside um desejo apaixonado que muitas pessoas conheçam a Jesus Cristo. Essa urgência reflete-se nos termos “multiplicação rápida” e “propagação rápida” usados para definir esses movimentos. O grupo Zúme, por exemplo, define um MFD como “um aumento rápido e exponencial no número de discípulos que fazem outros discípulos”.2 Daniel Sinclair apresenta várias definições para os MFDs e todas incluem o tema do crescimento rápido.3 Os MFDs costumam estabelecer métricas específicas no que se refere a abrangência e rapidez, como uma meta de quatro gerações de grupos e 75 grupos com 500 discípulos no período de três anos. É importante sublinhar que “no período de três anos” significa três anos a partir do início do movimento e não três anos a partir do início do engajamento missional num determinado contexto. Provavelmente, serão necessários muitos anos de trabalho preparatório antes do início de um movimento. A ênfase na rapidez e na abrangência é motivada por uma profunda preocupação com os milhões de pessoas que nunca ouviram o evangelho e por um sentimento de frustração com as abordagens mais demoradas ao evangelismo e à plantação de igrejas. Os proponentes do MFD argumentam que a Grande Comissão nos chama a fazer discípulos de todas as nações e acreditam que as abordagens do movimento podem ajudar a cumprir esse mandato de forma mais rápida e eficaz.

Rapidez e abrangência no secularismo ocidental

No entanto, os temas de rapidez e abrangência também representam riscos para os cristãos ocidentais modernos que estão inseridos em uma cultura secular. Charles Taylor demonstrou que esta era secular não vê necessidade de Deus ou de espiritualidade.4 Quando Deus e a espiritualidade são excluídos da vida cotidiana, a forma como lidamos com o tempo também é afetada. O sociólogo alemão Harmut Rosa afirma que estamos vivenciando uma aceleração social – sentimos que o tempo passa cada vez mais rápido.5 Um minuto ainda é um minuto, uma hora ainda é uma hora. Mas a inovação tecnológica nos permite acumular mais e mais eventos de comunicação a cada minuto e a cada hora. Uma boa ilustração é pensar no prazo socialmente aceitável para se responder a uma mensagem. Uma mensagem pelo correio tradicional exigia uma resposta no espaço de algumas semanas. As mensagens por e-mail já exigem uma resposta em dias ou, no máximo, uma semana. E as mensagens via WhatsApp requerem uma resposta em minutos ou horas.

A aceleração tecnológica leva à aceleração social, pois acelera o compasso de mudança dos valores e atitudes sociais. O tempo é cada vez mais controlado pelas grandes empresas de tecnologia, as big techs, no Vale do Silício. A mensagem do Vale do Silício é que o sucesso empresarial resulta de alcançar o maior número de pessoas o mais rápido possível: rapidez e abrangência. No Vale do Silício, acredita-se que a chave para atingir esse objetivo é inovar, aproveitando nossa criatividade. O Vale do Silício disponibilizará a tecnologia para isso.6 O risco para os MFDs é que embarcamos na aceleração social sem nos darmos conta disso. Como cristãos ocidentais, o secularismo é o ar que respiramos, por isso é impossível não sermos influenciados pela narrativa secular. Quanto aos MFDs, é fácil para os ocidentais modernos acreditar que tamanho e rapidez são os objetivos máximos. Também é fácil pensar que a melhor maneira de alcançar rapidamente o maior número de pessoas é fazendo uso de nossa criatividade e capacidade de inovação. A partir disso, elaboramos estratégias e ferramentas inovadoras específicas que vão produzir um movimento. Acreditamos que concebendo novas abordagens criativas para a obra missionária, encontraremos a ferramenta, a técnica ou a tecnologia que desbloqueará um crescimento significativo. Mas, como diz Os Guiness: “Não há lugar em que a igreja moderna seja mais mundana do que em sua idolatria afobada de noções modernas como mudança, relevância, inovação e estar do lado certo da história”.7

Não há lugar em que a igreja moderna seja mais mundana do que em sua idolatria afobada de noções modernas como mudança, relevância, inovação e estar do lado certo da história.

Os Guiness

Andrew Wilson defende uma posição semelhante ao criar o acrônimo “WEIRDER”8 para classificar o Ocidente secular:

Os “WEIRDER”, mesmo os que estão na igreja, são pelagianos naturais. Acreditamos que o sucesso vem da tentativa, não da confiança; queremos que as coisas funcionem e, se não funcionarem, tentamos outra; somos mais inclinados do que nossos antepassados a venerar estratégias, passos e soluções, e menos inclinados a honrar mistérios, místicos e mártires; e odiamos a ideia de “perder”, seja lá o que for. Portanto, se a igreja está decrescendo em número ou deixando de ter relevância na sociedade, nosso instinto é presumir que estamos perdendo algo e, por isso, buscamos corrigir essa situação por meio de uma mudança de tática. Isso, sem dúvida alguma, gera muita inovação, mas também gera esforço e muita ansiedade. É o que sempre acontece no pelagianismo.9

Diagonalização

Para lidar com essas tensões, o conceito de “diagonalização” proposto por Christopher Watkin pode ser uma ferramenta útil.10 A diagonalização implica identificar falsas dicotomias culturais e apresentar uma perspectiva bíblica que transcende essas falsas escolhas. Por exemplo, a dicotomia entre “se nos importarmos com os perdidos, devemos gerar o máximo de crescimento possível” e “o crescimento é responsabilidade de Deus, não nossa” pode ser diagonalizada pela afirmação de que “Deus dá crescimento enquanto arautos ineficientes proclamam uma mensagem tola”. Da mesma forma, a dicotomia entre “sucesso significa crescimento rápido” e “sucesso não é nossa preocupação” pode ser diagonalizada com a afirmação: “Enquanto formos fiéis a Deus, ele cumprirá suas promessas”. Essa abordagem nos encoraja a evitar o pensamento simplista “ou isso ou aquilo” e, em vez disso, buscar uma compreensão da obra missionária que tenha outras nuances e seja biblicamente fundamentada. Usar a linguagem da diagonalização nos permite estar atentos aos argumentos sem fundamento e nos encoraja a caminhar com cautela entre falsas dicotomias. Há muitos aspectos extraordinários no pensamento dos MFD, mas outros são confusos. Se cairmos nas categorias simplistas, não seremos capazes de lidar com essas tensões.

Reflexões

Deus é generoso em proporcionar um crescimento notável em momentos de sua própria escolha soberana. Muitas vezes o crescimento rápido acontece tempos depois de um ministério lento e trabalhoso

É importante reconhecer a valiosa contribuição dos MFDs. Sua ênfase na oração fervorosa, na priorização do evangelismo e na capacitação de líderes locais para fazer discípulos que façam de discípulos é algo transformador e encorajador. O sentido de urgência e prioridade que os MFDs trazem à missão evangélica é uma contribuição vital que não deve ser menosprezada. O desafio, portanto, é permanecer fervorosamente convencido da urgência e da prioridade da missão evangélica sem se deixar levar por narrativas seculares de rapidez e abrangência. Isso exige um envolvimento cauteloso com as abordagens dos MFDs, sem deixar de valorizar os seus pontos fortes ao mesmo tempo que avalia de forma crítica seus possíveis pontos cegos e vulnerabilidades.

O crescimento não é a trajetória automaticamente concedida por Deus à igreja. Quando acompanhamos a narrativa bíblica, vemos o povo de Deus experimentando bênção e juízo, crescimento e constrição. A igreja cresce rapidamente nos primeiros capítulos de Atos. Nas cartas às igrejas no início do livro de Apocalipse, o Senhor Jesus fala da possibilidade de retirar o candelabro de algumas congregações.

Uma das tentações do secularismo ocidental é estar convencido de que a inovação é a resposta para todos os nossos problemas e que, se algo é novo, deve ser bom. De fato, há muitas ideias novas e boas contidas na forma de pensar do MFD. No entanto, devemos reconhecer que não há nada de novo nos temas significativos da práxis dos MFDs. São princípios que ecoam séculos de história missionária. Por exemplo, o enfoque dos MFDs está nos discípulos locais que fazem novos discípulos a partir da sua própria cultura e contexto, observando que essa forma de comunicação do evangelho é particularmente eficaz. Essa observação reflete temas do cristianismo mundial, à medida que reconhece e honra as contribuições dos cristãos de todo o mundo para a obra missionária global. Missionárias afro-americanas, como Rebecca Protten e Betsey Stockton, missionários africanos, como Samuel Crowther e Apolo Kivebulaya, contribuíram de forma extraordinária para a obra missionária mundial, mas suas histórias são relativamente desconhecidas se comparadas a de pessoas como William Carey e Adoniram Judson.11 Historicamente, o crescimento explosivo da igreja raramente veio de missionários estrangeiros. Estes geralmente levavam um pequeno número de pessoas locais a Cristo. Foi por meio do evangelismo desses primeiros convertidos que ocorreu um crescimento mais rápido do evangelho.12

Também devemos reconhecer que, na história das missões, Deus é generoso em proporcionar um crescimento notável em momentos de sua própria escolha soberana. Muitas vezes o crescimento rápido acontece tempos depois de um ministério lento e trabalhoso que parece insatisfatório. Um dos riscos da práxis dos MFDs é a conclusão de que as abordagens anteriores foram deficientes, pois produziram resultados limitados. Mas é possível que a colheita feita pelos MFDs aconteça precisamente porque gerações de obreiros evangélicos foram fiéis na remoção das pedras do solo, permitindo assim que as gerações seguintes arassem e semeassem para que hoje pudesse haver uma colheita.

À medida que navegamos pelas complexidades dos MFDs e de outras abordagens missionais, que possamos nos apegar firmemente à verdade de que é Deus quem concede crescimento enquanto arautos ineficientes proclamam uma mensagem tola,13 confiando no tempo e nos propósitos soberanos de Deus, e não nos nossos próprios.

  1. James Hudson Taylor, China’s Spiritual Need and Claims, 1st ed. (London: James Nisbet, 1865).
  2. ‘What is a disciple making movement?’ ZúmeVision, accessed 24 April 2024, https://zume.vision/articles/what-is-a-disciple-making-movement/. 
  3. Daniel Sinclair, Mission Possible: Defining and Empowering your Ministry among the Unreached (Blackie, AB: MOF Publishing, 2021), 54.
  4. Charles Taylor, A Secular Age (Cambridge: Belknap Press, 2007).
  5. Hartmut Rosa, Social Acceleration: A New Theory of Modernity (New York: Columbia University Press, 2015).
  6. See Andrew Root, The Congregation in a Secular Age: Keeping Sacred Time Against the Speed of Modern Life, Ministry in a Secular Age, Vol. 3 (Grand Rapids: Baker Academic, 2021).
  7. Os Guiness, Fool’s Talk: Recovering the Art of Christian Persuasion (Downers Grove: IVP Books, 2015).
  8. O acrônimo “WEIRDER”, em inglês, descreve a cultura ocidental moderna recente como “Western, Educated, Industrialized, Rich, Democratic, Ex-Christian, Romantic” [ocidental, culta, industrializada, rica, democrática, pós-cristã, romântica].
  9. Andrew Wilson, Remaking the World: How 1776 Created the Post-Christian West (Wheaton: Crossway, 2023), 288.
  10. Christopher Watkin, Biblical critical theory: How the Bible’s Unfolding Story Makes Sense of Modern Life and Culture (Grand Rapids: Zondervan, 2022).
  11. Jon F. Sensbach, Rebecca’s Revival: Creating Black Christianity in the Atlantic World (Cambridge: Harvard University Press, 2005); Gregory H. Nobles, The Education of Betsey Stockton: an Odyssey of Slavery and Freedom (Chicago: University of Chicago Press, 2022); Emma Wild-Wood and George Mpanga, The Archive of a Ugandan Missionary: Writing by and about Apolo Kivebulaya (Oxford: Oxford University Press, 2022); Andrew F. Walls, ‘The Legacy of Samuel Ajayi Crowther,’ International Bulletin of Missionary Research 16, no. 1 (1992), https://doi.org/10.1177/239693939201600104, https://journals.sagepub.com/doi/abs/10.1177/239693939201600104.
  12. Nota da Editora: Veja Multiplicando discípulos no “Cemitério de Missões”, de Victor John & Dave Coles, na Análise Global de Lausanne, março/2022.
  13. 1 Coríntios 1:18-2:4.

Autoria (bio)

David Williams

David Williams é diretor do St Andrew’s Hall, Church Missionary Society-Australia, e membro do corpo docente do Ridley College, em Melbourne. Ele e sua família serviram como missionários em Nairóbi, onde David era diretor do Carlile College. Ele ajudou a instituição a criar um programa especializado de formação missionária urbana com base no “bairro de lata” de Kibera, um dos maiores assentamentos informais da África Subsaariana.