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O campo missionário mais estratégico

Evangelismo no local de trabalho e a Grande Comissão

Bill Peel & Jerry White 02 maio 2023

“Para cumprir a Grande Comissão, todo crente precisa ser um ministro,
e todo local de trabalho um local de ministério.”

— Bispo Efraim Tendero, Aliança Evangélica Mundial

Fórum Mundial Lausanne sobre o Trabalho, Manila, 2019.

convocamos os líderes cristãos a abraçar essa missão, reconhecer que o local de trabalho é o campo missionário mais estratégico que existe e comprometer-se a capacitar os cristãos que estão nesse contexto para cumprirem seu papel na Grande Comissão.

No Segundo Congresso de Lausanne, em 1989, Ford Madison, Pete Hammond, Bill Garrison e Lee Yih apresentaram o artigo A Theology of the Laity [A teologia do leigo], de autoria de Garrison, que propunha que os leigos são os instrumentos escolhidos por Deus para a tarefa de evangelização do mundo. Referindo-se a Provérbios 30.24-25, ele escreveu: “Embora a sabedoria convencional afirme que o leigo é pequeno e insignificante, a sabedoria de Deus sempre confundiu o mundo quando se trata da escolha de seus instrumentos”.

No Terceiro Congresso de Lausanne sobre Evangelismo Mundial, realizado na Cidade do Cabo, em 2010, 800 pessoas se reuniram para a primeira sessão sobre o evangelismo no local de trabalho. Jerry White, ex-presidente internacional do ministério The Navigators, começou sua apresentação perguntando aos participantes quantos deles vieram a crer em Jesus após ouvir o evangelho proclamado em um grande evento, por um evangelista como Billy Graham ou Luis Palau. Menos de vinte pessoas levantaram a mão.

White então perguntou quantos haviam chegado à fé por meio de um colega de trabalho, um amigo ou membro da família, e mais de 750 levantaram a mão. A pesquisa de White, embora reconhecidamente não científica, é uma declaração contundente sobre o evangelismo nos lares e nos locais de trabalho.

No Fórum Mundial Lausanne sobre o Trabalho realizado em Manila, em 2019, Michael Oh, diretor executivo/CEO global do Movimento de Lausanne, observou que apenas 1% das pessoas da igreja global atuam como profissionais [de tempo integral] no ministério e, quando se trata de evangelismo, os 99% restantes são muito negligenciados.

“Vocês [os 99%] não estão aí para ajudar os líderes ministeriais profissionais a cumprir a Grande Comissão. Nós é que existimos para ajudar vocês a fazerem isso”, escreveu Michael Oh numa matéria para a revista Christianity Today, colocando assim a responsabilidade do evangelismo não sobre ministros e missionários profissionais que proclamam abertamente o evangelho, mas em cristãos comuns que passam grande parte do seu tempo no local de trabalho.

Suas declarações ecoaram o sentimento do Compromisso da Cidade do Cabo que, no Terceiro Congresso de Lausanne de 2010, expressava o compromisso de:

  • Incentivar todos os crentes a aceitar e confirmar seu trabalho como um ministério.
  • Desafiar obreiros a levar suas habilidades, ofícios, talentos e profissões ao mundo todo, aos locais onde igreja não pode ir, para a glória de Deus.
  • Apelar aos líderes da igreja que apoiem e reconheçam o local de trabalho como um campo missionário.
  • Exortar o corpo de Cristo a orar pelos cristãos no local de trabalho, nas atividades que exercem em seus negócios e por meio de suas profissões.

Nos últimos 33 anos, contudo, os trabalhos, as pesquisas, promessas e declarações parecem ter caído em ouvidos surdos. O resultado pode ser resumido em uma palavra – negligência – e essa negligência exige uma mudança radical em duas etapas na estratégia da obra missionária.

Primeiramente, precisamos redefinir a linha de frente do impacto do evangelho e, depois, escolher e posicionar esses mensageiros essenciais (os 99%) nas linhas de frente.

À medida que nos aproximamos do Quarto Congresso de Lausanne, em 2024, convocamos os líderes cristãos a abraçar essa missão, reconhecer que o local de trabalho é o campo missionário mais estratégico que existe e comprometer-se a capacitar os cristãos que estão nesse contexto para cumprirem seu papel na Grande Comissão.

Corrigindo equívocos sobre o evangelismo no local de trabalho

A maioria dos profissionais cristãos hesita em reconhecer e cumprir seu nobre chamado ao evangelismo no local de trabalho. A ideia de discutir a fé no ambiente de trabalho é perturbadora, pois a grande maioria acredita que não tem o dom de evangelismo.[1]

Muitos se sentem despreparados para responder às possíveis perguntas de seus colegas. Outros não se sentem qualificados, pois sua vida não é exemplar. E alguns temem provocar desentendimentos com colegas, criar conflitos com chefes ou até mesmo perder o emprego. No entanto, muitas de suas preocupações e obstáculos decorrem de uma percepção distorcida do que é evangelismo.

E se os 99% entendessem que seu papel na jornada de uma pessoa para abraçar a fé em Jesus pode começar com algo simples como tomar um café com um colega, encorajar alguém que está tendo uma semana difícil ou oferecer uma mão amiga a um chefe ou colega de trabalho estressado? E se eles entendessem que um trabalho bem executado pode ser para os colegas como uma luz “para que vejam as suas boas obras e glorifiquem ao Pai de vocês, que está nos céus” (Mt 5.16)?

E se os 99% entendessem que seu papel na jornada de uma pessoa para abraçar a fé em Jesus pode começar com algo simples como tomar um café com um colega, encorajar alguém que está tendo uma semana difícil ou oferecer uma mão amiga a um chefe ou colega de trabalho estressado?

O que mudaria se as pessoas soubessem que não é necessário ser perfeito ou usar as palavras certas; que atrair as pessoas para si mesmo é obra do próprio Deus, pois “ninguém pode vir a mim, se o Pai, que me enviou, não o atrair” (Jo 6.44)? Por meio de breves interações e testemunhos de fé, o Pai está agindo no coração e na mente das pessoas para atraí-las a Jesus (Jo 6.44).

E se eles acreditassem nas palavras de Jesus “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra” (Mt 28.18) e entendessem que Jesus os autoriza a agir em seu nome para cumprir seu chamado como suas testemunhas no local de trabalho? E se eles considerassem verdadeira a promessa de Jesus – que “o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, lhes ensinará todas as coisas e lhes fará lembrar tudo o que eu lhes disse” (Jo 14.26)?

E se esses crentes confiassem na presença de Cristo – que está com eles em todos os momentos, lugares e situações (Mt 28.20)? E se milhões de cristãos nos mais variados locais de trabalho em todo o mundo acreditassem de fato nessas verdades e fossem capacitados, encorajados e comissionados para assumir seu devido lugar no cumprimento da Grande Comissão, seguindo o exemplo da igreja primitiva?

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Inside a Cabinet Maker’s Ministry

God doesn’t just love the cabinet maker; he loves good cabinets too.

A natureza histórica do local de trabalho no cumprimento da Grande Comissão

Antes de sua ascensão, Jesus delineou seu plano estratégico para alcançar o mundo inteiro com as boas novas do reino de Deus.

Então, Jesus aproximou-se deles e disse: “Foi-me dada toda a autoridade no céu e na terra. Portanto, vão e façam discípulos de todas as nações, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, ensinando-os a obedecer a tudo o que eu lhes ordenei. E eu estarei sempre com vocês, até o fim dos tempos” (Mt 28.18-20).

“Mas receberão poder quando o Espírito Santo descer sobre vocês, e serão minhas testemunhas em Jerusalém, em toda a Judeia e Samaria, e até os confins da terra” (At 1.8)

Os seguidores de Cristo do primeiro século abraçaram sua missão, e o número de discípulos cresceu de algumas centenas antes do Pentecoste para mais de seis milhões no final do terceiro século[2] – um crescimento considerável sob qualquer perspectiva e o maior sucesso de comunicação na história da humanidade.

Talvez nos sintamos tentados a acreditar que o crescimento exponencial da igreja primitiva é fruto da pregação eficaz de Pedro, Paulo e outros comunicadores talentosos cujo trabalho era divulgar o evangelho. Também podemos dar crédito à estratégia de Paulo de visar os principais centros culturais e plantar igrejas que pudessem contagiar a zona rural circundante. Esses esforços foram, sem dúvida, admiráveis e importantes,[3] mas o fator principal é que os primeiros cristãos de todas as etnias, gêneros e camadas da sociedade eram fervorosos pela expansão do reino de Cristo. Segundo o teólogo Michael Greene, eles estavam determinados a “agir como embaixadores de Cristo em um mundo rebelde, quaisquer que fossem as consequências”.[4]

A história antiga e o Novo Testamento relatam que o evangelho se espalhou como fogo ao longo das rotas comerciais, em locais públicos e de casa em casa, ou de oikos em oikos. O significado básico da palavra grega oikos é “casa”, mas no primeiro século, um oikos também era a base social e unidade econômica do mundo greco-romano. Uma casa não era apenas a moradia de um núcleo familiar, mas também um local de trabalho – o pequeno negócio da época, que incluía membros da família, trabalhadores contratados e empregados domésticos.[5]

Por meio de conversas informais entre os membros da oikos, homens e mulheres compartilhavam o evangelho com amigos, parentes, colegas de trabalho, fornecedores, clientes, professores e soldados – essa era sua rede de relacionamentos no local de trabalho. Eles não eram pregadores ou missionários profissionais, mas evangelistas informais.

Em Atos 8, descobrimos que os homens expulsos de Jerusalém como resultado da perseguição que se seguiu ao martírio de Estêvão não foram os apóstolos, mas os missionários “amadores”, que levavam o evangelho por onde quer que andassem […] É provável que não se tratasse de uma pregação formal, mas de uma conversa informal com amigos e conhecidos, em casas e comércios, em caminhadas, e junto às tendas do mercado. Eles iam a todos os lugares conversando sobre o evangelho; e o faziam com naturalidade, entusiasmo e com a convicção de quem não é pago para fazer tais afirmações.[6]

“Eles iam a todos os lugares conversando sobre o evangelho; e o faziam com naturalidade, entusiasmo e com a convicção de quem não é pago para fazer tais afirmações.”

Além dos relatos em Atos que revelam a forma como o evangelho se espalhou, a igreja em Colossos oferece um exemplo de como as pessoas levaram consigo as boas novas para o interior da Ásia Menor (atual Turquia) através de antigas rotas comerciais. Até onde se sabe, Paulo e os outros apóstolos nunca visitaram Colossos. É provável que o evangelho tenha sido levado para lá por empresários, como Epafras, que, em viagem de negócios a Éfeso, foi discipulado por Paulo e levou as boas novas para sua casa em Colossos.

Paulo também enfatiza a importância e os benefícios do trabalho em Colossenses e 1 Tessalonicenses. O trabalho não é apenas uma necessidade; é um chamado que constitui a espinha dorsal da sociedade local. O trabalhador é respeitado e reconhecido por sua atividade, e essa é uma plataforma confiável para compartilhar a mensagem do evangelho.

O valor do trabalho é enfatizado em toda a Bíblia. Desde o jardim do Éden até a construção do tabernáculo e do templo, trabalhadores habilidosos foram trazidos e empregados. Neemias empregou todos na obra de reconstrução do muro ao redor de Jerusalém. José, Daniel e Ester foram leigos que fizeram a diferença em seu contexto secular.

O local de trabalho era o que havia de mais estratégico para o evangelismo da igreja primitiva, e acreditamos que seja assim hoje também. Por essa razão, é fundamental que mudemos nosso pensamento sobre o evangelismo – no que se refere aos mensageiros e ao método – para cumprir hoje a Grande Comissão.

Nota da Editora: Este artigo faz parte da nossa série Evangelismo no Trabalho. Na Parte 2, discutimos o “como”: Como os cristãos que não têm o dom de evangelismo podem levar o evangelho de maneira eficaz para o local de trabalho?

Endnotes

  1. A pesquisa do Barna Group indica que apenas 1% dos cristãos afirmam que têm o dom de evangelismo. “Survey Describes the Spiritual Gifts That Christians Say They Have”, The Barna Group, 9 de fevereiro, 2009, https://www.barna.org/barna-update/faith spirituality/211-survey-describes-the-spiritual-gifts-that-christians-say-they-have.
  2. Rodney Stark, The Rise of Christianity: A Sociologist Reconsiders History, (Princeton, NJ: Princeton University Press, 1996), 6.
  3. Atos 2.14-41, 6.7-10, 11.4-18, 13.13-49, 17.11-12.
  4. Michael Greene, Evangelism in the Early Church, (Grand Rapids, MI: William B. Eerdmans Publishing Co., 2003), 23.
  5. Um oikos de qualquer tamanho também tinha um oikonomos ou mordomo cujo trabalho era o de oikonomia ou administração da casa – de onde vem a palavra “economia”.
  6. Greene, 243.