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Na última década, vimos o crescimento de uma nova ideologia no Ocidente e cada vez mais em outras partes do globo; às vezes, é descrita como “transgenerismo” ou simplesmente como “teoria queer”. A principal diferença entre este movimento e os movimentos anteriores é que ele não busca defender a promiscuidade sexual ou os direitos gays. Em vez disso, é um ataque ao conceito de identidade sexual fixa.

A teoria queer envolve uma crítica a tudo que é rotulado “normal” em se tratando de sexualidade e gênero, e coroou a comunidade transgênero como os heróis de nossos tempos. Neste artigo, busco explorar alguns dos aspectos principais deste movimento, incluindo uma análise bíblica de seus argumentos e consequências.

O gênero como “construção social”

Há poucas coisas que ocupam as mentes dos ocidentais modernos tanto quanto sua identidade. Este parece ser o caso com a geração mais jovem, mas o “projeto de identidade” é um aspecto central de nossa cultura como um todo. Tentamos descobrir quem somos, de onde viemos, para onde vamos, qual é o nosso valor e a qual grupo maior pertencemos; e uma das questões mais centrais desta missão, pelo menos observando a última década, está relacionada ao nosso gênero e sexualidade.

Com o gênero sendo considerado uma construção social, os conceitos tradicionais de sexualidade, assim como as diferenças entre homens e mulheres, estão sendo rejeitados.

A chamada “segunda onda” do feminismo ocorreu entre os anos 1970 e 1980, e apresentou o conceito de gênero como sendo uma “construção social”. Com este conceito, as feministas queriam enfatizar que, enquanto nosso sexo biológico é fixo, os nossos papéis sociais como homens e mulheres são fluídos e, pelo menos em grande parte, criados pela cultura que nos cerca. Esta afirmação pode ainda ser controversa para muitos cristãos, mas no geral é aceito pela maior parte da sociedade ocidental.

O que é novo, entretanto, é o que está sendo chamado de teoria queer ou “terceira onda” de feminismo. Esta ideologia estipula que não somente o papel de cada gênero é fluído, mas também nossos sexos biológicos. Com o gênero sendo considerado uma construção social, os conceitos tradicionais de sexualidade, assim como as diferenças entre homens e mulheres, estão sendo rejeitados.

Trans, queer e intersexualidade

O porta-voz mais conhecido para esta forma de pensar era chamado de movimento LGB (e antes disso simplesmente “movimento gay”), mas agora é frequentemente chamado de movimento LGBTQI+. O que me preocupa nessa sigla são as três últimas letras da sequência:

  • T, representando transgênero ou trans;
  • Q, para queer; e
  • I, que representa intersexualidade.

Transgênero

Transgênero ou “trans” é o termo técnico para pessoas que possuem uma identidade ou expressão de gênero diferente de seu sexo biológico. Isso inclui – mas não é restrito a – pessoas que têm o desejo de receber assistência médica para fazer a transição de um sexo para o outro (frequentemente chamados de transexuais). No entanto, cada vez mais, “trans” tem se tornado um termo que engloba todos que se auto identificam como sendo diferentes do seu sexo biológico (ou pelo menos um pouco diferente). No fim, isso leva à uma compreensão quase metafísica de identidade de gênero: independente do corpo, órgãos reprodutivos, cromossomos e hormônios de uma pessoa.

Queer

O termo “queer” mudou de sentido com o passar do tempo. Originalmente significava “estranho” ou “peculiar”. Nos últimos cem anos se tornou um termo pejorativo para homossexuais. No entanto, hoje isso evoluiu e se tornou um conceito diferente que se opõe a todas as formas de normatividade e opostos binários. Os teóricos queer tendem a ver tanto a sexualidade quanto o gênero como fluídos, ou seja, variando em uma escala de heterossexual-homossexual-bissexual-transexual e assim por diante. Os teóricos queer também rejeitam as normas “hétero” e “dois sexos”, então eles também desafiam partes tradicionais do movimento LGB também.

Intersexualidade

A intersexualidade também é um termo abrangente. No geral, todas as pessoas intersexuais possuem algum tipo de diagnóstico médico. A definição oficial seria a de indivíduos cujas genitais, gônadas, cromossomos ou hormônios sexuais não se encaixam nas definições típicas de corpos masculinos ou femininos.

O problema da ideologia

Como vemos acima, os conceitos de trans, queer, e intersexualidade podem ser usados de formas diferentes. Num sentido mais estreito, eles representam condições médicas ou psicológicas. No caso da intersexualidade isso é obvio, mas o mesmo é válido para o que chamamos de “disforia de gênero” ou transexualidade. No entanto, os rótulos TQI+ são utilizados em um sentido mais amplo, e demandam afetar nossa compreensão sobre a sexualidade e identidades em termos mais gerais. Como mencionado, o trans como ideologia representa uma compreensão quase metafísica da identidade de gênero, enquanto a teoria queer é baseada no ceticismo com relação à normatividade e opostos binários.

Esses conceitos têm influenciado a cultura ocidental atualmente das seguintes formas:

  • Quando o travesti austríaco Conchita Wurst venceu a competição musical Eurovision em 2014, ele/ela se tornou um símbolo não somete musical, mas também da liberdade que todos têm de “ser quem você realmente é”.
  • O mesmo vale para o atleta campeão americano medalhista de ouro Bruce Jenner, que em 2015 declarou que daquele momento em diante seria Caitlyn Jenner, dando início a uma transição hormonal e médica para o sexo feminino.

Em países como o Reino Unido, Estados Unidos e Canadá, a questão transgênero é alvo de debates aquecidos. O teste definitivo de não ser discriminatório se tornou o tratamento de todos que se auto identificam como trans, incluindo a questão de se você está disposto ou não a se referir às pessoas transgêneras pelo seu pronome preferido, e/ou se você os deixaria usar os vestiários reservados para o sexo com o qual cada pessoa se identifica. Como mencionado acima, a questão se torna ainda mais complicada pelo fato de que muitas pessoas que se auto identificam como trans não possuem um diagnóstico médico ou psiquiátrico como base, e espera-se que você simplesmente aceite a compreensão (metafísica) que cada um tem sobre seu próprio sexo.

Na minha pátria, Suécia, entende-se que a ideologia queer tem o maior impacto. Nas escolas e pré-escolas suecas existe uma crescente apreciação sobre o que é chamada de “pedagogia crítica de normas”. Por trás desta mentira pedagógica, estão os valores tipicamente queer, contra o normativo e opostos binários. Em vez de buscar a tolerância, a pedagogia crítica de normas tenta influenciar as pessoas (neste caso até mesmo crianças pequenas) a se distanciarem das normas tradicionais, com ênfase específica no hétero e noção de dois sexos.

Uma forma tangível de se fazer isso, apoiado pelo governo Sueco, é introduzir toaletes unissex, ler livros sobre famílias não-tradicionais, e brincar de casinha como um casal homossexual, dentre outros. A ideia por trás disso é que não existe família “normal”, sexualidade “normal”, e uma identidade de gênero “normal”. De forma simples: a solução para uma discriminação percebida contra pessoas LGBTQI+ é ensinar a todos que não existe um ponto de partida neutro, ou seja, não é mais estranho ser heterossexual do que ser LGBTQI+.

Uma resposta cristã

O que os cristãos deveriam entender disso tudo? Minha breve resposta se encaixa em três pontos:

Agora que ouvimos os chamados vindos das margens, não devemos olhar aos indivíduos do movimento LGBTQI+ com nada menos do que o amor de Cristo.

1. O desafio positivo

Eu acho importante não descartar as histórias do movimento LGBTQI+ como irrelevantes. Não somente as igrejas, mas com certeza na sociedade como todo, frequentemente marginalizamos estes indivíduos de forma injusta. Agora que ouvimos os chamados vindos das margens, não devemos olhar aos indivíduos do movimento LGBTQI+ com nada menos do que o amor de Cristo. Também não devemos negar às pessoas, que por motivos justificados, tenham a necessidade de receber tratamentos médicos ou psiquiátricos. Por último, deveríamos afirmar em parte a ideologia queer, percebendo que todos somos um pouco ‘queer‘ (estranhos) – ou seja, marcados pelo quebrantamento de um mundo caído (Rm 8:22-23).

2. O desafio negativo

Por outro lado, precisamos reconhecer os perigos da ideologia trans e queer da forma que são generalizadas pela população como um todo. É simplesmente impossível permitir que as experiências do movimento LGBTQI+ definam a percepção de sexo e gênero também dentro da maioria heterossexual.

Isto é particularmente importante quando falamos da geração mais nova. É uma traição aos nossos jovens e crianças não os encorajar a encontrar suas identidades como meninos e meninas, do sexo masculino e feminino:

  • Transferimos uma disputa pessoal à maioria que antes tinha relevância somente para a minoria – forçando todos a se ‘auto identificarem’ sem preocupação pelo seu sexo biológico, já que isso não tem nada a ver com nossa identidade e/ou sexualidade.
  • Também criamos uma confusão desnecessária na escolha de um(a) parceiro/a, praticamente encorajando até os jovens heterossexuais a namorarem os dois sexos, uma vez que a norma hétero é considerada opressiva.

3. A alternativa bíblica

A Bíblia em geral, e considerando em especial a história da criação, deixa claro que tanto a norma hétero, quanto a norma dos dois sexos, são fundamentais. Podemos dizer o mesmo dos outros opostos binários que foram determinados na criação de Deus (Gn 8:22). A ideia de que nossos corpos não comunicam nada vital sobre nossa identidade (de gênero) pode ser identificado como uma forma moderna do gnosticismo, delineando um conflito do corpo contra a alma.

Em vez da teoria queer, devemos, portanto, reivindicar a natureza fundacional da ordem da criação. Ao reconhecer que somos todos quebrados, precisamos ajudar a próxima geração a encontra sua identidade em sua criação à imagem de Deus – incluindo espírito, alma e corpo (1 Ts 5:23).

Também precisamos demonstrar que nossa identidade sexual pode ser mais importante do que tradicionalmente explicado pelas igrejas cristãs, mas que não é tão importante ao ponto de nos definir como seres humanos. Podemos ser heterossexuais ou LGBTQI+, mas acima de tudo somos chamados a sermos os filhos e filhas de Deus.

Para muitas igrejas evangélicas, isso também significa que precisamos voltar aos nossos estudos, e fazer nossa lição de casa sobre a teologia da criação. Precisamos encontrar argumentos sólidos de como uma compreensão tradicional da humanidade, pessoas do sexo feminino e masculino, é tão fundamental para a ordem da criação. Nesta busca, devemos nos envolver não somente com a Bíblia, mas também com evidência científica, médica, psicológica e experiências sociais.

Além de tudo isso, precisamos mostrar através de nossos ensinamentos e nossas vidas que o caminho para a liberdade para pessoas heterossexuais e LGBTQI+ é fixar nossas identidades não em nossas orientações sexuais, mas sim em nossa origem do Deus Criador.

Olof Edsinger é o Secretário Geral da Aliança Evangélica Sueca. Ele escreveu diversos livros sobre a Bíblia e vida cristã, inclusive diversos livros sobre sexualidade e questões de gênero.