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Há alguns domingos, assim que o culto de louvor acabou, Erika espontaneamente se aproximou de mim (Susan) e me perguntou com um sorriso: “Posso orar por você?”.

“Sim, você pode”, respondi. Contei para ela sobre o Segundo Fórum de Lausanne sobre Crianças em Risco e mencionei que todos os participantes trabalhariam com assuntos relevantes para crianças em risco.

Ela disse: “Vamos orar”, e então orou por mim e por todos os participantes. Ela pediu pela bênção de Deus sobre nós e que fizéssemos um bom trabalho pelas crianças.

Missão com crianças como a Erika

A Erika não é uma das adultas da nossa congregação. Ela tem nove anos de idade. É esbelta e tem a pele cor de caramelo, com longos cabelos ondulados que revelam suas origens do Oriente Médio. Quando um grupo da igreja se reuniu para abençoar o lar de uma família da igreja, eu a vi orar em voz alta em cada cômodo. Eu a vi correr para a frente da igreja para entender as mãos e orar pelas pessoas que estamos enviando ao ministério. Seu sorriso já me aqueceu quando eu chegava à porta do santuário e ela oferecia o boletim e um alegre “bom dia!”. Eu me alegrei em ver sua concentração ao passar a cesta de ofertas, levando a sério seu papel de ajudante, cumprindo-o com a dedicação e a graça que só as crianças têm. Eu também observei, com alegria, à medida que ela brincava e, ao mesmo tempo, ficava de olho nas crianças mais novas, gentilmente corrigindo-as quando não se comportavam e guiando-as para longe do perigo.

Como um casal pastoral, meu marido e eu fomos abençoados pelas suas orações. A nossa igreja faz missões “pela”, “com” e “para” a Erika; a nossa comunidade na igreja acolhe de todo o coração e dá ouvidos à Erika.

A Erika nos oferece uma imagem de uma criança próspera, totalmente aceita pela família da fé, trabalhando juntamente com todas as gerações na missão de Deus.

Ela é uma criança de sorte, é saudável e frequenta a escola. A Erika vive em uma comunidade com água limpa, transporte, cuidados médicos, uma biblioteca pública, baixa criminalidade e diversos outros sistemas de suporte. Ela tem pais estáveis e um lar cristão cheio de amor. Apesar de sua família estar passando por dificuldades financeiras no momento, enquanto seu pai está no seminário, estas dificuldades são temporárias e resultado de uma decisão intencional. A Erika nos oferece uma imagem de uma criança próspera, totalmente aceita pela família da fé, trabalhando juntamente com todas as gerações na missão de Deus.

Crianças em risco e seu lugar no Reino

No entanto, nem todas as crianças são tão abençoadas. Crianças enfrentam grandes riscos em todas as regiões do mundo:

  • Crianças vivem em extrema pobreza;
  • Crianças são afetadas por conflitos, violência e abuso;
  • Crianças acabam envolvidas em crises de refugiados;
  • Crianças são traficadas e prostituídas;
  • Outras encaram uma combinação destes e outros riscos.
Children around the world infographic

Cada criança em nosso mundo quebrado e confuso é um ser humano multifacetado, criado à imagem de Deus.

Apesar de centenas de milhares de crianças enfrentarem riscos, cada uma delas é muito mais do que uma vítima ou rótulo trágico. Cada criança em nosso mundo quebrado e confuso é um ser humano multifacetado, criado à imagem de Deus, abençoado com dons espirituais – uma criança que pode trabalhar de forma significativa como obreiro colaborador na igreja e missão. A igreja global está percebendo e respondendo seriamente à importância das crianças, especialmente das crianças em risco.

Fórum de Lausanne

Os riscos que afetam as crianças e seu lugar no reino de Deus foram parte da discussão do Segundo Fórum de Lausanne sobre Crianças em Risco (CER), que aconteceu no Lancaster Bible Institute em Lancaster, Pensilvânia entre os dias 14 e 17 de maio de 2017. O Grupo Temático CER contou com a participação de 74 acadêmicos, líderes de igreja, teólogos, missiólogos, profissionais e representantes de ONGs especializadas em crianças, todos reunidos para criar planos de ação para mobilizar a igreja global sobre questões que as crianças em risco enfrentam ao redor do mundo.

Reconhecemos que é desafiador que seguir em frente rumo à ação. É muito mais fácil falar e escrever sobre os temas do que mobilizar a igreja global; no entanto, o Grupo Temático CER se dedica a cumprir os dois mandatos do Compromisso da Cidade do Cabo de Lausanne sobre as crianças:[1]

  1. Treinar pessoas e fornecer os recursos para as necessidades das crianças em todo o mundo; e
  2. Expor, resistir e agir contra toda forma de abuso infantil.

Para se prepararem para o encontro em Lancaster e para garantir que nosso trabalho tivesse base teológica, os participantes responderam a dois principais documentos: O chamado para ação de Quito em favor das crianças em risco,[2] e O estudo pontual de Lausanne 66: missão com crianças em risco.[3] Ambos os documentos foram produzidos como resultado da Consulta de Lausanne sobre crianças em risco e convocam a igreja global para desenvolver planos colaborativos enfatizando e atuando na missão para, com e pelas crianças em risco.

O chamado da igreja global para desenvolver planos colaborativos enfatizando e atuando na missão para, com e pelas crianças em risco

Mantendo o compromisso do Grupo Temático CER em obter a participação infantil no discurso que impacta a vida das crianças, queríamos ouvir das crianças em risco sobre o que “florescer” significa para elas. Por questões éticas não pudemos trazer crianças em risco ao nosso meio durante o encontro, então cada participante foi instruído a conduzir o exercício de escutar as crianças em seu contexto ministerial, ouvindo suas reflexões e observando os trabalhos de arte infantil que relatam o que o florescer humano significa para elas. Foi uma experiência profunda e comovente para os participantes que compartilharam os desenhos e relatos escritos para análise e exibição no local da conferência. Os participantes foram constantemente lembrados das capacidades e perspicácia das crianças, assim como a importância de incluir a perspectiva delas no planejamento de ações.

Durante o encontro, diariamente tivemos um momento de louvor sincero e orações intencionais pelas crianças em risco, seguido de envolvimento bíblico com foco especial em missões com as crianças em risco, uma área que os participantes acreditam que a igreja tem menos proficiência. As plenárias do primeiro dia foram reflexões sobre o estudo pontual de Lausanne do ponto de vista dos obreiros, teólogos e organizações. Diversos palestrantes, que foram crianças em risco no passado, contaram histórias poderosas sobre transformação de vida em família, na igreja e nos ministérios, dando maior atenção à missão para, com e pelas crianças e risco.

No segundo e terceiro dia do fórum, focamos em trabalhar juntos nos cinco grupos de ação designados, no qual cada participante se comprometeu a realizar as tarefas necessárias para realizar os planos feitos. As crianças em risco estavam no cerne de todas as discussões. Os grupos demonstraram perspectivas de valor e reconheceram a criatividade e sabedoria como dons vindos de Deus, enquanto desenvolviam passos de ação concretos para abordar as questões mais urgentes que afetam as crianças.

Children helping

Resultados

Grupo 1 – Advogar perante as igrejas pelas crianças em comunidades de refugiados (crianças em mudança): O grupo planeja educar a igreja estrategicamente sobre as perspectivas de crianças refugiadas, coletando histórias em primeira pessoa das crianças através de trabalhos artísticos e entrevistas. O grupo planeja focar especialmente em crianças refugiadas e incluir crianças “em mudança” também, criando um guia de oração e livro para uso nas igrejas.

Grupo 2 – Amplificando as vozes das crianças: Este grupo está desenvolvendo um kit de ferramentas que será usado para ensinar os adultos de qualquer igreja a escutar com mais efetividade às contribuições das crianças. Juntamente com o kit haverá um plano de modelos intergeracionais otimizados para as igrejas.

Grupo 3 – Multiplicando os programas de treinamento: O grupo propôs três iniciativas importantes: criar uma plataforma para compartilhar recursos entre institutos educacionais e outras organizações de treinamento; aprimorar a comunicação entre seminários e obreiros; e encontrar materiais frutíferos para traduzir para os idiomas locais.

Grupo 4 – Fóruns regionais de Lausanne: O grupo irá convocar a discussão sobre as boas práticas em missão com as crianças em risco com o objetivo de educar e inspirar as igrejas em todas as partes do mundo para a mobilização e ação coletiva, começando nas Filipinas e leste da África.

Grupo 5- Reimaginando o paradigma de crianças em risco: Este grupo começou compartilhando as experiências de vida e ministério que os levou a questionar se florescer seria melhor concebido como ajudar as crianças a descobrirem o significado e propósito de suas vidas. O grupo também reconheceu a importância de refletir mais sobre as limitações da missão, humildade e fracasso como formas de aceitar melhor quando mesmo com esforço máximo os resultados acabam não transformando a vida das crianças. Como parte do plano de ação, planejam publicar as reflexões teológicas sobre estas questões.

O fórum alcançou um marco importante para a Rede temática de crianças em risco do Movimento de Lausanne, saindo da discussão e indo em direção à ação. É uma benção poder reunir alguns dos servos de maior influência e compromisso do reino para trabalhar em parcerias colaborativas, vindos de diversas partes do mundo e de diversas gerações, e assim vermos o coração e propósito de Deus na vida de suas crianças preciosas em circunstâncias difíceis. Estamos ansiosos para ver os resultados das ações dos grupos no próximo ano.

A igreja tem um posicionamento único para ministrar para, com e pelas crianças.

O chamado para ministrar para, com e pelas crianças em risco

A igreja tem um posicionamento único para ministrar para, com e pelas crianças porque ela está presente praticamente no mundo todo. Que mudanças devem ocorrer para a igreja levar a sério o chamado para ministrar para, com e pelas crianças em risco?

  • Liderança, desde a igreja local até as estruturas institucionais, as instituições podem abraçar uma visão elevada das crianças e das Escrituras para que as políticas e documentos reflitam as Escrituras como um todo, com relação às crianças serem completamente incluídas nas igrejas.
  • Os pastores e líderes de igrejas podem receber ferramentas que valorizam as crianças em risco, não somente como receptoras, mas como co-obreiras na missão. É necessário ter educação formal e informal para treinar os pastores e mudar a visão que as igrejas têm das crianças em risco.
  • As igrejas podem examinar as formas em que valorizam ou desvalorizam as crianças dentro de suas próprias práticas. Por exemplo, as crianças estão participando do louvor ou são enviadas para um espaço separado durante o culto todo? As crianças estão participando somente dos bancos ou elas têm espaço para liderar o louvor, orar, compartilhar testemunhos ou participar de outra forma?
  • Podemos examinar como as igrejas intencionalmente se envolvem no ministério para, com e pelas crianças em risco em sua comunidade, cidade e além. Como podemos ser uma voz profética que fala em nome destas crianças e suas famílias? Há como elas participarem no ministério?
  • Os orçamentos ministeriais podem ser analisados como forma de determinar quanto dinheiro é alocado para ministérios com crianças e jovens, e, especificamente, crianças em risco. O que o seu orçamento diz sobre o que é valorizado?
  • Devemos repensar teologias que sustentam e justificam a violência contra crianças, ou a atitude de que elas sejam menos valorizadas do que os adultos. Como punições severas demais, humilhação extrema por comportamentos ‘pecadores’, ou expectativas irreais de maturidade ou perfeição sancionadas pela igreja perpetuam a violência e injustiça com relação às crianças?
  • Devemos aprender a identificar a “participação apropriada” das crianças, especialmente no evangelismo e em ações sociais. Devemos evitar qualquer forma de manipulação, exploração ou coerção das crianças para que participem com base nos planos dos adultos. Políticas claras de proteção e participação infantil ajudam a igreja a minimizar os riscos de exploração e abuso espiritual.

Agora é a hora de agir! Convidamos a igreja global para orar por nós.

Agora é a hora de agir! Convidamos a igreja global para orar por nós ao continuarmos a busca pela sabedoria de Deus no nosso trabalho pelas crianças com risco entre nós. Além disso pedimos que outros se juntem a nós em nossa missão para, com e pelas crianças em risco, empoderando-as para que possam florescer e expressar os dons vindos de Deus e que sejam co-participantes no Missio Dei.

Endnotes

  1. O Compromisso da Cidade do Cabo, Movimento de Lausanne (2011), II.D.5,  https://lausanne.org/content/ctc/ctcommitment.
  2. O chamado para ação de Quito em favor das crianças em risco, Movimento de Lausanne (2014), https://lausanne.org/content/statement/quito-call-to-action-on-children-at-risk.
  3. Missão com crianças em risco (LOP 66), Movimento de Lausanne (2014), https://lausanne.org/content/lop/mission-children-risk-lop-66.

Michelle Sheba Tolentino é catalisadora da Rede temática de Lausanne sobre crianças em risco. Em 2011, ela foi co-fundadora do Made In Hope, uma organização sem fins lucrativos que oferece oportunidades de educação e trabalho para mulheres que foram vítimas da escravidão moderna (tráfico de pessoas e prostituição) e prevenção de exploração sexual e tráfico infantil nas Filipinas. A Michele também trabalha como radialista e produtora do “Okiddo: The 4/14 Kids Show”, um programa de rádio semanal para crianças e jovens (Far Eastern Broadcasting Company, Filipinas), alcançando 500 mil ouvintes. O programa recebeu a premiação Golden Dove Award em 2015 da Associação de Radialistas das Filipinas. Ela também viaja internacionalmente advogando pelas mulheres e crianças em risco.

Susan Hayes Greener, doutora, é catalisadora da Rede temática de Lausanne sobre crianças em risco e atualmente trabalha como professora adjunta de estudos interculturais na Wheaton College Graduate School. Ela trabalhou com desenvolvimento humano durante mais de uma década em universidades e ONGs, incluindo a Trinity Evangelical Divinity School, One Child Matters, Compassion International, Early Head Start e Universidade de Yale. Susan treinou obreiros cristãos de mais de 50 países e escreveu sobre crianças em risco e desenvolvimento humano. Ela é co-autora do livro Effective Intercultural Communication: A Christian Perspective (Baker Academic, 2014 – em tradução livre, Comunicação intercultural efetiva: uma perspectiva cristã) e co-editora de uma edição especial sobre crianças em risco da Transformation (Summer, 2016 – em tradução livre, “Transformação”).